Da perplexidade às carrancas do velho Chico

No primeiro mundo as pessoas olham o Brasil com perplexidade. Como é que um país com tantos potenciais se permite crises como esta que enfrentamos?

Mas perplexidade à parte, é conveniente compreendermos melhor o que nos trouxe a esta encruzilhada do impensável. Como um governo estulto, arrogante e despreparado foi capaz de tantas trapalhadas, tantos equívocos a ponto de fazer o impossível: quebrar o Brasil?

A bem da verdade, o governo petista teve a ajuda de uma constituição irrealista e irresponsável, que deveria ser um farol para o país, mas se revela parte do problema.

Olhando em volta, nos deparamos com um país que se sente exaurido, enganado, traído, sem um projeto, enredado em contas que não fecham, em problemas insolúveis, prisioneiro de si mesmo, de suas contradições, confuso e com uma visão nublada do futuro.

A convicção de que é preciso recomeçar do começo se adensa. Repensar o modelo do Brasil ressoa também na Internet. Nas mídias sociais, e onde quer que o jovens se encontrem, irrompe a participação de jovens em sua disposição para lutar por seus sonhos, por uma nova percepção do mundo e por um Brasil que os acolha.

O fato é que esta nova geração sabe que não está só, tem consciência de seu poder e confia que a solução virá por meio do compartilhamento de esperanças e pelo consenso. Seu mote é o clássico: unidos, nós podemos; unidos nós faremos.

O mais importante, contudo, é que o modelo político predominante se esgotou. Mal ou bem, foi o modelo que tivemos e que, por atribulada que tenha sido nossa história, cumpriu sua missão. Tivemos oportunidades que desperdiçamos. Estadistas que desperdiçamos. Sonhos que desperdiçamos. Vidas que desperdiçamos, mas o tempo é a mãe das oportunidades. E as crises são encruzilhadas do futuro e do destino.

E do governo não temos muito o que esperar. Como dizia Milton Friedman: “As soluções que os governos propõe são, quase sempre, tão ruins como o problema”.

A crise que estamos atravessando nos coloca frente ao desafio de Ortega y Gasset, quando define “vida” em seu livro “Temas de Viaje” (1922): “vida é o que fazemos com nossas circunstâncias”.

As circunstâncias que temos são estas que conhecemos. Podemos tirar partido destas circunstâncias, ou ficar pensando na vida. Podemos fazer as transformações para abrir a janela do mundo digital ou podemos sentar na sarjeta, lamentar nossa sorte, tirar um lenço e chorar.

As circunstâncias são a matéria prima. Com elas podemos fazer hoje o molde do país de amanhã. Um país conectado à realidade do povo, em que o povo se reconheça em seu país.

Olhando de frente para a realidade da crise econômica e social e das oportunidades inexploradas e não mais nos deixarmos entreter pelo cipoal feérico de leis e normas que estão penduradas na ilusão fácil de que basta escrever leis para mudar a realidade.

Está mais do que na hora de agirmos como nação adulta. Precisamos nos desapegar da ficção mirabolante de que podemos fazer a realidade curvar-se com simples voluntarismo. Nós nos afeiçoamos a balagandãs jurídicos que prometem os céus, mas entregam o inferno. Acreditamos demais no poder místico do legalês barroco, do recitar das normas.

Somos um tanto descrentes da mão na massa. Preferimos retórica. Escrevemos textos rebuscados de rococó e esperamos que eles afugentem os maus espíritos como as carrancas na proa dos barcos do Velho Chico. E, assim como esperamos que as carrancas mais feias afugentem mais os tinhosos, gastamos toneladas de papel e galões de tinta para fazer montanhas de leis carrancudas. Uma coisa doida. Fazemos leis para tudo. Mas num país que tem mais de 100 mil leis em vigor, tem até lei federal que agrava a pena dos crimes ambientais se feitos aos “domingos ou feriados”. Então tem as tais leis que pegam e leis que não pegam.

A postura do legislador destes trópicos modorrentos é: nós fazemos as leis. Os outros que tratem de viabilizá-las. Que se virem para fazê-las funcionar. Quanto ao povo, que as engula e as aguente.

Esta postura de rarefeito e esvoaçante compromisso com a realidade vem dos tempos coloniais. A sociedade brasileira sempre entendeu a linguagem legal dos trópicos: Existem leis para valer e Leis para “Inglês ver”, como comentou o Regente Feijó, referindo-se a uma lei de 1831 que, por exigência dos ingleses, declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros desde aquele ano.

Entre os hábitos que temos de mudar está o de entulharmos o caminho com este cipoal de leis. Ao identificarmos nossas dificuldades precisamos revisar todo o arcabouço de leis inúteis, contraproducentes e idiotas. A forma de revisar é simples: cria-se uma lei revogando todas as que não forem revalidadas. Um bom mutirão pode ajudar na faxina.

Outra herança daqueles tempos de aristocratas, imperadores, reis e rainhas, foi a máxima de que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Os aristocratas, especialmente os de tradição ibérica, membros da aristocracia rural, funcionários públicos urbanos acostumados ao ócio, à nada fazer e a tudo ordenar, achavam que fazia parte da ordem natural das coisas existirem senhores e existirem servos. Todo o período colonial foi assim.

E como acreditavam que esta era a ordem natural das coisas, era assim que achavam que devia continuar a ser. E não seria só porque acabou a escravatura que a ordem das coisas haveria de mudar. A escravidão poderia ter terminado de papel passado, mas para a velha elite aristocrática, para a maioria dos políticos e dignitários, para os coronéis e manda-chuvas, a servidão continuava. Assim como o preconceito e a discriminação.

Em sua ótica, a casta dos senhores tinha poderes e nasceu para mandar. À casta do povo, dos vassalos, dos subalternos, o que restava era aceitar e obedecer. E os vassalos, o povo, não tinha que ter vontades. O poder precisava ficar na mão dos senhores.

O curioso é que o Lulopetismo cresceu e elegeu Lula prometendo lutar contra este estado de coisas. Contra este “eles-e-nós”. Contra estas “zelites” feitas dos privilegiados. O que se viu, no entanto, foi uma surpreendente transformação. Ao invés de Lula e seus “companheiros” trabalharem para nivelar a sociedade, abrindo oportunidades e democratizando as chances de acesso – de forma real e não apenas demagógica, claro – os petistas adotaram as mesmas práticas que condenavam. Pior, como são iletrados em sua maioria, não tinham noção de medida. Escalaram o parasitismo e a roubalheira para muito além do que já se tinha visto. E para muito além das possibilidades do Estado. Os petistas, e os aliados que juntaram para desfrutar o poder, passaram a também se “pendurar” no estado e a gozarem as benesses da corrupção.

Ficou evidente que, tirando a retórica de engodo, a intenção dos petistas nunca foi mudar o modelo de organização social. Ainda menos promover a igualdade entre todos os brasileiros.

O PT sempre viveu neste arranjo social prevalente e não conhece outro. Assim, também acha que esse é o jeito “normal”.

Apenas queria seu lugar ao sol: substituir os mandantes e também virar “elite”, mantendo o resto como está. Com a grande massa do povo afastada de reais possibilidades de progresso. A bolsa família, um pequeno paliativo, nunca se constituiu num programa de redenção da pobreza. Seu propósito tem sido o de manter os pobres vivos, na base do pão e água, de eleição em eleição, quando os petistas esperam que sejam “agradecidos” e votem em seus “benfeitores”.

O que os lulopetistas esperam, na verdade, é que o povo continue de espinha curvada, sem voz, sem vez e sem opção, pagando impostos escorchantes e mantendo uma estrutura de país colonial.

Só que as novas gerações estão descobrindo que não são mais escravos. Fruto dos novos tempos e da ampliação dos conhecimentos e experiências em nossa sociedade, com a tecnologia execrendo papel fundamental na descoberta destas novas possibilidades.

Demorou, mas as novas gerações vieram para as ruas para fazerem ouvir o seu grito de independência. Elas querem entrar no jogo da prosperidade. E estão determinadas a encontra o seu espaço.

Elas, eventualmente, ainda não elaboraram um projeto comum para o país, nem tem ainda clareza para expressar o que querem, mas sabem com total lucidez o que não querem. E o que não querem é serem amarradas ou subjugadas por governos que só sabem taxar, restringir e proibir, como se o Brasil fosse um imenso campo de suplício.

O que os brasileiros, especialmente os jovens, esperam é um chamamento para erigir o futuro. E querem fazer no Brasil um futuro para chamar de seu!

Ceska – O digitaleiro


 

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