PARTE 5 – CONSULTORIA E GERÊNCIA HOSPITALAR – A SAGA DO PADRE CHERUBIN (O CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

Consultoria e Gerência Hospitalar

O Pe. Niversindo Cherubin tinha 29 anos, em 1961, quando assumiu a direção geral do Hospital São Camilo de São Paulo. O jovem padre ficou um tanto assustado com a responsabilidade. Ainda mais quando descobriu que, dos 78 leitos, só havia três com doentes internados. Ficou mais sossegado ao saber que a escassez de doentes tinha solução. Ainda no mesmo dia da posse chamou os médicos para conversar. Ouviu suas queixas e garantiu que a coisa mudaria. E, de fato, mudaram. Daquele dia em diante, e pelos 30 anos que se seguiram, não teve mais problemas dessa natureza.

Uma coisa, porém, o Pe. Cherubin compreendeu logo: Hospital não é lugar para amadorismo e improviso. Então, reconhecendo que de gestão de hospital não entendia nada, mas que tinha a seu cargo um hospital que agora, mercê de Deus e dos médicos que traziam pacientes, vivia lotado, foi preparar-se. Frequentou todo tipo de curso sobre hospital. Fez curso de lavanderia, de assepsia e limpeza, de esterilização, de arquivo médico, de estatística, de contabilidade hospitalar, ente outros. Alguns desses cursos foram ministrados pelo Instituto que adotaria, no futuro, o nome de IPH. De todos os que frequentou, o curso do IPH que mais o impressionou foi o de lavanderia hospitalar. Ficou espantado. Ele nunca imaginara o tamanho da montanha de lençóis, fronhas, toalhas, jalecos, aventais, camisolas, campos cirúrgicos, panos e coisas que tais que era preciso lavar todos os dias. Aí, quando comparou as técnicas ensinadas no curso com aquelas que seu hospital praticava, se sentiu pré-histórico. Foi quando se aproximou do criador do IPH, o arquiteto Jarbas Karman, e pediu ajuda para modernizar sua lavanderia. E depois outras áreas do hospital.  

Em 1967 o Pe.Cherubin foi fazer uma pós-graduação de Administração Hospitalar na Faculdade de Saúde Pública, em São Paulo. Esse curso permitiu a ele ampliar sua visão do papel do hospital na saúde da sociedade e, por outro lado, compreender que os cursos de pós-graduação não eram o caminho para a formação da quantidade, e do tipo de profissionais, que os hospitais precisavam. Em seu entendimento, a saída seria criar cursos em nível de graduação.

Para viabilizar a criação de uma Faculdade de Administração Hospitalar foi conversar com seu amigo, o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman, o fundador do Instituto Nacional de Pesquisas e de Desenvolvimento Hospitalares (INPDH) que, no futuro, mudaria para a sigla IPH.

O Instituto continuava dando diversos cursos hospitalares. Alguns, por convite do Pe. Cherubin, ministrados no próprio São Camilo. O Pe. Cherubin, vez ou outra, os assistia. Descobriu que eram uma fonte de recrutamento imbatível.

Ambos, o padre e o arquiteto, visionários, empreendedores e idealistas, em um Brasil que se abria para o mundo, decidiram somar forças. Formaram uma parceria que, embora improvável, teve profundo e duradouro impacto no setor hospitalar brasileiro.

O Arquiteto e Engenheiro Jarbas Bela Karman nasceu em Campanha, MG, em 13 de abril de 1917 e faleceu, aos 91 anos, em São Paulo, em 2 de junho de 2008. Foi engenheiro civil pela Poli (USP), em 1941, e arquiteto pela Poli (USP), em 1947. Titulou-se mestre em arquitetura hospitalar pela Universidade de Yale, nos EUA, em 1952, e participou do curso sobre infecção hospitalar do Prof. Carl Walter, em Kitchener, em Ontário, Canadá, em 1952.

Para dar a dimensão do papel de Jarbas Karman no setor hospitalar paulista basta dizer que ele foi o arquiteto técnico do Hospital Albert Einstein. Em 1953, como contou a esse articulista, Karman foi procurado pelo Dr. Manoel Tabacow Hidal, médico que liderou a criação do Hospital Albert Einstein e cujo consultório ficava no mesmo edifício de seu escritório, na Rua Xavier de Toledo, 210, no centro de São Paulo. O Dr Hidal perguntou ao Karman, já atuante no setor hospitalar paulista, se achava viável um novo hospital na cidade, a ser criado pela comunidade israelita de São Paulo. Karman teria respondido que sim, especialmente se fosse um hospital de padrão internacional. Deste primeiro contato nasceram diversos estudos, inclusive a avaliação de um terreno que estava sendo oferecido por uma pessoa da comunidade judaica. O arquiteto Jarbas Karman foi avaliar o terreno, próximo ao aeroporto de Congonhas, grande e magnificamente localizado. Mas que ele, após examinar as características do solo, opinou pela recusa. O terreno tinha grande quantidade de madeira soterrada e estava profundamente contaminado com cupins, cuja erradicação seria cara e problemática, podendo vir a infectar o hospital.

Foi em 1955 que o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman criou o Instituto Nacional de Pesquisas e de Desenvolvimento Hospitalares (INPDH/IPH), tornando-se pioneiro na formação de profissionais ligados à área da saúde. Seu 1º Curso de Técnica Asséptica e de Esterilização foi ministrado no Instituto de Engenharia de São Paulo em 1955. Ainda naquele ano iniciou a publicação da revista “Hospital de Hoje”, publicada até 1969. Em 1973, então, no período que o Pe. Cherubin ocupava a Coordenação da Assistência Médico Hospitalar do Ministério da Saúde, associou-se a ele para implantar a primeira faculdade de Administração Hospitalar da América Latina, em nível de graduação. Esta sociedade durou 12 anos, com grande sucesso. Como vimos anteriormente, o Pe. Cherubin retirou-se da sociedade do IPH em 1986, com imensa tristeza, quando os camilianos, à sua revelia, decidiram ter uma Faculdade própria de Administração Hospitalar. Aconteceu que dois colegas camilianos, que ele colocara como professores no curso de administração hospitalar do IPH, mas que tinham visão política diferente da linha conservadora esposada por ele, se valeram do prestígio adquirido pelo curso do IPH e pelas instituições camilianas e, ainda mais, do terreno da Clínica Infantil do Ipiranga e dos recursos financeiros obtidos pela Sociedade Beneficente São Camilo, frutos do trabalho do Pe. Cherubin, e fundaram o Centro Universitário São Camilo. Este novo cenário tornava inviável criar no Brasil um Centro de Administração da Saúde, nos moldes do Krankenhaus, de Düseldorf, na Alemanha e que era o sonho do Pe. Cherubin.

De sua parte, o Pe. Cherubin, como religioso obsequioso, curvou-se às decisões da Província e viabilizou as condições institucionais para criar o Centro Universitário São Camilo. Também coube a ele, como ecônomo da Província, fornecer os recursos para o investimento inicial e, como superintendente da Sociedade Beneficente São Camilo, dar acesso ao valioso terreno de 40.000 m2 da Clínica Infantil do Ipiranga que, pela escritura de agregação, estava em sua alçada.

Por justiça, é preciso lembrar, 35 anos depois seu gesto de grandeza foi reconhecido. No dia 23 de setembro de 2010, o Pe. Cherubin recebeu o título de Doutor Honoris Causa do Centro Universitário São Camilo, das mãos do Pe. Leoncir Pessini, Provincial e Presidente das Entidades Camilianas do Brasil e do Pe. Christian de Paul de Barchifontaine, Reitor do Centro Universitário São Camilo.

O importante, para o Pe. Cherubin, foi constatar em vida que o seu legado permanece. Em suas memórias fez questão de registrar que em 2010 já existiam 37 faculdades de Administração Hospitalar espalhadas por todo o país, sendo 14 só em São Paulo. Mas ele lamentava que a maioria só oferecesse a Administração Hospitalar como opção nos últimos dois anos. A seu ver, era uma formação insuficiente. E ele tinha base para afirmar isso.

A CONSULTORIA DE GERÊNCIA HOSPITALAR

Em meados da década de 1980, vinha crescendo o número de instituições filantrópicas que entravam em contato com a Sociedade Beneficente São Camilo buscando orientação sobre gestão e contabilidade. Depois de considerar todos os lados da questão, na Assembleia Geral de julho de 1985 a Sociedade Beneficente São Camilo criou um novo Departamento denominado Gerência Hospitalar. Era um serviço de consultoria e terceirização. Seu escopo de atividades incluía efetuar diagnóstico da situação do hospital e de suas unidades administrativas, revisar e corrigir procedimentos administrativos, implantação de um plano contábil, criar um sistema de prestação de contas, organizar a tesouraria, estruturar o setor de pessoal e de materiais, e outros. Podia, ou não, incluir a gestão operacional da instituição ou estabelecimento.

Focando sua atividade inicial na região Sul, em 1988, quando foi criada a primeira filial em Novo Hamburgo, a Consultoria já tinha quatorze hospitais clientes na região, sendo oito no Rio Grande do Sul, quatro em Santa Catarina e dois no Paraná. Coube a essa unidade, em junho em 1990, assessorar a Universidade do Rio dos Sinos, Unisinos, em São Leopoldo, na grande Porto Alegre, na instalação da primeira Faculdade de Administração Hospitalar do Rio Grande do Sul.

ASSOCIAÇÃO DA OBRAS SOCIAIS DA IRMÃ DULCE

Em janeiro de 1990 foi inaugurada a filial da Gerência Hospitalar em Salvador, na Bahia. Em primeiro de maio de 1990 a unidade de Salvador assumiu a administração da Associação da Obras Sociais da irmã Dulce, canonizada em 13 de outubro de 2019, pelo Papa Francisco, tornando-se a primeira mulher brasileira a ser reconhecida como santa pela Igreja Católica, com o título de Santa Dulce dos Pobres.  

Suas obras sociais formavam um verdadeiro conglomerado. Envolviam o Hospital Santo Antônio, o Centro Geriátrico, o Centro para Excepcionais e a Colônia Simões Filho, para 350 crianças abandonadas. No início a irmã Dulce mostrou-se pouco à vontade com a contratação de uma consultoria de terceiros para a obra que ela sempre levara à frente sozinha, mas os empresários que a apoiavam financeiramente perceberam que a irmã, com o avanço da idade, já não conseguia controlar um complexo daquele porte com métodos precários e impuseram essa condição. No período em que a Gerência Hospitalar prestou seus serviços de consultoria o Pe. Cherubin ia à cidade todos os meses para fazer a prestação de contas. E sempre reservava um tempo adicional para passar informações e esclarecer quaisquer dúvidas que a irmã Dulce suscitasse. Após alguns meses ela via, maravilhada, como as boas práticas de gestão estavam transformando sua obra. Passou a aguardar a visita mensal do Pe. Cherubin com grande alegria e fazia questão de manifestar a ele, e aos patronos de sua obra, que estava muito feliz com o trabalho de consultoria que estava sendo realizado e, que, agora, graça a ele podia dormir tranquila.

O GOVERNO É A PEDRA NO MEIO DE CAMINHO

Como tudo o que o Pe. Cherubin se propunha a fazer, e em que se empenhava com paixão e competência, a consultoria de Gerência Hospitalar cresceu rapidamente. Mas, também é verdade que ele percebeu que, em meados da década de 1980, a maioria dos hospitais brasileiros começava a enfrentar sua crise de meia idade.

O conceito que temos hoje do estabelecimento hospitalar moderno, designação que compreende uma estruturação sistematizada, desde a formação do especialista, o planejamento das edificações e instalações, a seleção do equipamento, as normas da organização e de funcionamento, o regime econômico-financeiro, tudo isto se consolidou no Brasil a partir de meados do anos 40 do século passado. E surgiram novos hospitais por todo o país. Ordens religiosas, irmandades, governos municipais, médicos empreendedores criavam novos estabelecimentos, a maioria sem condições mínimas de sustentabilidade.

Nos anos 80, um grande número destes hospitais estava à beira da falência. Administrativamente eram uma tragédia. Os hospitais não tinham controle financeiro, não tinham controle de estoque e não sabiam faturar. Para os consultores era relativamente fácil resolver seus problemas. A implantação de controles mínimos permitia arrumar as contas do hospital em 90 ou 120 dias. O efeito foi explosivo. Os gestores comentavam: “a consultoria do São Camilo chegou lá e resolveu em 90 dias”. Então os hospitais começaram a formar fila na porta do Pe. Cherubin.

O problema, na outra ponta, era formar e qualificar administradores hospitalares para atender a estes hospitais.

A consultoria de Gerência Hospitalar passou a selecionar candidatos nos estabelecimentos que administrava pelo país e os selecionados recebiam bolsas de estudo integrais, em São Paulo. As bolsas incluíam a faculdade, alimentação, residência (os alunos no Hospital São Camilo da Pompéia, e as alunas, no Hospital São Camilo de Santana), e uma ajuda de custo para transporte e aquisição de material didático durante os quatro anos do curso. Logicamente, no fim do curso, havia a promessa implícita de um emprego em nível gerencial. Nos dez anos que durou o programa foram formados cerca de 250 administradores hospitalares bolsistas.

Em 1996 a consultoria de Gerência Hospitalar já estava administrando 80 hospitais, com um total de 7.981 leitos. 30 desses hospitais pertenciam aos camilianos e os demais eram geridos sob contrato. Esses números faziam da unidade de Gerência Hospitalar São Camilo uma das maiores administradoras de hospitais do mundo.

O problema é que apareceu o governo no meio do caminho. A extinção do INAMPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica e sua substituição pelo SUS, Sistema Único de Saúde, mudou para pior a sistemática da remuneração dos hospitais. O governo, vendo que instituições como a São Camilo e as Santas Casas assumiam grande parte do atendimento do SUS, achou que elas, talvez por sua origem religiosa, recebessem dinheiro do Espírito Santo, tirassem dinheiro do poço ou escondessem dinheiro no colchão. Mudou as regras e simplesmente estrangulou o pagamento dos serviços prestados ao SUS. Com as receitas engessadas e os custos da medicina aumentando acima da inflação, a qualidade da assistência começou a sofrer e o sistema ficou comprometido. Diante dos riscos de insolvência e com o governo indiferente à realidade dos hospitais, os camilianos decidiram encerrar o departamento de Gerência Hospitalar e conservar apenas os hospitais próprios, que seriam administrados diretamente pela Sociedade Beneficente São Camilo, dirigida pelo Pe. Cherubin, retirando-se dos que administrava sob contrato.

Hoje, consolidados, os hospitais camilianos fazem parte do legado do Pe. Cherubin e continuam a seguir o carisma da Ordem de São Camilo de Lellis cuidando dos enfermos. Seus hospitais estão presentes em todo o país, sendo 14 estabelecimentos na região sul.

Os hospitais do Paraná são o Centro Hospitalar São Camilo e o Centro Hospitalar São Camilo Uvaranas – Ponta Grossa; Clínica Médica São Camilo e Hospital Regional de Caridade Nossa Senhora Aparecida – União da Vitória; Hospital e Maternidade Ribeirão do Pinhal – Ribeirão do Pinhal;

Os hospitais de Santa Catarina são o Hospital São Braz – Porto União; o Hospital São Camilo Imbituba – Imbituba; Hospital São Francisco – Concórdia; o Hospital Regional Helmuth Nass – Biguaçu; Hospital São Bernardo, – Quilombo; Hospital São Camilo Ipumirim – Ipumirim; Hospital São Pedro – Itá e o Hospital São Roque, em Seara.

Por fim, no Rio Grande do Sul, o Hospital Beneficente Santa Terezinha, em Encantado.

Mas a saga do Doutor Padre Niversindo Antonio Cherubin ainda vai continuar por mais capítulos, porque é preciso contar suas iniciativas na promoção das boas práticas na gestão hospitalar, sua missão para organizar a Província Camiliana Norte-americana, relatar sua consultoria técnica para as entidades camilianas da África e da Ásia, suas missões para os Papas Paulo VI e João Paulo II e outras histórias de longe e de perto, como a homenagem que recebeu da Assembleia Legislativa de Santa Catarina pelo seu trabalho na promoção de saúde na região coirmã do Alto Uruguai Catarinense.

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