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PARTE 6 – UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN (O CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

DE BALISA PARA O MUNDO – Parte 6

UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO

Quem não sonha não Faz. Por essa razão o Padre Niversindo Antonio Cherubin sonhava com hospitais perfeitos e com instituições modelares que acolhessem os enfermos com o mesmo desvelo e carinho com que Cristo e São Camilo de Lellis, o fundador de sua Ordem Religiosa, o fariam. E foi cultivando esse sonho com visão cristã e diligência infatigável que se tornou um dos maiores realizadores da história da saúde do país.

Ao longo de seis décadas incansáveis colocou os hospitais camilianos brasileiros entre os maiores do país, plantou a semente da Universidade São Camilo, ocupou a Coordenação da Assistência Médica e Hospitalar do Ministério da Saúde, criou o primeiro Curso de graduação em Administração Hospitalar no Brasil, organizou a FBH – Federação Brasileira de Hospitais, a FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares, reorganizou administrativamente dezenas de hospitais e casas de caridade no Brasil e no mundo, inclusive as Obras da Irmão Dulce na Bahia e a Província Camiliana dos Estados Unidos, cumpriu missões para os Papas Paulo VI e João Paulo II e foi Presidente da  Confederação Internacional das Santas Casas de Misericórdia sob a ética da Civilização da Paz e do Amor.

Pe. Cherubin via sua vocação pelas palavras do apóstolo Tiago no evangelho: “A fé sem as obras é (fé) morta”. (Tg. 2,17). Então, para ser homem de fé ele precisava ser homem de obras. E obras de vulto, capazes de fazer diferença, acolher e cuidar de comunidades inteiras. Ora, obras desta magnitude não se fazem sozinhas. São obras complexas que só são viáveis quando realizadas coletivamente. O fato é que uma andorinha só não faz verão.

Uma frase de que o Pe. Cherubin gostava, tanto que a publicou em seu livro “A Arte de ser um Administrador Hospitalar Eficaz,” era de Sir Walter Scott: “A raça humana seria destruída se as pessoas parassem de se ajudar. Não somos capazes de sobreviver sem ajuda mútua”.

Por esta constatação o Pe. Cherubin entendeu que ser homem de obras era, antes de mais nada, buscar ajuda. E ajuda mútua era uma via de duas mãos: eu te ajudo e tu me ajudas. Por outro lado, a ajuda precisa ser útil. A ajuda que importa é aquela que funciona, ou, em um dizer mais elaborado, a ajuda eficaz. Que, trocando em miúdos, quer significar saber fazer, querer fazer e fazer! E esse tipo de ajuda não existe pronta. Por isso o Pe. Cherubin tornara-se um apóstolo da arregimentação, formação e motivação de profissionais de saúde, especialmente, administradores hospitalares, sem os quais não teria as obras hospitalares com que sonhava.

O Hospital, como dizia Peter Drucker, é a mais complexa organização já criada pelo homem. O seu corolário é que se trata de uma das organizações mais difíceis de administrar. De modo que o gestor hospitalar precisa ter um alto nível de competência para dar certo. E um dos requisitos da competência é estar atualizado com a evolução do setor. Aqui entendido do setor médico-hospitalar. Não por acaso, um dos setores da atividade humana que mais evoluíram nas últimas décadas.

Focado em resultados, o Pe. Cherubin era homem de objetivos e metas. Acreditava em estatísticas e evidências. E, por isso, acreditava na superioridade da medicina por evidência e no aprimoramento constante das boas práticas médico-hospitalares. E entendia que a medicina contemporânea é, a cada dia, mais multidisciplinar. Cada dia mais organizada por Protocolos Clínicos. Nem todos concordavam e muitos médicos diziam que o médico precisa ter liberdade para escolher a conduta de tratamento que desejar, mas a melhor conduta, aquela que comprovadamente obtém melhores resultados e reduz os custos hospitalares é a adoção dos Protocolos. (Essa visão, mais recentemente, foi também adotada pelo SUS, que estabeleceu os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDTOs.) Os Protocolos Clínicos são algoritmos que guiam os profissionais de saúde no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, com base em evidências científicas e melhores práticas. Eles padronizam o atendimento, a prescrição dos exames, a medicação, garantindo maior segurança ao paciente, otimização de recursos e uniformização do cuidado em diversas situações, como nos tratamentos e na segurança do paciente. Sem dúvida, o médico ainda é o dono do diagnóstico, mas o tratamento é complementado por enfermeiras, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assim como por técnicos em exames de imagem, exames laboratoriais, biologia molecular, e agora com suporte da IA, além de outros. São equipes trabalhando de forma colaborativa e integrada para oferecer um cuidado mais completo e personalizado ao paciente. Essa união de conhecimentos permite uma visão mais holística do indivíduo, desde o diagnóstico até o tratamento e a recuperação, visando a saúde e o bem-estar integral. É como uma orquestra com naipes de cordas, madeiras, metais, percussão e coro. Eventualmente, o maestro da orquestra é o médico, o Diretor Clínico, mas, sem o administrador hospitalar, não existe a orquestra.

Como primeiro passo para encontrar colaboradores qualificados o Pe. pensou em organizar os profissionais da administração hospitalar em uma associação. O propósito seria a troca de experiências e o aprendizado mútuo. Ele havia frequentado o Curso de Pós-Graduação em Administração Hospitalar da Universidade de S. Paulo em 1967 e era ativo participante dos eventos e congressos de administração hospitalar da época, tanto no país como no exterior. E via que os cursos de pós-graduação da área vinham crescendo em todo o país. A esta altura, no início de 1971, ele continuava dirigindo o Hospital São Camilo, mas também era Presidente da Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo, secretário do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisas Hospitalares, o IPH de seu amigo Jarbas Karman, e Diretor Executivo da Federação Brasileira de Hospitais. E estava intrigado pelo fato de que, apesar do aumento da presença de administradores hospitalares em congressos, reuniões e cursos, surgiam poucas propostas e parecia faltar uma visão comum que fosse compartilhada por esses profissionais.

Ele tinha visitado a Associação Americana de Hospitais, em Chicago e lá conheceu o the American College of Healthcare Executives (ACHE). Esta instituição era a entidade associativa profissional dos executivos da área de saúde dos Estados Unidos. E, inspirado nela, o Pe. Cherubin, fundou o Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares. O Estatuto Social foi aprovado dia 26 de fevereiro de 1971.

O Pe. Cherubin diz, em sua autobiografia, que o Colégio brasileiro teve uma ascensão meteórica. A entidade iniciou os Congressos de Administração Hospitalar e foi muito atuante, mas enfrentou turbulências criadas por desafetos do Pe. Cherubin, que acabaram superadas em 1994. Naquele ano o Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares mudou o nome para FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares. A entidade é outro legado do Pe.Cherubin que perdura e, no presente ano de 2025, a FBAH realizou seu 44º Congresso de Administração Hospitalar e Gestão em Saúde em evento simultâneo à Feira Hospitalar 2025, que ocorreu de 20 a 23 de maio, em São Paulo.

ASSOCIAÇÃO DOS HOSPITAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

Como já vimos, o Pe. Cherubin assumiu a direção do Hospital São Camilo em 1961. Seu empenho em viabilizar e fazer crescer o hospital deram grande visibilidade ao seu trabalho e em 1965 o São Camilo foi convidado para ingressar numa entidade associativa chamada “Associação dos Hospitais que Atendem à Previdência Social”. Os hospitais que faziam parte da entidade eram hospitais privados que tinham convênio de atendimento com a Previdência, convênio esse que o São Camilo também acabara de fazer.

Em 1967, no período que o Pe. Cherubin fazia sua pós-graduação, foi eleito presidente da entidade. Sua primeira providência foi propor a mudança do nome para Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo e convidar mais hospitais para se associarem. Em um ano o número de hospitais associados passou de 150, o que permitiu pensar em adquirir uma sede própria. Para viabilizar o pagamento da sede o Hospital São Camilo antecipou o pagamento de dois anos de mensalidades. Logo o número de associados chegou a 415 hospitais de todos o estado e foram criadas Diretorias Regionais em Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Santos e no ABC paulista.

Durante sua gestão o Pe. Cherubin mostrou sua combatividade. Foram diversas lutas contra disposições dos governos da época, como foi na mudança das regras de pagamento aos hospitais, cujas glosas sistemáticas eram superiores a 30% e outras. Mas aquela que que mais repercutiu foi a sua liderança na luta contra a obrigatoriedade de envio, pelos hospitais, do prontuário dos pacientes junto com as contas. O absurdo da medida, um édito de índole medieval que violava a ética e o sigilo médico, acabou sendo uma discussão nacional. No fim, depois de grande debate, o governo foi forçado a voltar atrás.

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HOSPITAIS

Em 1967, ao assumir a presidência da Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo, o Pe. Cherubin partiu para a ofensiva para garantir uma remuneração justa para os hospitais conveniados com a Previdência Social. O órgão que fixava os valores e os reajustes era o DNPS-Departamento Nacional de Previdência Social e ficava no Rio de Janeiro. A inflação do ano foi de 25% e o Pe. Cherubin passou a ir ao Rio todos os meses para reivindicar um reajuste condigno aos hospitais da Associação. Em uma destas visitas ao diretor do DNPS ouviu dele que não podia atender cada estado do país em separado. Ele que procurasse organizar as associações estaduais para facilitar a discussão em âmbito nacional.

Sem demora o Pe. Cherubin convocou as entidades estaduais então existentes para uma reunião no Rio de Janeiro. Vieram, além da do Rio Janeiro, as de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e uma que aglutinava estados do Nordeste. Reunidas, fundaram a FBH – Federação Brasileira de Hospitais.

O Pe. Cherubin assumiu o cargo de secretário da nova Federação, entendendo que era mais prático deixar a presidência nas mãos de um carioca que morasse no Rio, próximo ao DNPS. De sua parte, saiu viajando país afora para criar associações estaduais e, em poucos meses, quase todos os estados tinham suas entidades próprias.

Criar a FBH foi uma medida providencial. Então, com a entidade devidamente robustecida, partiu para a luta. A inflação galopante exigia que ele, todo o início do ano, ficasse uma semana no Rio de Janeiro para calcular o aumento nos custos de internação hospitalar do ano anterior e dar ao governo o valor do reajuste que o Ministério da Previdência deveria aplicar.

Só que o governo usava mil subterfúgios para escapar dos necessários reajustes aos hospitais. E o Pe. Cherubin precisava gastar um tempo enorme nestas escaramuças com o governo. Uma arma que descobriu ser de grande efeito, e que passou a usar, foi a ameaça de promover uma greve e paralisar o atendimento. Quando não conseguia o que queria ameaçava com a suspensão do atendimento conveniado. O governo era muito sensível a esta ameaça pois, ao menos em São Paulo, a previdência estava na mão dos hospitais. Somente na grande São Paulo eram mantidos 149 postos de emergência operados por hospitais conveniados. E, naqueles idos, praticamente não existiam planos de saúde e as empresas não ofereciam assistência médica aos seus empregados.

E as refregas eram para valer. Certa feita, em reunião com o Ministro da Previdência, ao defender a causa dos hospitais, foi tão veemente em sua argumentação que o ministro perdeu a compostura, lhe jogou no rosto um maçudo caderno de classificação hospitalar e saiu furibundo da sala. O lado bom foi que, com medo da imprensa, atenderam o Pe. Cherubin em todo o que ele pedia…

Outra medida que lhe tomou muito tempo e precisou de movimentação nacional foi que o Ministério da fazenda passou a exigir dos hospitais acesso à sua contabilidade de custos para autorizar qualquer tipo de ajuste na remuneração. Foi uma correria sem tamanho. Naquele tempo o único hospital do país que mantinha contabilidade de custos organizada era precisamente o hospital São Camilo de São Paulo.

Inúmeros escritórios de contabilidade saíram oferecendo seus serviços para os hospitais, mas o Pe.Cerubin convenceu o Ministério a estabelecer uma padronização do plano contábil de custos e ofereceu o sistema do hospital São Camilo como modelo. O sistema estava sendo empregado há vários anos e com grande eficiência. A proposta foi aceita pelas autoridades e o sistema de custos do Hospital São Camilo foi distribuído para todo o país.

Atualmente, a FBH – Federação Brasileira de Hospitais ainda é atuante e representa 16 Associações Estaduais Federadas e que compõe uma rede de 4.500 estabelecimentos privados, entre instituições com fins lucrativos e instituições filantrópicas.

PARTE 5 – CONSULTORIA E GERÊNCIA HOSPITALAR – A SAGA DO PADRE CHERUBIN (O CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

Consultoria e Gerência Hospitalar

O Pe. Niversindo Cherubin tinha 29 anos, em 1961, quando assumiu a direção geral do Hospital São Camilo de São Paulo. O jovem padre ficou um tanto assustado com a responsabilidade. Ainda mais quando descobriu que, dos 78 leitos, só havia três com doentes internados. Ficou mais sossegado ao saber que a escassez de doentes tinha solução. Ainda no mesmo dia da posse chamou os médicos para conversar. Ouviu suas queixas e garantiu que a coisa mudaria. E, de fato, mudaram. Daquele dia em diante, e pelos 30 anos que se seguiram, não teve mais problemas dessa natureza.

Uma coisa, porém, o Pe. Cherubin compreendeu logo: Hospital não é lugar para amadorismo e improviso. Então, reconhecendo que de gestão de hospital não entendia nada, mas que tinha a seu cargo um hospital que agora, mercê de Deus e dos médicos que traziam pacientes, vivia lotado, foi preparar-se. Frequentou todo tipo de curso sobre hospital. Fez curso de lavanderia, de assepsia e limpeza, de esterilização, de arquivo médico, de estatística, de contabilidade hospitalar, ente outros. Alguns desses cursos foram ministrados pelo Instituto que adotaria, no futuro, o nome de IPH. De todos os que frequentou, o curso do IPH que mais o impressionou foi o de lavanderia hospitalar. Ficou espantado. Ele nunca imaginara o tamanho da montanha de lençóis, fronhas, toalhas, jalecos, aventais, camisolas, campos cirúrgicos, panos e coisas que tais que era preciso lavar todos os dias. Aí, quando comparou as técnicas ensinadas no curso com aquelas que seu hospital praticava, se sentiu pré-histórico. Foi quando se aproximou do criador do IPH, o arquiteto Jarbas Karman, e pediu ajuda para modernizar sua lavanderia. E depois outras áreas do hospital.  

Em 1967 o Pe.Cherubin foi fazer uma pós-graduação de Administração Hospitalar na Faculdade de Saúde Pública, em São Paulo. Esse curso permitiu a ele ampliar sua visão do papel do hospital na saúde da sociedade e, por outro lado, compreender que os cursos de pós-graduação não eram o caminho para a formação da quantidade, e do tipo de profissionais, que os hospitais precisavam. Em seu entendimento, a saída seria criar cursos em nível de graduação.

Para viabilizar a criação de uma Faculdade de Administração Hospitalar foi conversar com seu amigo, o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman, o fundador do Instituto Nacional de Pesquisas e de Desenvolvimento Hospitalares (INPDH) que, no futuro, mudaria para a sigla IPH.

O Instituto continuava dando diversos cursos hospitalares. Alguns, por convite do Pe. Cherubin, ministrados no próprio São Camilo. O Pe. Cherubin, vez ou outra, os assistia. Descobriu que eram uma fonte de recrutamento imbatível.

Ambos, o padre e o arquiteto, visionários, empreendedores e idealistas, em um Brasil que se abria para o mundo, decidiram somar forças. Formaram uma parceria que, embora improvável, teve profundo e duradouro impacto no setor hospitalar brasileiro.

O Arquiteto e Engenheiro Jarbas Bela Karman nasceu em Campanha, MG, em 13 de abril de 1917 e faleceu, aos 91 anos, em São Paulo, em 2 de junho de 2008. Foi engenheiro civil pela Poli (USP), em 1941, e arquiteto pela Poli (USP), em 1947. Titulou-se mestre em arquitetura hospitalar pela Universidade de Yale, nos EUA, em 1952, e participou do curso sobre infecção hospitalar do Prof. Carl Walter, em Kitchener, em Ontário, Canadá, em 1952.

Para dar a dimensão do papel de Jarbas Karman no setor hospitalar paulista basta dizer que ele foi o arquiteto técnico do Hospital Albert Einstein. Em 1953, como contou a esse articulista, Karman foi procurado pelo Dr. Manoel Tabacow Hidal, médico que liderou a criação do Hospital Albert Einstein e cujo consultório ficava no mesmo edifício de seu escritório, na Rua Xavier de Toledo, 210, no centro de São Paulo. O Dr Hidal perguntou ao Karman, já atuante no setor hospitalar paulista, se achava viável um novo hospital na cidade, a ser criado pela comunidade israelita de São Paulo. Karman teria respondido que sim, especialmente se fosse um hospital de padrão internacional. Deste primeiro contato nasceram diversos estudos, inclusive a avaliação de um terreno que estava sendo oferecido por uma pessoa da comunidade judaica. O arquiteto Jarbas Karman foi avaliar o terreno, próximo ao aeroporto de Congonhas, grande e magnificamente localizado. Mas que ele, após examinar as características do solo, opinou pela recusa. O terreno tinha grande quantidade de madeira soterrada e estava profundamente contaminado com cupins, cuja erradicação seria cara e problemática, podendo vir a infectar o hospital.

Foi em 1955 que o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman criou o Instituto Nacional de Pesquisas e de Desenvolvimento Hospitalares (INPDH/IPH), tornando-se pioneiro na formação de profissionais ligados à área da saúde. Seu 1º Curso de Técnica Asséptica e de Esterilização foi ministrado no Instituto de Engenharia de São Paulo em 1955. Ainda naquele ano iniciou a publicação da revista “Hospital de Hoje”, publicada até 1969. Em 1973, então, no período que o Pe. Cherubin ocupava a Coordenação da Assistência Médico Hospitalar do Ministério da Saúde, associou-se a ele para implantar a primeira faculdade de Administração Hospitalar da América Latina, em nível de graduação. Esta sociedade durou 12 anos, com grande sucesso. Como vimos anteriormente, o Pe. Cherubin retirou-se da sociedade do IPH em 1986, com imensa tristeza, quando os camilianos, à sua revelia, decidiram ter uma Faculdade própria de Administração Hospitalar. Aconteceu que dois colegas camilianos, que ele colocara como professores no curso de administração hospitalar do IPH, mas que tinham visão política diferente da linha conservadora esposada por ele, se valeram do prestígio adquirido pelo curso do IPH e pelas instituições camilianas e, ainda mais, do terreno da Clínica Infantil do Ipiranga e dos recursos financeiros obtidos pela Sociedade Beneficente São Camilo, frutos do trabalho do Pe. Cherubin, e fundaram o Centro Universitário São Camilo. Este novo cenário tornava inviável criar no Brasil um Centro de Administração da Saúde, nos moldes do Krankenhaus, de Düseldorf, na Alemanha e que era o sonho do Pe. Cherubin.

De sua parte, o Pe. Cherubin, como religioso obsequioso, curvou-se às decisões da Província e viabilizou as condições institucionais para criar o Centro Universitário São Camilo. Também coube a ele, como ecônomo da Província, fornecer os recursos para o investimento inicial e, como superintendente da Sociedade Beneficente São Camilo, dar acesso ao valioso terreno de 40.000 m2 da Clínica Infantil do Ipiranga que, pela escritura de agregação, estava em sua alçada.

Por justiça, é preciso lembrar, 35 anos depois seu gesto de grandeza foi reconhecido. No dia 23 de setembro de 2010, o Pe. Cherubin recebeu o título de Doutor Honoris Causa do Centro Universitário São Camilo, das mãos do Pe. Leoncir Pessini, Provincial e Presidente das Entidades Camilianas do Brasil e do Pe. Christian de Paul de Barchifontaine, Reitor do Centro Universitário São Camilo.

O importante, para o Pe. Cherubin, foi constatar em vida que o seu legado permanece. Em suas memórias fez questão de registrar que em 2010 já existiam 37 faculdades de Administração Hospitalar espalhadas por todo o país, sendo 14 só em São Paulo. Mas ele lamentava que a maioria só oferecesse a Administração Hospitalar como opção nos últimos dois anos. A seu ver, era uma formação insuficiente. E ele tinha base para afirmar isso.

A CONSULTORIA DE GERÊNCIA HOSPITALAR

Em meados da década de 1980, vinha crescendo o número de instituições filantrópicas que entravam em contato com a Sociedade Beneficente São Camilo buscando orientação sobre gestão e contabilidade. Depois de considerar todos os lados da questão, na Assembleia Geral de julho de 1985 a Sociedade Beneficente São Camilo criou um novo Departamento denominado Gerência Hospitalar. Era um serviço de consultoria e terceirização. Seu escopo de atividades incluía efetuar diagnóstico da situação do hospital e de suas unidades administrativas, revisar e corrigir procedimentos administrativos, implantação de um plano contábil, criar um sistema de prestação de contas, organizar a tesouraria, estruturar o setor de pessoal e de materiais, e outros. Podia, ou não, incluir a gestão operacional da instituição ou estabelecimento.

Focando sua atividade inicial na região Sul, em 1988, quando foi criada a primeira filial em Novo Hamburgo, a Consultoria já tinha quatorze hospitais clientes na região, sendo oito no Rio Grande do Sul, quatro em Santa Catarina e dois no Paraná. Coube a essa unidade, em junho em 1990, assessorar a Universidade do Rio dos Sinos, Unisinos, em São Leopoldo, na grande Porto Alegre, na instalação da primeira Faculdade de Administração Hospitalar do Rio Grande do Sul.

ASSOCIAÇÃO DA OBRAS SOCIAIS DA IRMÃ DULCE

Em janeiro de 1990 foi inaugurada a filial da Gerência Hospitalar em Salvador, na Bahia. Em primeiro de maio de 1990 a unidade de Salvador assumiu a administração da Associação da Obras Sociais da irmã Dulce, canonizada em 13 de outubro de 2019, pelo Papa Francisco, tornando-se a primeira mulher brasileira a ser reconhecida como santa pela Igreja Católica, com o título de Santa Dulce dos Pobres.  

Suas obras sociais formavam um verdadeiro conglomerado. Envolviam o Hospital Santo Antônio, o Centro Geriátrico, o Centro para Excepcionais e a Colônia Simões Filho, para 350 crianças abandonadas. No início a irmã Dulce mostrou-se pouco à vontade com a contratação de uma consultoria de terceiros para a obra que ela sempre levara à frente sozinha, mas os empresários que a apoiavam financeiramente perceberam que a irmã, com o avanço da idade, já não conseguia controlar um complexo daquele porte com métodos precários e impuseram essa condição. No período em que a Gerência Hospitalar prestou seus serviços de consultoria o Pe. Cherubin ia à cidade todos os meses para fazer a prestação de contas. E sempre reservava um tempo adicional para passar informações e esclarecer quaisquer dúvidas que a irmã Dulce suscitasse. Após alguns meses ela via, maravilhada, como as boas práticas de gestão estavam transformando sua obra. Passou a aguardar a visita mensal do Pe. Cherubin com grande alegria e fazia questão de manifestar a ele, e aos patronos de sua obra, que estava muito feliz com o trabalho de consultoria que estava sendo realizado e, que, agora, graça a ele podia dormir tranquila.

O GOVERNO É A PEDRA NO MEIO DE CAMINHO

Como tudo o que o Pe. Cherubin se propunha a fazer, e em que se empenhava com paixão e competência, a consultoria de Gerência Hospitalar cresceu rapidamente. Mas, também é verdade que ele percebeu que, em meados da década de 1980, a maioria dos hospitais brasileiros começava a enfrentar sua crise de meia idade.

O conceito que temos hoje do estabelecimento hospitalar moderno, designação que compreende uma estruturação sistematizada, desde a formação do especialista, o planejamento das edificações e instalações, a seleção do equipamento, as normas da organização e de funcionamento, o regime econômico-financeiro, tudo isto se consolidou no Brasil a partir de meados do anos 40 do século passado. E surgiram novos hospitais por todo o país. Ordens religiosas, irmandades, governos municipais, médicos empreendedores criavam novos estabelecimentos, a maioria sem condições mínimas de sustentabilidade.

Nos anos 80, um grande número destes hospitais estava à beira da falência. Administrativamente eram uma tragédia. Os hospitais não tinham controle financeiro, não tinham controle de estoque e não sabiam faturar. Para os consultores era relativamente fácil resolver seus problemas. A implantação de controles mínimos permitia arrumar as contas do hospital em 90 ou 120 dias. O efeito foi explosivo. Os gestores comentavam: “a consultoria do São Camilo chegou lá e resolveu em 90 dias”. Então os hospitais começaram a formar fila na porta do Pe. Cherubin.

O problema, na outra ponta, era formar e qualificar administradores hospitalares para atender a estes hospitais.

A consultoria de Gerência Hospitalar passou a selecionar candidatos nos estabelecimentos que administrava pelo país e os selecionados recebiam bolsas de estudo integrais, em São Paulo. As bolsas incluíam a faculdade, alimentação, residência (os alunos no Hospital São Camilo da Pompéia, e as alunas, no Hospital São Camilo de Santana), e uma ajuda de custo para transporte e aquisição de material didático durante os quatro anos do curso. Logicamente, no fim do curso, havia a promessa implícita de um emprego em nível gerencial. Nos dez anos que durou o programa foram formados cerca de 250 administradores hospitalares bolsistas.

Em 1996 a consultoria de Gerência Hospitalar já estava administrando 80 hospitais, com um total de 7.981 leitos. 30 desses hospitais pertenciam aos camilianos e os demais eram geridos sob contrato. Esses números faziam da unidade de Gerência Hospitalar São Camilo uma das maiores administradoras de hospitais do mundo.

O problema é que apareceu o governo no meio do caminho. A extinção do INAMPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica e sua substituição pelo SUS, Sistema Único de Saúde, mudou para pior a sistemática da remuneração dos hospitais. O governo, vendo que instituições como a São Camilo e as Santas Casas assumiam grande parte do atendimento do SUS, achou que elas, talvez por sua origem religiosa, recebessem dinheiro do Espírito Santo, tirassem dinheiro do poço ou escondessem dinheiro no colchão. Mudou as regras e simplesmente estrangulou o pagamento dos serviços prestados ao SUS. Com as receitas engessadas e os custos da medicina aumentando acima da inflação, a qualidade da assistência começou a sofrer e o sistema ficou comprometido. Diante dos riscos de insolvência e com o governo indiferente à realidade dos hospitais, os camilianos decidiram encerrar o departamento de Gerência Hospitalar e conservar apenas os hospitais próprios, que seriam administrados diretamente pela Sociedade Beneficente São Camilo, dirigida pelo Pe. Cherubin, retirando-se dos que administrava sob contrato.

Hoje, consolidados, os hospitais camilianos fazem parte do legado do Pe. Cherubin e continuam a seguir o carisma da Ordem de São Camilo de Lellis cuidando dos enfermos. Seus hospitais estão presentes em todo o país, sendo 14 estabelecimentos na região sul.

Os hospitais do Paraná são o Centro Hospitalar São Camilo e o Centro Hospitalar São Camilo Uvaranas – Ponta Grossa; Clínica Médica São Camilo e Hospital Regional de Caridade Nossa Senhora Aparecida – União da Vitória; Hospital e Maternidade Ribeirão do Pinhal – Ribeirão do Pinhal;

Os hospitais de Santa Catarina são o Hospital São Braz – Porto União; o Hospital São Camilo Imbituba – Imbituba; Hospital São Francisco – Concórdia; o Hospital Regional Helmuth Nass – Biguaçu; Hospital São Bernardo, – Quilombo; Hospital São Camilo Ipumirim – Ipumirim; Hospital São Pedro – Itá e o Hospital São Roque, em Seara.

Por fim, no Rio Grande do Sul, o Hospital Beneficente Santa Terezinha, em Encantado.

Mas a saga do Doutor Padre Niversindo Antonio Cherubin ainda vai continuar por mais capítulos, porque é preciso contar suas iniciativas na promoção das boas práticas na gestão hospitalar, sua missão para organizar a Província Camiliana Norte-americana, relatar sua consultoria técnica para as entidades camilianas da África e da Ásia, suas missões para os Papas Paulo VI e João Paulo II e outras histórias de longe e de perto, como a homenagem que recebeu da Assembleia Legislativa de Santa Catarina pelo seu trabalho na promoção de saúde na região coirmã do Alto Uruguai Catarinense.

PARTE 4 – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN – NASCE A PRIMEIRA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL

NASCE A PRIMEIRA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR DO BRASIL

O Pe. Niversindo Cherubin estava no auditório do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Sentava-se na última fileira de poltronas. Preferia viver sua angústia e fazer suas preces da forma mais discreta possível, ainda que sua batina, eblazonada pela marcante cruz vermelha camiliana na altura do peito, o fizesse o personagem mais destacado do auditório.

Era a primeira vez que o Pe. Niversindo Cherubin, desde sua ordenação sacerdotal, 17 anos antes, em junho 1956, se deixava tomar por tão forte emoção. Ali, naquele dia 12 de junho de 1973, reunia-se o Conselho Federal de Educação e seus conselheiros, todos circunspectos cavalheiros, elegantemente vestidos, com exceção do padre salesiano José Vieira, que usava sua batina regular, iriam julgar o processo que poderia tornar realidade seu acalentado sonho de criar a primeira Faculdade de Administração Hospitalar no Brasil

No dia da reunião que julgaria seu processo o Pe. Cherubin chegara cedo. Era homem prático e de ação, sempre com agenda cheia. Mas desmarcara tudo. Aquele não seria um dia como os outros. Tinha o coração nas mãos. Desejava acompanhar o trabalho dos conselheiros de perto. Temia que seu projeto, como tinha visto acontecer com tantos outros, fosse bombardeado pelos conselheiros. O que o sossegava, mas só um pouco, foi que o presidente do Conselho, o dr. Roberto Santos, médico famoso e que, no futuro, seria eleito governador da Bahia e que se tornara seu amigo, o tranquilizara. Se despendesse dele, o novo curso de graduação para Administradores Hospitalares do Brasil seria aprovado. Reafirmou ao Pe. Cherubin que, de fato, no início tinha sido contra, seguindo a opinião da maioria de seus colegas que achava que a administração hospitalar deveria ficar restrita aos médicos, mas depois, após haver estudado o assunto em profundidade e após as diversas reuniões de esclarecimento que tivera com ele, se convertera em fervoroso defensor do projeto.

A agenda da reunião do Conselho tinha variados outros assuntos e, enquanto aguardava, o Pe. Cherubin procurava espairecer lembrando da extensa jornada de sonhos e lutas que o trouxera até ali.

No seu dia a dia como diretor do Hospital São Camilo o Pe. Cherubin sofria horrores com a falta de profissionais qualificados para gerir o hospital.  O dia a dia hospitalar é feito de centenas, milhares de micro-eventos e das mais diferentes atividades. E, ainda mais, as atividades hospitalares precisam se encaixar como as engrenagens de um relógio. A falta de um simples dente em uma engrenagem pode emperrar o mecanismo inteiro. Mas onde encontrar esses profissionais qualificados? Médicos e enfermeiras não eram o problema imediato. Existiam e bem-preparados. O gargalo era mesmo a falta de administradores. De pessoal para o meio de campo.

Ele, pessoalmente, já havia obtido sua pós-graduação em Administração Hospitalar na USP. E existiam outros cursos de pós-graduação no meio acadêmico. Mas, como observara em primeira mão, a pós-graduação formava administradores doutos, que mal comparando, atuavam no estilo de “médicos”, ou seja, administradores orientados para o diagnóstico e prescrição de receitas. Entretanto, a carência dos hospitais era de administradores do perfil de enfermagem, ou seja, profissionais tipo “enfermeiras e enfermeiros” que atuassem no dia a dia hospitalar botando a mão na massa. Cuidando de suprimentos, documentos, planilhas, ordens de serviço, logística. Enfim, fazendo a estrutura burocrática e organizacional funcionar.

Pode-se argumentar que toda empresa precisa de bons administradores, mas um hospital lida com vidas humanas. Erros aceitáveis numa fábrica convencional podem ter consequências graves num estabelecimento de saúde. E, para o Pe. Cherubin, os administradores faziam toda a diferença. Uma analogia recorrente é que, se um hospital pode ser comparado com uma orquestra formada por naipes de médicos, enfermeiras e profissionais de saúde conduzidos pelo Diretor Clínico, no papel de maestro, sem os administradores hospitalares não haveria orquestra. Simples assim. De modo que foi, precisamente, por constatar a importância essencial desse profissional que o Pe. Cherubin assumiu para si a missão de formar e organizar os administradores hospitalares que seu hospital precisava. E de que o Brasil carecia.

Neste sentido, seguindo o modelo norte-americano de organização profissional que conhecera em Chicago, já havia criado em 1971 o Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares. (Em 1994 a entidade ampliaria seu escopo de atuação e mudaria o nome para FBAH-Federação Brasileira de Administradores Hospitalares).

E na reunião daquele dia 12 de junho 1973 estava sendo decidido se o Brasil teria faculdades com cursos da graduação em Administração Hospitalar ou se o país iria continuar, como havia feito até então, improvisando e aceitando padrões de gestão hospitalar sofríveis e abaixo da crítica.

Quando chegou a vez do Conselho analisar o projeto do Pe. Cherubin o Presidente do Conselho Federal de Educação, o Dr. Roberto Santos, pelo sim e pelo não, tratou de usar de um artifício matreiro para prevenir eventual derrota: quando chegou a vez de votar o projeto do Pe. Cherubin, levantou-se e, justificando que precisava sair do recinto, convidou o Pe. José Vieira, um conselheiro que suspeitava votar contra o projeto do Pe. Cherubin, para assumir a presidência dos trabalhos. Aparentemente o Pe. Vieira não tinha nada contra seu colega religioso, o Pe. Cherubin, nem nada em particular contra a Faculdade de Administração Hospitalar. É que ele se opunha sistematicamente a todas as novas faculdades propostas, sem exceção. Mas neste caso, indicado para presidir a votação, aceitou a incumbência e deu sequência à pauta da reunião. Foi só então que percebeu qual o projeto lhe cabia colocar em discussão. Ora, na presidência dos trabalhos não podia nem participar da discussão e nem votar. Exceto para um eventual voto de minerva. Mesmo assim foi em frente e chamou a votação. Ninguém se manifestou contra e, desse modo, por unanimidade dos conselheiros presentes, estava aprovada a primeira Faculdade de Administração Hospitalar do Brasil.

Foi então que o Pe. Cerubin, como candidamente confessa em suas memórias, não conseguiu conter as lágrimas teimosas que sulcaram seu rosto. E nem tentou conte-las. Seu coração exultava de júbilo e chorar de alegria era celebrar aquele momento de triunfo e a superação.

A decisão do Conselho, encaminhada para o presidente da República Emílio Garrastazu Médici, foi devidamente assinada em 6 de dezembro de 1973.

Para sair da teoria para a prática o Pe. Cherubin decidiu começar as aulas de sua Faculdade de Administração tão logo possível. Como o prédio que ele estava construindo no Morumbi não estivesse pronto, iria utilizar salas do Seminário Camiliano da Pompéia.  Era uma solução provisória, mas possível, para acomodar no primeiro ano os 120 alunos por turma que haviam sido autorizados.

Na verdade, sempre pensando na frente, o Pe. Cerubin já cogitara em como, e onde, abrigar a Faculdade de Administração Hospitalar. Ele antevia replicar no Brasil o que vira funcionando na Alemanha. Um Centro de Administração da Saúde como o “Krankenhaus Institut” de Dusseldorf. Neste centro funcionariam, além da Faculdade de Administração Hospitalar as entidades representativas dos administradores hospitalares, seus órgãos de classe e outras instituições hospitalares.  Para tanto já havia se associado ao IPH de Jarbas Karman, para dividirem o investimento: os recursos viriam da Associação de Hospitais do Estado de São Paulo, da qual ele era presidente, e do IPH – Instituto de Desenvolvimento e Pesquisas Hospitalares.  

A Primeira aula da Nova Faculdade de Administradores Hospitalares foi marcada para o dia 1º de fevereiro de 1974. Seria um evento solene e memorável para marcar o início de uma nova era para o mundo hospitalar brasileiro.

E de certo modo o foi. Mas por motivo completamente diferente. Naquele dia uma das maiores tragédias da história da cidade interrompeu essa aula inaugural: o incêndio do Edifício Joelma, na região central de São Paulo. Neste incêndio morreram 187 pessoas e mais de 300 ficaram feridas.

Ao saber do ocorrido o Pe. Cherubin correu para o Hospital São Camilo para assumir pessoalmente o comando do atendimento às vítimas da tragédia. O hospital tinha uma localização que facilitava o encaminhamento dos feridos e foi inteiramente mobilizado para socorrer as vítimas.

Os 14 helicópteros mobilizados no socorro às vítimas apanhavam os pacientes em um heliporto improvisado nas proximidades do incêndio e os levavam até o Estádio do Palmeiras. Pousavam no gramado e, dali, as ambulâncias enviadas pelo exército, amplas e práticas, os levavam pelos dois quilômetros restantes até o hospital.

No hospital o Pe. Cherubin comandou a criação de um espaço para primeiro atendimento ainda na entrada e promoveu a liberação de um andar inteiro para a internação. Os pacientes que estavam internados foram transferindo para o prédio vizinho ou para outros andares e alguns, para quartos do seminário ao lado. Ele virou a noite trabalhando para garantir que tudo estava funcionando.

No dia seguinte, mesmo com toda a tribulação da véspera, as aulas começaram. O Pe. Cherubin tinha pressa.

Como esperado, assim que a Faculdade passou a funcionar regularmente começou a preparar uma elite de administradores hospitalares. Muitos desses administradores foram, desde logo, convidados a estagiar no São Camilo e, os que se destacaram, foram contratados.

O mais importante foi que, sabendo que podia contar com uma fonte contínua de administradores hospitalares qualificados, o Pe. Cherubin se sentiu encorajado a incorporar novos hospitais na rede camiliana.

Dez anos depois, em meados dos anos oitenta, muitos hospitais de entidades filantrópicas começaram a enfrentar dificuldades administrativas e financeiras e procuraram o São Camilo solicitando orientação técnica. A essa altura o IPH, a Faculdade do Pe. Cherubin, já tinha formado diversas turmas de administradores hospitalares, a maioria dos quais se associaram ao Colégio Brasilero de Administradores Hospitalares, a futura FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares. Vendo nestes pedidos uma oportunidade para ajudar os hospitais filantrópicos e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de trabalho para os seus alunos, o Pe. Cherubin reuniu-se com a equipe que administrava os hospitais já incorporados na rede camiliana. Queria ouvir a opinião de seu grupo de administradores sobre a possibilidade da rede camiliana assumir a gestão destes hospitais. Seu pessoal achou que era viável. O Pe. Cherubin, então, criou na rede São Camilo, um nova unidade que recebeu o nome de “Departamento de Gerência Hospitalar”.

A Diretoria de Gerência Hospitalar atuou durante 13 anos. Terceirizou a gestão e prestou consultoria a hospitais de todo o país. Em 1º de maio de 1990 assumiu a administração da Associação das Obras Sociais da Irmã Dulce, na Bahia. Ainda em 1990, a Gerência Hospitalar assessorou a Universidade do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, na instalação da primeira faculdade de Administração Hospitalar do Rio Grande do Sul. Promoveu a reabilitação financeira da Santa Casa de Belo Horizonte, um feito excepcional para um nosocômio de 1.300 leitos, que, graças a melhorias na gestão, reduziu de 16 para 8 os dias de internação média.  

Apesar de seu sucesso, ou até em razão dele, o Conselho Provincial dos Camilianos decidiu encerrar as atividades do Departamento de Gerência Hospitalar em 1998. A principal justificativa foi que a supressão do INAMPS (Instituto Nacional de Assitência Médica da Previdência Social) e a criação, em seu lugar do SUS – Sistema Único de Saúde, ampliava a complexidade da administração financeira dos hospitais que atendiam o governo e recomendou que a Sociedade Beneficente São Camilo concentrasse seus esforços na gestão dos seus hospitais próprios. O Pe. Cherubin, então, organizou uma transição dos hospitais terceirizados que desejassem para a Pró- Saúde, uma entidade que foi criada pelos administradores hospitalares que administravam o Departamento de Gerência Hospitalar.

Ao encerrar seus 13 anos de atividades os números do último ano da Gerência Hospitalar falam por si:

– 80 hospitais sob administração terceirizada; 7.981 leitos hospitalares; 1.734.339 pacientes-dia-ano; 165.356 cirurgias-ano; 63.647 partos-ano; 4.143.570 exames diversos; 2.045.664 consultas; 7.217 funcionários; 6.148 médicos.

As dezenas de faculdades de Administração Hospitalar hoje espalhadas por todo o país e a FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares e sua intensa atividade em Simpósios e Congressos voltados para o aperfeiçoamento profissional dos administradores associados estão no centro do legado que o Pe. Niversindo Cherubin deixou para os hospitais e para a saúde brasileira.

PARTE 3 – O PATINHO FEIO DE CONCRETO – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN (CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

De Balisa para o Mundo, Parte 3

PATINHO FEIO DE CONCRETO – COMO UM PRÉDIO ABANDONADO NO MEIO DO MATO SE TRANSFORMA EM UM MEGA HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM SÃO PAULO

Esta história conta como dois personagens marcantes da cidade de São Paulo, um prefeito realizador e carismático, filho do poeta e escritor Paulo Setúbal, neto do deputado federal e vice-presidente da província de São Paulo, Olavo Egídio de Sousa Aranha, trineto da viscondessa de Campinas, do visconde de Indaiatuba e do barão de Sousa Queirós, sobrinho-neto de Osvaldo Aranha, sobrinho-bisneto do marquês de Três Rios, da baronesa de Itapura e da baronesa de Anhumas, sobrinho-trineto do visconde de Vergueiro, do barão de Limeira e da marquesa de Valença, e, ainda, tetraneto do senador Vergueiro, um dos mais influentes políticos do Império do Brasil, Olavo Setúbal, e seu comparte, um padre camiliano de origem veneta, nascido na Villa de Balisa, em Erechim, juntam forças para entregar a São Paulo um dos maiores e mais icônicos hospitais da cidade, o Hospital São Camilo Santana.

Foi em um sábado de manhã, em novembro do ano de 1975, que lendo o jornal Folha de S. Paulo, o Pe. Cherubin se deparou com uma matéria cujo título era “Hospital Abandonado na Zona Norte”.

A matéria versava sobre a situação de um prédio enorme de um hospital abandonado no populoso bairro de Santana. Uma foto aérea mostrava o monstrengo no meio de um matagal.

Aquela notícia não poderia ter vindo em momento melhor.

O Hospital São Camilo da Pompéia era a joia da coroa dos camilianos no Brasil. O hospital, que havia passado por turbulências administrativas no período de afastamento do Pe. Cherubin, durante os três anos em que atuou no governo federal como Coordenador do Atendimento Médico Hospitalar do Ministério da Saúde, voltara a operar com lotação completa depois que o Pe. Cherubin retomou a direção do hospital, instado a voltar pelo Pe. Calisto Vendrame, o Provincial dos Camilianos.

Era evidente, para o Pe. Cherubin, que estava mais do que na hora de partir para uma expansão. E ele até já estava se preparando para isso.

Com o jornal na mão, ainda no sábado, o Pe. Cherubin procurou seu amigo, o prof. João Sampaio Góes Júnior, que sabia ter relações próximas com o prefeito Olavo Setúbal. Explicou seu interesse, deu a ele o artigo e pediu para que dissesse ao alcaide que ele poderia assumir aquele prédio imediatamente para transformá-lo num grande e modelar hospital.

Como Deus escreve direito por linhas tortas, seu amigo, o Prof. Sampaio Góes, coincidentemente, integrava um grupo que iria almoçar com o prefeito no dia seguinte, domingo. Concordou em mostrar o jornal, levar a proposta do Pe. Cherubin e defender a causa. Na segunda-feira, logo cedo, trouxe a resposta para o Pe. Cerubin: o prefeito mandou dizer que “o prédio é seu”!

O Pe. Cherubin foi ver de perto o prédio abandonado. Era uma estrutura enorme, um monumental esqueleto de concreto armado que havia sido planejado para ser o hospital da Aeronáutica em São Paulo, mas que nunca havia sido acabado. A construção havia começado em 1956 e a FAB queria inaugurá-lo no dia 21 de abril de 1960, na mesma data da inauguração de Brasília. Como, porém,  Juscelino Kubistchek só tinha olhos para a nova capital e a FAB não conseguia dinheiro nem para comprar os aviões que precisava, um novo ministro da Aeronáutica parou aquela obra megalomaníaca e negociou o prédio inacabado com a prefeitura de São Paulo.

A prefeitura, por seu lado, também não tinha recursos para fazer o hospital e apenas vinha utilizando uma pequena parte como oficina para o conserto de ambulâncias.

O Pe. Cherubin foi conversar com os vereadores para negociar com a Câmara Municipal de São Paulo. O bom nome do Hospital São Camilo da Pompéia ajudou e a câmara aprovou uma lei concedendo para os camilianos o prédio e o terreno nas seguintes condições: duração do comodato 50 anos, renovável; 24 meses de prazo para a instalação de ambulatório e um andar para salas para cursos profissionalizantes; mais 24 meses para a instalação do pronto-socorro e de 100 leitos para internação e 12 anos para o término das obras com 400 leitos.

Tudo pronto para começar as obras veio outra notícia: as plantas originais tinham sumido. Nem a Aeronáutica e nem a Prefeitura sabiam o paradeiro delas. Mesmo assim o Pe. Cherubin foi em frente e tralhando dia e noite e colocando na obra 250 operários, apenas 90 dias após a assinatura do comodato, na data de 27 de outubro de 1977, o hospital abandonado da zona norte programou a inauguração de um belo e bem equipado ambulatório.

O Pe. Cherubin mandou um portador levar um convite da inauguração do ambulatório ao prefeito Olavo Setúbal. O prefeito Setúbal leu e ficou assombrado. Apenas outro dia ele tinha recebido em seu gabinete o elegante Pe. Cherubin e assinado o comodato com os camilianos e, em três meses, já vinha um convite para inauguração? Seu banco, o Itaú, fazia obras neste prazo, mas instalar uma agência é uma coisa, pegar um prédio abandonado no meio do mato e instalar um ambulatório médico era outra. Isso ele precisava ver. Quando chegou para a inauguração o prefeito ficou maravilhado. O mato tinha desaparecido. Na entrada do ambulatório havia uma ampla praça com jardim, feericamente iluminada, área de estacionamento sinalizada, cobertura para ambulância e garagem. Pe. Cherubin já construía pensando em um hospital de 400 leitos e não em um ambulatório. Foi receber o prefeito de braços abertos e o convidou para conhecer as dependências do ambulatório. Como tudo tinha sido feito para servir a um grande hospital, a área de recepção, salas de espera, os consultórios médicos, as salas de procedimentos, salas para exames de laboratório e imagem, salas de preparo de medicação, salas de serviço e esterilização, copa, sanitários e depósitos eram grandes, bem mobiliadas e bem-acabadas. O prefeito estava um entusiasmo só. Fez questão de dar ao padre um grande e sólido abraço para mostrar sua admiração e cumprimentá-lo pela façanha.

Mais 90 dias e o Chefe do Gabinete, Erwin Friedrich Fuhrmann entrou no gabinete fazendo um ar de cerimônia. Aí entrega ao prefeito Olavo Setúbal um belo envelope de opaline. Dentro outro convite. Era para outra inauguração. E, de novo, daquele padre alto, refinado e elegante como um nobre veneziano. Setúbal não resistiu e abriu um vasto e sonoro sorriso de incredulidade. O que o Pe. Cherubin ia inaugurar agora? Desta feita era todo o segundo andar, aquele que, conforme o acordo com os vereadores, deveria ser dedicado à salas de ensino profissionalizante e que deveria ficar pronto em 48 meses. O Pe. Cherubin o entregava em 180 dias.  O prefeito seguiu o Pe. Cherubin pelo segundo andar inteiro e viu que tudo estava estalando de novo. As salas de aula prontas para os cursos técnico. Os quadros verdes com giz nos porta apagadores. O prefeito, ao se despedir o Pe. Cherubin, desabafou: “quem dera eu tivesse mais alguns padres de seu feitio para tocar obras!”

Acontece que a pressa do Pe. Cherubin vinha do simples fato de que ele precisava urgente daquele hospital. O São Camilo Pompéia estava saturado e tendo que recusar internações, desagradando sua clientela médica. Na continuidade, mantendo o ritmo das obras 24 horas sem descanso, em mais 2 anos, no dia 3 de março de 1979, ao custo de 10 milhões de dólares, inteiramente custeados pelo Hospital São Camilo Pompéia, o portentoso e reluzente Hospital e Maternidade de Santana estava pronto. O padre Cherubin batizou o hospital com o nome de “Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta”. O nome era uma homenagem ao arcebispo de Mariana que convidou os camilianos para virem ao Brasil. A intenção era louvável, mas o nome não pegou. Desde o primeiro dia de funcionamento ficou conhecido como o São Camilo de Santana.

Agora a inauguração seria com toda a pompa e circunstância. Novamente estava presente o Prefeito Olavo Setúbal. o Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, o Provincial dos camilianos e muitos outros.

O prefeito Olavo Setúbal estava maravilhado. A seguir, a transcrição de trechos de seu discurso na inauguração:

“Meu caro Padre Cherubin, a inauguração deste hospital é uma prova dramática de que a solução para os problemas da saúde do nosso país não depende exclusivamente do poder público. Ela demonstra, com clareza, que o poder público é, muitas vezes, incapaz de resolver problemas fundamentais da nossa comunidade. A solução tradicional do Brasil, de uma entidade sem fins lucrativos, de caráter religioso, unida ao poder público, demonstrou aqui a sua capacidade ao erigir esse Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta.

Logo no início de minha administração, quando procurei enfrentar todos os problemas que estavam parados, por falta de alguma coisa, encontrei esse caso aqui na Zona Norte. E este era um desafio gigantesco: o Governo Federal tinha abandonado a construção, o Governo do Estado tinha se proposto a resolver a situação e também se sentia incapaz de o fazer… este prédio estava abandonado… e recuperá-lo era um desafio gigantesco. O governo municipal, ao avaliar o custo desta solução sentiu que não tinha condições de fazê-lo, pelo menos no curto prazo…

Por isto, vejo com imensa satisfação que a decisão tomada há quatro anos, de entregar este hospital à Sociedade Beneficente São Camilo, foi a solução correta para a solução deste problema. Apenas quatro anos após a assinatura do convênio já temos a grande satisfação de assistir a inauguração do próprio hospital, após termos estado aqui diversas vezes para inaugurar o ambulatório, a escola e outras dependências deste centro hospitalar.

Por isso meu caro padre Cherubim, é a prefeitura de São Paulo que está devedora da Sociedade Beneficente São Camilo desta solução para a Zona Norte de São Paulo, solução que o poder público não soube fazer mas que o senhor, com sua dedicação e especialmente com a sua fé soube mobilizar os homens e os recursos para atender as necessidades desta população.

Congratulo-me com o senhor e com seus auxiliares por esta obra extraordinária e agradeço, realmente sensibilizado, a delicadeza de terem marcado esta inauguração ainda no período de minha administração, quando realmente pouco fiz, porque apenas tive confiança na Sociedade São Camilo, no senhor e nos seus auxiliares.

Entreguei uma obra que a Prefeitura não soube, que o Governo do Estado não pôde e o Governo Federal não quis resolver e o senhor, em quatro anos, conseguiu fazer aquilo que os governos não tinham a condição de fazer.

Agradeço, portanto, e o cumprimento muito sinceramente, por esse extraordinário feito que vai marcar a sua ação entre nós de uma forma definitiva. De uma forma que jamais a população de São Paulo e a sua prefeitura esquecerão.

 Muito Obrigado.

O atual Hospital São Camilo Santana – antigo Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta, foi inaugurado com 400 leitos, sendo a maioria em enfermarias coletivas. Atualmente foi reconfigurado e possui 264 leitos instalados em apartamentos. O Hospital atende a uma população estimada em dois milhões de habitantes, na Zona Norte da cidade de São Paulo, onde é o único a realizar cirurgias de alta complexidade, além de atender outras especialidades, como clínica médica, obstétrica e pediátrica. O hospital mantém convênios com sete faculdades da área da saúde, abrigando 35 estagiários em residência médica e 52 em enfermagem.

As quatro unidades da Rede Camiliana da cidade de São Paulo oferecem, em conjunto, 750 leitos, possuem cerca de 6 mil colaboradores e aproximadamente 7.900 médicos cadastrados. O atendimento é exclusivamente privado e os recursos provenientes dos hospitais de São Paulo permitem subsidiar vários hospitais administrados pelos camilianos distribuídos pelo país e que oferecem atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

PARTE 2 – A MISSÃO NO GOVERNO FEDERAL – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN (CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

A SAGA DO PADRE CHERUBIN
MISSÃO NO GOVERNO FEDERAL
Em abril de 1973 o Pe. Cherubin foi nomeado para atuar como Coordenador da Coordenação da Assistência Médico-Hospitalar do Ministério da Saúde. Nunca um padre havia sido chamado para atuar em função tão importante no Ministério da Saúde. Mas também nunca um padre tinha sido presidente da Associação dos Hospitais de São Paulo, cargo que o Pe. Cherubin ocupava na ocasião.
Sua indicação se deveu a uma combinação de fatores. A entrevista com o Ministro Delfin Netto para liberar recursos para o Programa Nacional de Controle do Câncer ensejou a oportunidade para uma conversação mais ampla sobre o estado de coisas do setor hospitalar brasileiro. O Ministro da Saúde era o médico Mário Machado de Lemos, que tinha sido Secretário de Saúde de São Paulo, e que era amigo do prof. João Sampaio Góes Junior, o médico que levou o Pe. Cherubin ao ministro Delfin Netto. O ministro conhecia o trabalho de seu amigo e, por meio dele, conhecia o trabalho do Pe. Cherubin. Assim, quando o Presidente Médici se interessou pelo assunto da coordenação dos hospitais e o nome do Pe. Cherubin foi aventado, o endosso das referências elogiosas o levaram ao cargo.
A nomeação do Padre Cherubin foi muito festejada pelo setor. Em primeiro de maio de 1973 a Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo publicou, no Jornal O Estado de S. Paulo, um comunicado que incluía um convite para um jantar para celebrar a nomeação a ser realizado no dia 25 daquele mês. Após um preâmbulo com detalhes da publicação no Diário Oficial enumera as qualificações do homenageado:
“O padre Niversindo Antônio Cherubin é formado em Administração Hospitalar, foi um dos fundadores e secretário geral durante 5 anos da Federação Brasileira de Hospitais, ocupa há 5 anos o cargo de presidente da Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo, foi um dos fundadores e é atualmente diretor do Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares, fundou e é diretor responsável e redator da revista Vida Hospitalar e dirigia, como superintendente, a Sociedade Beneficente São Camilo e o Hospital São Camilo desta capital e é o Diretor Geral do Curso de Administração hospitalar do INPDH – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e de Pesquisas hospitalares, do qual é vice-presidente.” Assina o Dr. Cícero Aurélio Sinisgalli, Presidente em exercício.
O Pe. Cherubin, em seu discurso de posse, disse que faria o possível para melhorar a situação dos hospitais e reconheceu que os hospitais brasileiros navegavam sem rumo, afirmando que careciam de normas técnicas e administrativas para a sua construção, operação e administração.
Após o discurso, muito elogiado pelo ministro, foi conduzido ao seu gabinete, que ainda não conhecia. Ali foi informado que seu antecessor não faria a transferência de cargo porque não gostou de ser substituído. Tanto que havia abandonado o cargo uma semana antes de sua chegada. O Pe. Cherubin teve que descobrir sozinho o que aquela coordenadoria fazia conversando com cada um dos seus 80 funcionários.
Como o Ministério da Saúde ainda ficasse no Rio ele precisou deixar a administração do hospital São Camilo de São Paulo, mas não foi morar no Rio de Janeiro. Mesmo com direito a hospedagem cinco estrelas no Copacabana Palace, hospedava-se de segunda à sexta-feira na casa dos camilianos, no bairro da Tijuca, e nos fins de semana, voltava a São Paulo, para dar suas aulas no INPDH, o que fazia na sexta-feira a noite e nos sábados.
O Pe. Cherubin, como todo mundo, já havia ouvido falar da pouca “voglia” dos funcionários públicos brasileiros, mas, ainda assim, habituado a ética de trabalho do Sul, da Itália e em empresas e hospitais privados, ficou abismado com a desfaçatez dos funcionários públicos de sua coordenadoria. Ele nunca havia trabalhado em órgão público e não estava familiarizado com a burocracia e a tramitação de processos, mas ficou espantado com a lentidão e a morosidade com que eram feitos os encaminhamentos e pareceres. Esse descaso era, de todas as barbaridades com que foi se deparando no serviço público, aquele que mais o incomodava. Constatava que os funcionários eram regiamente pagos, com o dobro ou triplo do que recebiam os do setor privado, gozavam de privilégios escandalosos e, mesmo assim, tinham uma atitude de absoluta displicência com suas tarefas e obrigações. Reclamando com um advogado de São Paulo ficou sabendo que essa atitude é conhecida como “desídia” e abrange desde a falta de comprometimento e atrasos constantes até a realização de tarefas de forma descuidada ou a eventual falta de educação com os cidadãos. Como nunca tinha ouvido falar nisso o advogado explicou que era tão raro alguém ser acusado de “desídia” que muitos juízes nem sabiam do que se tratava.
Mesmo sabendo que fazia uma declaração de guerra, informou aos responsáveis de seu setor que nenhum processo passaria a noite na mesa de seu gabinete e nenhum atravessaria uma semana na sua coordenadoria.
Teve outro espanto quando descobriu que nenhum dos seus funcionários havia sido selecionado e contratado pela sua coordenação. Todos, sem exceção, eram provenientes de outros órgãos federais, enquanto os que foram contratados por sua coordenação estavam trabalhando em outras divisões, inclusive em outros ministérios. Soube que, para requisitar ou transferir um funcionário, bastava o próprio servidor e seu chefe fazerem um simples memorando e obter o “de acordo” da outra parte. Outra coisa que o fez cair sentado foi quando disseram a ele que a orientação era para que nenhum órgão do Ministério deixasse de gastar a totalidade da verba prevista no orçamento do ano. Todo mundo tinha que gastar tudo, até o último tostão, mesmo que em bugigangas, porque caso não o fizesse, sofreria redução proporcional no orçamento do ano seguinte.
Depois de recuperar-se do assombro, o Pe. Cherubin fez um levantamento do que sua área precisava em equipamentos e suprimentos e saiu peregrinando pelos gabinetes do ministério. Apresentava-se e perguntava se havia verba sobrando. Habilidoso, explicava sua missão, mostrava sua lista de necessidades e pedia que comprassem algo do que precisava com sua gordura de verbas. Então, assim que os equipamentos ou suprimentos chegavam, ele ia pessoalmente agradecer e fazer um memorando solicitando que as mercadorias ou os equipamentos recebidos fossem cedidos para a sua coordenadoria. Acabou fazendo amigos e equipando sua área com tudo do bom e do melhor.
No Ministério da Saúde inteiro a tolerância em relação à frequência dos funcionários era total. O secretário da saúde do Ministério apresentou a ele uma senhora informando ser sua secretária e dizendo que qualquer assunto da coordenadoria poderia ser encaminhado diretamente para ela. A secretária, muito solícita e sorridente, se colocou à disposição, mas foi logo informando que não vinha trabalhar às quartas-feiras porque precisava fazer a feira…
Os médicos, então, esses eram de uma pontualidade nunca vista. No sentido de que nunca ninguém jamais a tinha visto. Pontualidade? Não sabiam o que era e nem queriam saber. Vinham trabalhar se, quando e como queriam. Para tentar por ordem no barraco o Pe.Cherubin determinou que, daí em diante, os médicos assinassem o ponto na frente de sua secretária. Seria da responsabilidade dela colocar o horário de entrada e de saída e, em caso de não comparecimento, fazer o traço em vermelho para cortar o ponto e descontar do pagamento.
Foi uma conflagração. Um médico, proprietário de um hospital no interior do Rio de Janeiro e que era o presidente da associação médica do estado, figurão empoado que mais tarde seria eleito prefeito da cidade de Niterói, comparecia ao serviço apenas uma vez por semana e, mesmo assim, por poucas horas. O Pe. Cherubin solicitou a ele que pedisse demissão para colocar em seu lugar alguém disposto a trabalhar todos os dias.
O médico fez cara feia, mas temendo que sua “desídia” se tornasse pública, redigiu o pedido. Todavia, conhecedor dos meandros e maroteiras que regem as sinecuras do serviço público, ato contínuo, fez a notícia de sua demissão espalhar-se pelo Ministério como rastilho de pólvora. O telefone do Pe. Cherubin não deu mais sossego: todos os diretores e vice-diretores, todos os chefes e subchefes do Ministério ligaram pedindo para que ele voltasse atrás. Argumentavam que ter aquele médico na folha de pagamento, por si só, já engrandecia o Ministério da Saúde, mesmo que ele não aparecesse para trabalhar.
Apesar do alarido, o Pe. Cherubin, educado na linha de que quem não trabalha não come, foi ao ministro da saúde com o pedido de demissão do médico. O ministro o recebeu sabendo do assunto. Mostrou-se muito educado e compreensivo, mas fez o Pe. Cherubin se sentir o próprio Dom Quixote investindo contra os moinhos de vento. Demitir aquele médico era comprar problemas e ele não tinha virado ministro fazendo inimigos.  
O Pe. Cherubin, porém, nunca esmoreceu ante as dificuldades. O que ele tinha dito no discurso de posse era no que acreditava: os hospitais brasileiros careciam de normas técnicas e administrativas para a sua construção, operação e administração.
Administrador proficente que era, o Pe. Cherubin conhecia a máxima de Edward Deming, “Você não pode administrar aquilo que não pode medir”. O Pe. Cerubin, assim como Deming, acreditava que, para tomar decisões corretas você precisa saber onde está pisando. E ninguém, no Ministério da Saúde, tinha a menor ideia do tamanho e da localização dos hospitais brasileiros. Mais grave, o governo brasileiro não tinha conhecimento de quais eram, como eram e onde estavam os seus hospitais públicos.
Tentando encontrar essa informação o Pe. Cherubin descobriu, com surpresa, que o Ministério da Saúde, sim, até tinha uma Seção de Estatística. Estava enfiada no fim de um corredor. Ele foi lá e soube que a seção tinha alguns milhares de fichas de hospitais cadastrados, colocadas em gavetas de fichários. Também descobriu que, todos os anos, o departamento enviava aos hospitais cadastrados um formulário solicitando informações para atualizar o censo hospitalar. Salvo exceções, os hospitais dedicavam uma dezena de horas para responder as questões constantes do formulário. Depois, postavam no correio, escrupulosamente, para cumprir o prazo estipulado. E o Ministério recebia os formulários e os empilhava, formando uma montanha de papel que ficava tomando pó em um canto da repartição. E nada mais fazia com eles. Não tabulava as informações. Não produzia relatórios. Não analisava. E, como os formulários não produziam dados úteis, deles não vinham informações para a tomada de decisões e, é óbvio, nem para definir políticas. Era tudo de mentirinha. Para um incrédulo Pe. Cherubin, que falava francês com fluência porque, durante as férias do seminário, tinha ido trabalhar na França para ganhar algum dinheiro, aquela encenação de censo hospitalar soava como coisa feia só para “épater les Bourgeois”, ou seja, para embasbacar a “burguesia”.
O Pe. Cherubin ficou uns dias dando tratos à bola sobre o que fazer com os formulários relativos a 1971 que aguardavam empoeirados. Tentar fazer a tabulação com aquele pessoal que o olhava com hostilidade brilhando nos olhos era pura perda de tempo.
Então, deu-se a “Eureka”. Pegou os formulários e os levou para São Paulo, onde encarregou seus alunos, os estudantes de Administração Hospitalar do INPDH, para fazerem, em mutirão, a tabulação e a transcrição dos dados.
Finda a tabulação as planilhas mostravam que o Brasil dispunha, em 1971, de 4.067 hospitais, sendo 3.407 particulares e 660 oficiais. Tinha 367.522 leitos, sendo 242.921 em hospitais particulares e 124.601 em hospitais públicos.
Os dados compilados pelos seus estudantes foram reunidos em uma publicação sofisticada, feita com papel couchê e capa dura, no chamado “tamanho de mesa”. O miolo tinha 300 páginas e era ilustrado com abundantes imagens e gráficos. A publicação foi denominada “Cadastro Hospitalar Brasileiro” e teve uma tiragem de 1.000 exemplares que se esgotaram em dias porque era a primeira vez que o setor tinha acesso a um panorama tão completo sobre a situação hospitalar Brasileira.
Quando o Pe. Cherubin levou um exemplar encadernado ao Ministro da Saúde ele o folhou maravilhado. Mandou chamar todos os coordenadores do Ministério para mostrar a obra. Em seguida pediu mais um exemplar para entregar ao presidente da República.
O segundo trabalho que o Pe. Cherubin se propôs a fazer era mais complicado. Tratava-se de elaborar as normas técnicas para a construção de hospitais no Brasil. Essa era uma tarefa urgente porque, na falta de normas, cada dono de hospital, cada arquiteto e cada construtor hospitalar tentava reinventar a roda. Algumas das rodas eram até redondas, mas as havia de todas as formas. Até as quadradas, que, como na antiga piada, eram substituídas por outras quadradas quando gastavam-se os cantos…
A equipe encarregada de produzir aquele trabalho histórico foi formada por 4 engenheiros, 4 arquitetos hospitalares, 20 consultores técnicos e 4 desenhistas. Após mais de um ano de trabalho exaustivo foi publicado o Manual de Normas de Construção e Instalação do Hospital Geral. Como exemplo do nível do detalhamento, o capítulo dedicado aos componentes das instalações elétricas, hidráulicas, mecânicas e especiais, que incluíam as instalações de oxigênio e gases hospitalares, traziam um memorial descritivo e os parâmetros a serem minimamente observados para o funcionamento do Hospital. Era o primeiro Manual de Normas hospitalares do Brasil e foi copiado em toda a América Latina. Sua consistência técnica, adotada como padrão no país, ajudou a projetar a arquitetura hospitalar brasileira. O arquiteto e engenheiro Jarbas Karmann e o arquiteto e médico Domingos Fiorentini, colegas do Pe. Cherubin na Faculdade de Administração Hospitalar, atuaram como consultores para a definição das normas. Como resultado, tornaram-se referências internacionais em arquitetura hospitalar e projetaram, em conjunto ou separadamente, mais de 1.000 obras hospitalares no Brasil e em várias partes do mundo. Graças ao prestígio internacional, em 2008 o arquiteto e engenheiro Jarbas Karman trouxe para o Brasil o IX Congresso Internacional de Engenharia e Arquitetura Hospitalar.
Tive oportunidade de presenciar pessoalmente a abertura do Congresso, realizado no auditório do Hospital Albert Einstein. Na oportunidade o Pe. Cherubin foi convidado para a mesa e foi reconhecido pela publicação do Manual de Normas, sendo aplaudido de pé pela plateia formada por centenas de arquitetos e engenheiros hospitalares vindos dos quatro cantos do globo.
Durante a permanência no Ministério da Saúde o Pe. Cherubin querubim foi também nomeado diretor do Instituto de Previdência do Clero, que tinha sede no Rio de Janeiro. Nessa função, o Pe. Cherubin foi esmiuçar as finanças da entidade. Ficou horrorizado. Ele mesmo contribuía para o instituto e viu que, a depender do que tinha verificado, nunca conseguiria se aposentar. Na primeira reunião da diretoria, sob a liderança de Dom Aloísio Lorscheider, foi incisivo: “senhores, com todo o respeito, eu posso afirmar que o balanço que acaba de ser lido não é verdadeiro e contém informações inverídicas”. Todos ficaram atônitos e o monsenhor Tapajós, que cuidava das finanças, reconheceu que, de fato, a instituição não tinha como se sustentar com as próprias pernas. Diante da dura realidade mostrada pelo Pe. Cnerubin o instituto recorreu ao governo federal e o Ministério da Previdência e Assistência social baixou o ato criando legislação específica para a aposentadoria dos religiosos e religiosas.
Em junho de 1974, enquanto ainda no governo, recebeu convite do Ministério da Saúde britânico para conhecer os serviços de saúde da Inglaterra. Lá permaneceu 15 dias e voltou bem impressionado com o padrão de assistência médica dispensado gratuitamente a toda a população do país. Especialmente a forma como atuam os médicos de família. Encaminhou relatório recomendando medidas para fortalecer esta forma de atenção à saúde.
No dia 26 de junho de 1975 o Pe. Cherubin recebeu um ofício do Pe. Calisto Vendrame, o Provincial dos camilianos, solicitando que ele pedisse demissão do Ministério da Saúde e voltasse com urgência para administrar o hospital São Camilo de São Paulo, que estava enfrentando sérios problemas de gestão. Sendo religioso, devia atender ao chamado. O Ministro da Saúde lamentou a decisão, agradeceu pela obra realizada pelo Pe. Cherubin e nomeou seu assistente, Dr. Augusto de Abreu Amorim, para o substituir.
 

PARTE 1 – DE BALISA PARA O MUNDO – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN (CRIADOR DAS FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

De Balisa para o Mundo – Primeira Parte

Resumo biográfico de Niversindo Antonio Cherubin, padre camiliano nascido na Vila de Balisa em 30 de setembro de 1931 e que morreu aos 92 anos, em 15 de setembro de 2023, em São Paulo. Esta é a fascinante história de uma vida dedicada ao aprimoramento do setor de saúde ao redor do mundo por meio da melhoria das boas práticas em administração e finanças. É a história do legado de um filho de Erechim que viajou pelos quatro cantos do mundo para divulgar conhecimentos, realizar missões junto a hospitais e entidades camilianas nas américas, na Europa, e no Oriente e como enviado dos Papas Paulo VI e João Paulo II.

Existem homens cuja visão, talento e capacidade realizadora lhes dão fama e fortuna. Muitos deles apreciam o proscênio e buscam brilhar nas altas esferas midiáticas e sociais. Existem outros, contudo, dotados de igual visão, talento e capacidade realizadora, que preferem a consciência do dever cumprido.

Niversindo Antônio Cherubin figura neste segundo grupo. Homem de visão e de ação, era dono de cultura excepcional e focado em resultados. Trabalhador incansável, realizador, mas disciplinado, não descuidou de sua formação pessoal. Além de teólogo de formação fez pós-graduação em Administração Hospitalar na Faculdade de Saúde Pública, em São Paulo e, no afã de seguir a regra de ouro da administração, “aprendas a fazer para poderes mandar”, fez contabilidade e todos os cursos ligados à operação hospitalar que encontrou, desde lavanderia hospitalar a técnicas de esterilização e logística. Graças a esta diversidade de interesses e conhecimentos nas áreas de gestão e finanças, somadas à seu talento como poliglota, músico, editor de livros e revistas, autor de mais de 12 livros e centenas de artigos, especialmente em administração hospitalar, tornou-se um autêntico “polímata”, o termo que define o chamado “Homem da Renascença”, ou “homem universal”, aquele dotado de múltiplas habilidades e vasto conhecimento em múltiplas áreas.

Niversindo Antonio Cherubin tinha 12 anos quando embarcou na estação da Vila de Balisa no trem que o levaria para para o seminário Camiliano em Iomerê, Santa Catarina. Nunca, nem por um minuto, arrependeu-se de seguir sua vocação religiosa. Começou estudando no seminário em Santa Catarina, depois em São Paulo e, por fim, foi cursar teologia na Itália, onde, aos 24 anos, tornou-se sacerdote católico. A cerimônia de ordenação foi realizada na diocese de Pádua, no dia 17 de junho de 1956, dia de Corpus Christi. Alguns dias depois, já padre recém ordenado, começou os preparativos para voltar ao Brasil. Foram dias de regozijo pelo objetivo alcançado, mas, como revela em sua autobiografia, entremeados pela tristeza de imaginar que estava deixando para trás a terra de seus ancestrais. A bela e luminosa Itália que cativara sua alma sensível e que aprendera a amar profundamente. Temia que, talvez, para lá só pudesse retornar em seus sonhos e memórias, como aconteceu a tantos dos emigrantes vindos para o Basil.

Em seu caso, por felicidade, esse foi um temor totalmente infundado. Ao longo de seus profícuos 68 anos de atividades, como camiliano e arauto da administração, tantos foram os encargos e missões recebidas ao redor do mundo que viajou pelos quatro cantos do planeta e, na azáfama de suas incumbências, raros foram os anos em que não precisou voltar uma ou mais vezes à Itália de seus ancestrais.

O que aconteceu foi que, tão logo retornou ao Basil, foi chamado a colocar seu imenso talento e notável capacidade realizadora a serviço do carisma religioso da Ordem Camiliana, a organização religiosa a que pertencia e que é conhecida como a “Ordem dos Ministros dos Enfermos”.

PRIMEIRAS INCUMBÊNCIAS.

Para surpresa do recém ordenado Pe. Cherubin, ao invés de ser enviado para o interior acabou designado para atuar na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, na Vila Pompéia, na cidade de São Paulo. A Paróquia ficava, e ainda fica, ao lado do Hospital São Camilo. Na época esse era tão somente um acanhado hospital de bairro e não o portentoso nosocômio que a competência como administrador e o toque de midas do Padre Cherubin deu origem a um dos maiores e mais bem avaliados hospitais paulistanos. A instituição líder da rede camiliana brasileira, que, atualmente, possui quatro hospitais na capital paulista, somando mais de 750 leitos de alto padrão, além de dezenas de hospitais espalhados por todo o país, inclusive com unidades próximas a Erechim, nas cidades de Concórdia e Seara, em Santa Catarina.

Inicialmente, entre suas funções na paróquia estava a de celebrar as missas diárias, sendo duas aos domingos e, aos sábados, tocar órgão nos numerosos casamentos festivos realizados na paróquia. O órgão era um Hammond elétrico, igual ao da antiga Matriz S. José, de Erechim. No instrumento de sonoridade equivalente ao dos órgãos de tubos, equipado com dois teclados e pedaleira, o Pe. Cherubin tocava a Marcha Nupcial, durante a entrada da noiva, e a Ave Maria, de Gounod ou Schubert, segundo a preferência dos noivos, durante a bênção das alianças. Essas eram as músicas tradicionais. A Ave Maria, inclusive, usualmente era cantada pelo Pe. Contardi, um tenor lírico de bela voz, que invariavelmente era aplaudido pelos presentes. Outras músicas do repertório religioso ou clássico e, mesmo, popular, que combinassem com a cerimônia, podiam ser solicitadas. O fato dos casamentos da paróquia serem musicados pelos padres passou a atrair muitos casais interessados naquele diferencial e era preciso agendar a data com meses de antecedência. Os noivos também costumavam ser generosos na gratificação aos músicos. Para a igreja da Pompéia, que vinha lutando por recursos, aquela era uma ajuda muito bem-vinda.

Outra incumbência que Pe. Cherubin recebeu, tão logo chegou, foi a de dirigir a revista “A Cruz Misteriosa”. O título era uma alusão a enorme e chamativa cruz vermelha que os camilianos ostentam no peito de suas batinas. Eu me lembro da primeira vez que a vi. Eu deveria teria uns dez, onze anos. Um padre vestindo batina com a grande cruz vermelha bordada na altura do peito entrou na loja de meus pais. Soube, tempos depois, por minha mãe, que aquele padre que vestia a batina com a cruz tinha ido lá para apanhar a chave do órgão da Matriz S. José. A chave ficava com minha mãe por ela ser a organista oficial da igreja e tocava nas missas e cerimonias solenes e nos casamentos. Ligando os pontos, imagino que esse padre tenha sido o Padre Cherubin. Pena que nunca tenha lembrado de confirmar com ele.

O fato é que, quando recebeu missão de cuidar da publicação oficial dos camilianos no Brasil a revista era de tamanho pequeno e tinha 24 páginas. Sua impressão era feita em uma pequena gráfica instalada no porão da igreja. Apesar do nome pomposo de “Artes Gráficas S. Camilo”, só imprimia a revista e alguns impressos usados pela comunidade. O Pe. Cherubin achava que a publicação não estava à altura da imagem que os camilianos precisavam projetar no Brasil para crescerem no país. Por isso iniciou um grande esforço para angariar assinaturas e melhorar o conteúdo editorial. Um ano depois, graças a seu empenho, a revista passou a ter o tamanho de 20 x 30cm, padrão da época, e 64 páginas. O número dos assinantes subiu para mais de 30 mil. As assinaturas eram vendidas por estudantes católicos em campanhas pelos bairros e pelo interior do estado. Nestas campanhas, organizadas pelo Pe. Cherubin, ele ia junto com os jovens para vender assinaturas. Excelente vendedor, ele se encarregava de vender de 30 a 40 assinaturas por dia. Nessas ocasiões ele aproveitava para conversar com o público leitor para saber a opinião que tinham sobre a revista e sobre suas pautas.

Vendo o progresso notável da revista, o Provincial dos Camilianos entregou a direção de toda a gráfica para o Pe. Cherubin. A partir daí o progresso foi vertiginoso. Usando sua proverbial criatividade, a primeira providência foi aproveitar os numerosos noivos que vinham marcar casamento na igreja, a mesma que estava na moda graças aos seus padres músicos. Como era sabido que as reservas de data tinham que ser feitas com muita antecedência, raros eram os noivos que já tinham mandado fazer os convites. Então o Pe. Cherubin montou um amplo mostruário dos elegantes convites de casamento que a gráfica camiliana oferecia e o colocou estrategicamente na sala da secretaria onde eram marcados os casamentos. O resultado foi que a venda de convites deu um salto, exigindo mais máquinas e mais pessoal.

Logo, por um golpe de sorte, o Pe. Cherubin soube de uma impressora automática que tinha dado defeito e estava encalhada no porto do Rio de Janeiro. Foi ao Rio e conseguiu arrematá-la por bom preço. Um mecânico, em São Paulo, rapidamente, consertou o defeito. Com a nova impressora a gráfica passou a imprimir livros, tanto de autores da comunidade camiliana, como para terceiros. Aproveitando esta disponibilidade o Pe. Cherubin abriu, ao lado da Igreja, a “Livraria e Papelaria São Camilo”. Por ser a primeira e única do bairro, foi um sucesso total. Ele sabia, que, em princípio, nenhum comércio era permitido no bairro. Arranjou um pretexto e convidou o Prefeito Adhemar de Barros para um almoço, e, na hora da sobremesa, pediu para o prefeito interceder pela livraria. Adhemar de Barros achou graça no pedido do jovem padre e respondeu: “Você sabe que na Avenida Pompéia é proibido qualquer tipo de comércio. Em todo caso, vou autorizar. Se aparecer algum fiscal demorará anos para conseguir decifrar a minha letra”. E a livraria e papelaria continuou funcionando por muitos anos, sem nunca aparecer fiscal nenhum.

Quanto à gráfica, agora muito mais bem equipada, também começou a atender grandes clientes externos. Um destes clientes que o padre arranjou era a revista “Sete Dias na TV”. A publicação era semanal e tinha uma tiragem de 350 mil exemplares. Pelo contrato, o conteúdo precisava ser entregue na quarta feira e a revista precisava estar pronta na sexta-feira de madrugada. Com esse e outros bons contratos os lucros cresceram. Então, com os recursos obtidos na gráfica, o Pe. Cherubin pagou a conclusão do Seminário que a ordem mantinha em São Paulo e ainda fez uma grande reforma no seminário de Iomerê, aquele onde ele havia iniciado seus estudos, em Santa Catarina.

O ECÔNOMO DA PROVÍNCIA

Em outubro de 1957, apesar de ter apenas 25 anos e pouco mais de um ano como padre, a excepcional habilidade demonstrada pelo Pe. Cherubin em lidar com os negócios e as finanças da gráfica levou o Provincial da Ordem a nomeá-lo como Ecônomo Provincial. Na terminologia eclesiástica, o Ecônomo equivale ao diretor administrativo-financeiro da instituição. A ele cabe coordenar toda a movimentação financeira da Província e das casas religiosas.

É verdade que a Província Camiliana da época era diminuta e não tinha muitos quadros, ainda assim, era uma enorme responsabilidade para o jovem padre.

Segundo Sêneca, “sorte é estar preparado para quando surge a oportunidade”. O Pe. Cherubin, dotado do senso prático adquirido no seio da família de colonos e com a maturidade de ser órfão de pai desde os dois anos de idade, aceitou a incumbência com o entusiasmo com que já vinha cuidando de suas outras responsabilidades. Logo que assumiu viu que o dinheiro era curto para atender todas as necessidades. Tratou, assim, de reduzir custos e obter mais receitas. Para otimizar os recursos disponíveis comprou um caminhão Chevrolet usado. Foi uma decisão abençoada. O motor de seis cilindros bebia gasolina como camelo bebe água, mas, naquele tempo, o preço da gasolina era mais barato que água engarrafada. O Caminhão, desde o primeiro dia, começou a ser usado para ir buscar alimentos e produtos agrícolas mais baratos no sul do país. Abastecer as despensas das casas religiosas paulistas custava um bom dinheiro. Indo buscar no Sul, a economia era substancial. Além disso, aproveitando o caminhão, o Pe. Cherubin passou também a trazer vinho do Sul para São Paulo. Vinha vinho de missa, claro, mas também chegavam garrafões e mais garrafões do excelente vinho colonial produzido na terra dos vinhedos. Vinho esse que era vendido ao público pela cantina da paróquia da Vila Pompéia. O povo até brincava dizendo que o vinho tinha que ser bom porque, afinal, os padres garantiam que não era batizado!

Usando criatividade, espírito de iniciativa e bom senso, o Pe. Cerubin conseguia atender todas as necessidades da província e ainda fazia sobrar dinheiro para enviar para a casa central, em Roma. Era dessas remessas que saía o custeio da Congregação, a manutenção dos seminários, as passagens para as viagens dos padres. O desempenho do Pe. Cherubin foi de tal ordem que acabou ficando na função de ecônomo da Província Camiliana por 45 anos, de 1957 até 2002.

O RESGATE DO HOSPITAL SÃO CAMILO

Segundo relata em suas memórias, foi num fim de semana em 1961 que o Provincial Camiliano, Pe. Calisto Vendrame, seu superior, o chamou para informá-lo que o Conselho Provincial da Ordem havia decidido nomeá-lo Diretor Administrativo do Hospital São Camillo.

O Pe. Cherubin foi tomado de surpresa e argumentou que não tinha preparação específica para a função. Acrescentou que, até aquele dia, só tinha entrado em um hospital para ser submetido a uma cirurgia de extração das amidalas. O Provincial retrucou: “quando você assumiu a administração das Artes Gráficas São Camilo também não tinha preparação específica e deu certo”.

O Hospital São Camilo, com 70 leitos, era a instituição mais importante que a Congregação tinha no Brasil. Afinal, os camilianos existiam exatamente para cuidar dos enfermos. Sua inauguração havia se dado apenas um ano antes, em 1960, e coroava os esforços de 37 anos da instituição no país. Esforços que iniciaram em 1923 quando o Pe. Inocente Radrizzani chegou ao Brasil, assumiu a Paróquia da Pompéia e criou a Policlínica São Camilo. Conquanto só oferecesse atendimento ambulatorial, consultas e pequenos procedimentos sem internação, a policlínica foi, por muitos anos, o único estabelecimento de saúde do bairro.

A construção do hospital, propriamente dito, começou em 1946, quando o Pe. Radrizzani criou uma comissão para esse fim. A campanha de arrecadação recebeu o nome de “SOS” (Socorro às Obras Sociais) e foi presidida, desde o início, por Laudo Natel, o banqueiro diretor do Bradesco que veio a ser governador do Estado de São Paulo por duas vezes. Laudo Natel também foi presidente do São Paulo Futebol Clube e foi quem construiu o Estádio do Morumbi. O interessante é que ele terá feito seu bem-sucedido aprendizado em arrecadação de fundos quando presidiu a comissão de construção do Hospital São Camilo. Diferentemente do Ypiranga, de Erechim, que construiu seu estádio com sorteios e uma abordagem que empolgou a cidade e a região, o Hospital São Camilo foi construído penosamente, tijolo a tijolo, com doações, bingos e quermesses. Mas, de uma forma ou de outra, estava de pé e pronto para funcionar.

Só que uma coisa é construir e outra é administrar.

No dia em que o Pe. Cherubin assumiu a direção do São Camilo tomou um susto. Descobriu que o hospital tinha tão somente três clientes internados. E o caixa estava perigosamente perto o zero. Disputas internas, conflitos de interesse, egos inflados e inabilidade do Diretor Clínico estavam afundando o hospital.

Por sugestão do Pe. Novarino Brusco, capelão camiliano do Hospital Matarazzo, na época um hospital com 500 leitos na região da Avenida Paulista e um dos maiores e mais prestigiados da cidade, foi convidado o Professor Dr. Mário Degni, que ali dirigia o Departamento Vascular, para assumir como Diretor Clínico. O médico e professor de renome internacional, com grande equipe e vasta clientela, após acertar os ponteiros com o Pe. Cherubin, assim como ele perfeccionista e obcecado por resultados, aceitou a função e mudou-se com armas e bagagens para o Hospital São Camilo. Trabalhando lado a lado, ele e o Pe. Cherubin, formaram uma parceria de esplendidos resultados por 30 anos, que só terminou quando, ambos no mesmo dia, deixaram em definitivo suas funções. Por esta época o São Camilo Pompéia já tinha sido ampliado para 311 leitos, apresentava excelente ocupação e pensava em novas expansões. O afastamento de ambos coincidiu no mesmo dia, mas por razões diferentes. O Dr. Mário Degni, que estava com oitenta anos, preferia aposentar-se. Era o que pensava fazer já há algum tempo e ia protelando porque amava a medicina, mas aproveitou a ocasião por desejar evitar o stress inescapável de um novo relacionamento com o futuro diretor. O Pe. Cherubin, por sua vez, havia sido chamado a assumir encargos incompatíveis com sua permanência na função.

CONTROLE DO CÂNCER

Em 1967 o Pe. Cherubin inaugurou no Hospital São Camilo da Pompéia o Instituto São Camilo de Prevenção e Tratamento do Câncer Ginecológico. Prestigiando a inauguração do novo serviço, em evento com banda de música, pompa e circunstância, estiveram o governador Laudo Natel, amigo do tempo da construção do Hospital, o prefeito, Brigadeiro Faria Lima, no auge de seu prestígio, além de vereadores, deputados e outras autoridades.

Em 1968 o Instituto realizou o 1º Simpósio de Prevenção e Tratamento de Câncer Ginecológico. O sucesso foi tal que o governo do Estado introduziu em todos os seus postos de saúde os exames de prevenção do Câncer ginecológico conhecidos como exames de Papanicolau. Ainda com apoio do Governo do Estado o Instituto montou o primeiro laboratório de Citologia e Anatomia Patológica do Estado.

O Instituto também foi pioneiro no combate ao câncer de mama e trouxe o primeiro mamógrafo para o Brasil em 1971.

Em 1973 o prof. João Sampaio Góes Jr, diretor do Instituto, assumiu o posto de diretor da Divisão Nacional de Câncer do Ministério da Saúde. Com base em sua formação médica e pela experiência no São Camilo, o Prof. Góes criou o Programa Nacional de Controle do Câncer. A iniciativa previa a importação de grande quantidade de equipamentos a serem distribuídos para todas as entidades de câncer no país, bom como a ampliação e abertura de novos hospitais especializados. Para conseguir a aprovação dos expressivos recursos para o programa, o Dr. Góes levou o Pe. Cherubin na audiência com o Ministro da Fazenda Delfin Netto. Ele achava que, embora fosse ele o Diretor da Divisão de Câncer do Ministério da Saúde, ele era o médico e ele conhecesse os detalhes do programa, era o Pe. Cherubin que sabia como obter dinheiro com o pessoal do governo. Na audiência o Pe. Cherubin começou por perguntar se o Ministro tinha na família, ou entre seus amigos, alguém com câncer. Não, o Ministro não tinha. Mas sabia quem tinha. Era o Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, que tinha uma irmã tratando a doença. Não deu outra. Os recursos foram liberados tão rápido que mal voltaram para São Paulo, alguns dias depois, e o dinheiro já estava disponível. Mas os efeitos da iniciativa não pararam por aí. Depois de conhecer os detalhes do projeto e saber mais sobre o Pe. Cherubin, que na época, no meio de uma dezena de outros cargos e funções, era também presidente da Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo, o Presidente Médici decidiu que o melhor mesmo era colocar o Pe. Cherubin para fazer o projeto do câncer andar. E, pensando melhor, aliás, ele parecia ser o homem certo fazer toda a Assistência Médica e Hospitalar do País para andar. Então chamou o Pe. Cherubin e o nomeou como Coordenador da Assistência Médica e Hospitalar do Ministério da Saúde. (Mais adiante apresento um resumo da chacoalhada que o Pe. Cherubin deu no ministério…)

Em São Paulo o Instituto continuou a evoluir no atendimento ao público e, em 1977, o prof. João Sampaio Góes Jr., já de volta ao comando do Instituto, propôs mudar seu nome para IBCC – Instituto Brasileiro de Controle do Câncer. Ele achava que colocar no nome a ideia de controle representaria melhor o propósito do instituto, cuja ênfase deveria ser, cada vez mais, antecipar, prevenir e fazer diagnósticos precoces. Afinal, como entendia o Pe. Cherubin com sua visão prática: “dizem que saúde não tem preço, mas tem custo. Por isso é melhor fazer prevenção. Ela, além de salvar vidas, tem custo mais barato!”

Em 1979 a Prefeitura de São Paulo concedeu em comodato uma área de 18.500 m2 na Zona Leste da Capital e o IBCC transferiu-se para o novo endereço. Também houve uma mudança estatutária para facilitar a gestão e os investimentos. O Pe. Cherubin assumiu o cargo de presidente, cargo que manteve até meados da década de 2010.

Mais recentemente, para facilitar a fixação da marca, o Instituto passou a adotar o nome estendido de IBCC – Oncologia. Acontece que, mesmo sendo uma das mais conhecidas instituições dedicadas ao controle do câncer no país, sua campanha de conscientização sobre o câncer de mama é mais conhecido que ela. Todo ano são realizados campanhas e eventos que utilizam o símbolo do “Alvo Azul”, representado por três círculos azuis com o tema “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”.

A campanha, que é realizada mundialmente, foi criada em 1994 pelo designer de moda Ralph Lauren, nos EUA, e trazida ao Brasil em 1995 pelo IBCC do Pe. Cherubin.

A Hering, de Santa Catarina, a empresa licenciada para produzir as conhecidas camisetas e abrigos com o Alvo Azul, fornece seus produtos para o mercado e realiza uma campanha no Dia das Mães. Em 30 anos de campanha a Hering já vendeu mais de 8 milhões de camisetas e contou com a participação de mais de 400 artistas e celebridades e mais de 100 empresas parceiras, tendo arrecadado mais de R$85 milhões.

Outro evento importante é a Corrida e a Caminhada da Campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”. Neste ano de 2025 será realizada a 62ª edição, estando marcada para ocorrer em São Paulo, no domingo, dia 12 de outubro, coincidindo com o feriado de N. Sra. Aparecida e com o dia da Criança.

(Continua na próxima edição)

A dinâmica endógena da crise

Artigo publicado no Jornal AVS em 13 de agosto de 2025

A dinâmica endógena da crise

O Brasil está em meio a mais uma crise desnecessária. Certo, as crises fazem parte da vida, mas essa crise aí, feita de enfrentamento quixotesco aos Estados Unidos, é daquelas caras, tolas e estapafúrdias. Até parece masoquismo, mas o Brasil gosta tanto de uma crise que não perde oportunidade de conseguir uma depois da outra.

Na Grécia clássica os filósofos, sempre interessados em explicar os acontecimentos do mundo a partir da racionalidade, procuraram decifrar a natureza das crises. Dividiam, então, as crises em dois grupos: as crises benignas, que eles chamaram de “sinkrisis” e as malignas, que denominaram como “dekrisis”. As denominadas “síncrises” seriam aquelas que surgem esporadicamente e logo são administradas, tem suas causas são resolvidas e tendem a terminar bem. Já as “décrises”, as malignas, essa eram temidas porque podiam levar ao caos e ao rompimento da normalidade. Ao fugirem do controle podiam escalar e levar a consequências catastróficas.

Toda crise pressupõe um desarranjo funcional. Quando ocorre uma ruptura no equilíbrio das forças que atuam no interior de um organismo ou uma instituição e se rompe o equilíbrio de pesos e contrapesos que mantém o status quo, o resultado é uma “crise”. Quando os atores do organismo afetado querem evitar o caos, eventualidade que a todos prejudica, buscam entender-se e coordenar esforços para articular um rearranjo aceitável para todos. Quase sempre o resultado é que a crise venha a se dissipar e logo a normalidade recoloca a vida nos trilhos.

Entretanto, se a ruptura da normalidade se dá por provocação intencional e recíproca, a crise se complica. Quando as hostilidades são irreconciliáveis e os contendores apostam na escalada das desavenças, a crise tende a entrar numa perigosa espiral desagregadora.  Se atinge um ponto de não retorno a reconciliação se tona impossível e, não raro, descamba para a guerra aberta. E, como a corda sempre rebenta no lado mais fraco, dá para saber desde logo quem vai arcar com as consequências. Nesta crise do Brasil com os Estados Unidos, óbvio, será o povo brasileiro.  

Infelizmente não dá para esperar comedimento do presidente Lula. Esse morubixaba de plantão é criatura tosca, cujos parcos saberes não parecem incluir os filósofos clássicos. Daí se pode concluir que desconhece suas lições da história e, assim, não vê o ridículo da sua aposta no Brics e, ainda mais, na sua ilusão megalomaníaca de que vai espantar o Trump fazendo cara feia para o presidente americano.

Até a Janja há de saber que o Brics não tem “massa crítica” para enfrentar os Estados Unidos. Algo que a China e a Índia, por seu lado, sabem e muito bem, tanto que já trataram de buscar entendimentos com o presidente Trump. Enquanto isso, Lula, o ignaro, vai ficar sozinho pendurado no pincel. E nós? E o Brasil varonil? Ora, amigos, está mais que evidente que ao país vai caber pagar o pato.

Aliás, sob a ótica do Brasil, o Brics não é mais que uma fornalha incandescente jorrando crises quentes e prejuízos indecentes. Até acredito, cá entre nós, que os filósofos gregos nos olhariam comiserados. Como pode o Brasil, um país com tanto potencial e tanta gente boa, se meter numa crise tão sem pé nem cabeça?

Aos brasileiros resta esperar que Deus se lembre que também é brasileiro e ajude o país a se livrar de líderes tão medíocres e apalermados como esses que temos, chefiados por esse presidente espantalho que agora deu de usar chapéu de espantar passarinho.

O Espantalho sem cérebro

Postado no Facebook em julho de 2025 – Publicado pelo Jornal AVS – Erechim – RS em 01/08_2025

Ninguém merece ser governado por um espantalho sem cérebro. Na história de “O Mágico de Oz”, o espantalho é famoso por não ter cérebro. Ele, porém, sabe disso e sonha em um dia conseguir seu próprio cérebro para poder pensar e ter um mínimo de noção. Já o nosso espantalho não só carece de massa encefálica como não tá nem aí. Imaginem que ele, o morubixaba do Planalto, que faz e desfaz nestes trópicos cômicos, cismou que vai fazer cara feia para assustar o BIGTRUMP, o Mega Bruxo das Taxas e Tarifas que sapecou 50% de tarifa em nossas exportações. Enquanto o mundo todo pensou, repensou e resolveu que brigar com o tal Mega Bruxo cheio de Taxas e Tarifas era coisa de quem não tem cérebro nem juízo, o nosso resolveu peitar o BIGTRUMP. Botou o chapéu de assustar passarinho na cabeça e está fazendo caretas, xingando a mãe e dando bananas. É de escachar, mas das duas uma: ou falta mesmo tutano neste espantalho sem miolo, ou ele pirou e decidiu comer o milharal de que devia tomar conta!

O TITANIC DO LULA BATEU NO ICEBERG DO TRUMP

PIB do Brasil pode perder até R$ 175 bilhões com tarifa de 50% de Trump

O Lula achava que seu governo era igual ao Titanic: poderoso e inafundável. Só que deu de bater no iceberg do Trump. E agora seu governo está afundando feito tijolo, com o casco todo arregaçado e mais furado que peneira de fubá. Enquanto o povo, coitado, jogado na água, vai ter que se virar e se agarrar onde puder para sair vivo desta.

Mas eis que o bravateiro da caatinga, espalhafatoso como sempre, agora fantasiado de espantalho com aquele chapéu de assustar passarinho, quer sair no braço com o Trump. E, na maior cara dura, quer que o Brasil vá para a briga junto com ele. E se parece pouco, o morubixaba petista quer que o Brasil afunde em seu lugar. Tem cabimento uma coisa destas?

Mas, minha gente, só quem perdeu o juízo pode imaginar que uma confrontação do Brasil com os Estados Unidos tem como terminar bem. E o povo brasileiro não é bobo para cair numa arapuca suicida destas. Convenhamos, comprar a briga do Lula com o Trump significa retroceder 20 anos, jogar no lixo milhões de empregos, perder o segundo mercado das exportações brasileiras e, suprema estultícia, perder a EMBRAER e a citricultura, posto que nenhuma das duas sobreviverá com a taxa de 50%.

O Lula tem o direito de ser beócio, mas não tem o direito de afundar o Brasil. Os brasileiros que se prezam, amam seu país e se recusam a afundar com o Titanic petista certamente vão protestar de todos os modos possíveis contra as trapalhadas do Lula que nos colocaram nesta posição humilhante.

O primeiro passo é nos manifestarmos contra o que está pegando com o Trump: os BRICS e a aloprada criação de uma moeda para concorrer com o dólar. Vamos deixar claro que de bom prá trouxa tem diferença. Vamos dizer ao Trump que temos juízo e não vamos brigar com quem tem dez vezes nosso tamanho. Ainda mais quando não temos nada a ganhar e temos muito a perder. Mãos à obra! Xô Lula!

FÁBULA DA CIGARRA E DO ELEFANTE

UMA FÁBULA RIDÍCULA

Existia uma cigarra barbuda que passava a vida passeando e saracoteando, se achando muito esperta por ter conseguido engambelar o povo formiga de um país que trabalhava dia e noite para conseguir comida e, quando sobrava, pagar as contas, que vinham cada vez mais altas. Um belo dia, o elefante astuto que chefiava um país poderoso, país que a cigarra ofendia dia sim, e outro também, se cansou das futricas mal-educadas da cigarra e seus amigos gafanhotos do BRICS. O elefante, então, sapecou uma alíquota de 50% nos produtos que o país da cigarra exportava para o país poderoso. Aí a cigarra barbuda, vendo que sua malandragem ia pegar mal com as formigas que já trabalhavam cinco meses por ano só para sustentar seu governo perdulário, e que sua conversa mole não colava mais, nem usando seu chapéu de espantalho, resolveu ameaçar o elefante dizendo que ia retaliar com a tal “reciprocidade”. O elefante se enroscou na tromba de tanto rir. Certo, ele respeitava as formigas trabalhadeiras, que eram amigas de seu país, mas aquela cigarra barbuda passava da conta. Seu desplante em subir nas tamancas de sua insignificância e sair vociferando ameaças cheias de bazófia era uma coisa ridícula. O elefante, por seu lado, estava se divertindo muito, mas, pelo sim, pelo não, encheu a tromba d’água e preparou o esguicho. Se aquela cigarra barbuda passasse dos limites ia levar uma esguichada de tromba histórica. Tão potente que ela iria parar do outro lado do mundo, direto nos braços do seu querido Rasputin. E ouviria o elefante dizer: olha aqui, sua cigarra barbuda sem noção, você foi arroz de festa mundo afora, gastou milhões posando de presidente meia boca e rebolando feito porta bandeira da escola de samba do BRICS, pois se descabele agora!

A GLOBO E O MERCADO AO ALVO

As aulas magistrais de pesquisa de audiência de Himéro Icaza Sánhes – “El Brujo” – o gênio da Globo.

Caras amigas e caros amigos, neste vídeo vamos falar sobre as práticas magistrais de marketing e pesquisa de audiência criadas por Homéro Icaza Sánchez – “El Brujo” – o mago que transformou o marketing da Globo, mostrou o caminho para a emissora alcançar a liderança televisiva brasileira por seis décadas e, mais do que isso, estabeleceu os fundamentos para o invejável desempenho do Marketing Ao Alvo da Globo.

A Globo relata que foi em 1971 que Homéro Icaza Sánchez foi convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para assumir o cargo de diretor do Departamento de Análise e Pesquisas da emissora, departamento a ser especialmente criado para ele.  

Suas técnicas revolucionarias de pesquisa de opinião, assim como a aplicação de seus conceitos de sociologia, psicologia, propaganda e marketing produziram resultados simplesmente notáveis. Resultados que mudaram não só a história da rede Globo e da televisão brasileira, mas que impactaram as práticas da televisão mundial. E que deixaram ensinamentos ainda atualíssimos para todos os profissionais de comunicação e marketing que buscam inspiração no grande mestre e na excelência de suas práticas.

Então, para respaldar os ensinamentos magistrais que vamos apresentar neste vídeo, vamos começar apresentando o histórico de Homero Icasa Sánchez

Sánchez era panamenho e, em 1944, veio para o Brasil para estudar. Acabou Cônsul de seu país no Rio de Janeiro e além de diretor do Departamento de Análise e Pesquisas da Globo, foi professor da Escola de Comunicação da UFRJ e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), foi presidente da ABM Associação Brasileira de Marketing (ABM), e membro do seu Conselho Consultivo.

Em 1981 foi escolhido Homem do Ano pela Associação Brasileira de Propaganda e Destaque de Marketing na área de pesquisa pela Associação Brasileira de Marketing (ABM).

Em 2003 a Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme) o homenageou com o título de Pesquisador Emérito, em razão de seu pioneirismo na pesquisa de mercado no Brasil.

Mas antes de apresentarmos as aulas magistrais de “El Brujo” vamos relembrar as circunstâncias que cercaram sua ida para a TV Globo do Rio de Janeiro.

Roberto Marinho, o fundador da emissora, estava com sessenta anos de idade e tinha quarenta anos como empresário de mídia, sendo dono do Jornal O Globo e da rádio Globo no Rio de Janeiro quando se lançou na empreitada de criar sua emissora de TV.

A emissora foi inaugurada em 26 de abril de 1965 e, ao chegar, já encontrou o mercado do Rio congestionado. Suas concorrentes eram a TV Tupi, a TV Excelsior, a TV Continental e a TV Rio.

Como bom empresário, Roberto Marinho tomou todos os cuidados para fazer tudo bem pensado e bem planejado com o propósito de acertar.  

Afinal, como diria o notório Conselheiro Acácio, acertar é tão importante que se você não acerta, você erra!

Só que, não obstante todas as cautelas, os primeiros oito meses da TV Globo foram um completo desastre.

Apesar das grandes expectativas de seu fundador que, segundo o Boni, empenhou suas casas e até suas calças para tocar a Globo, a emissora começou batendo cabeça.

A TV Globo, | além de recém-chegada e dando traço de audiência, desde logo começou a sofrer forte pancadaria dos concorrentes. A maré anti-globo estava tão forte que até o Governador carioca da época, Carlos Lacerda, fez um enorme escândalo acusando a emissora de ligações financeiras problemáticas com os norte-americanos do grupo TIME-LIFE.

A melhor evidência do entrevero em que a TV Globo estava metida é que apenas 10 meses depois de inaugurada a emissora se viu compelida a publicar nos jornais O Globo, no Rio de Janeiro, e no jornal O Estado de S. Paulo, em São Paulo, um extenso “Esclarecimento à Opinião Pública”.

No Esclarecimento a Globo explicava sua relação contratual com o Grupo norte-americano TIME-LIFE | a principal razão para os ataques que sofria e a causa da rumorosa CPI convocada pelo congresso.  

Nos jornais a GLOBO assegurava que a empresa era 100% brasileira e Roberto Marinho dizia que seu grande patrimônio eram os quarenta anos à frente da rádio e do Jornal O Globo.

No texto dos jornais a Globo mostrava o real motivo da campanha contra ela:

“A razão principal dessa nova campanha pode ser encontrada por quem se dirigir ao IBOPE: é que a TV GLOBO, sendo a mais nova televisão da Guanabara, JÁ CONQUISTOU O PIMEIRO LUGAR EM AUDIÊNCIA. Pelo mesmo IBOPE se verifica que a estação de televisão do denunciante se encontra em PENÚLTIMO LUGAR.”

No caso, o denunciante era o deputado federal João Calmon, figura caricata que era o dirigente máximo dos Diários Associados e a tal TV em penúltimo lugar era a já falecida TV Tupi.

Mas o importante é saber como se deu a virada de mesa. Como a Globo pulou do último lugar para a liderança na audiência em poucos meses?  

Bem, Roberto Marinho, vendo que a TV Globo fazia água por todos os lados concluiu que as coisas descambavam porque seus diretores não entendiam patavina de televisão posto que vinham do jornal e da rádio. Daí que resolveu que precisava de uma cabeça que entendesse o mundo televisivo. Um mundo novo, feito de imagens, movimento e emoções e bem diferente do mundo modorrento do jornal e do rádio.

Por isso chamou Walter Clark, então um jovem na faixa dos 30 anos e que vinha fazendo um belo trabalho como diretor da concorrente TV-Rio, e entregou a ele a direção geral da TV Globo.

A mudança foi instantânea.

O jovem diretor chegou sabendo que, para a TV Globo sobreviver, precisava de público. Muito público!

Para o jornal e o rádio veículos que viviam isolados em torres de marfim, o público era quase uma abstração, mas para a TV daquele tempo, numa época e em que os melhores programas eram apresentados ao vivo, o público fazia parte do espetáculo.

A TV ainda não tinha os recursos de hoje | e o auditório era necessário para criar um bom produto televisivo, já que o televisor funcionava como um prolongamento do auditório na sala das famílias.

Na década de 1960 poucas casas possuíam televisores e quem possuía um destes preciosos aparelhos de TV costumava reunir a família para assistir televisão. Vinham todos, pais, filhos, avós, tios, primos, genros, cunhados, colegas, quando não vizinhos e amigos para assistirem em conjunto. Assim multiplicavam-se os auditórios domiciliares pela cidade e todos se somavam para formar mega-auditório que abrangia o grande público.

Os efeitos desse fenômeno foram decifrados pela nova direção da Globo

  1. – Efeito um – A multiplicação de milhares destes auditórios domésticos cidade afora criava uma onda de confluência para o canal que tivesse o programa dominante no horário.

É fácil de entender o motivo. Dado que só havia um televisor na casa | todas as pessoas ali presentes teriam que assistir ao mesmo programa. E como a maioria costumava decidir pelo programa líder de audiência, o segundo colocado não tinha a menor chance.

  • – Efeito dois – As condições para um programa obter a preferência dos auditórios domésticos eram, basicamente, duas

 1)- Oferecer programas de auditório com entretenimento interativo e variado, com atrações capazes de agradar aos diversos tipos de publico para obter a sua preferência e

2)- evitar temas desagradáveis, polêmicos ou controversos que causassem rejeição e afastassem audiência.

Para atender a estes requisitos a melhor fórmula disponível eram os programas de auditório do tipo show de variedades.

O ideal, obviamente, era ter programas que lotassem o auditório, já que auditório vazio ou mesmo só pela metade acabava ficando com cara de Quarta-Feira de Cinzas. E isto era ruim para a audiência e para o faturamento.

De modo que a prioridade na TV Globo de Walter Clark passou a ser atrair público de multidão. Público de formar filas e, se possível, de entupir ruas.

E isso queria dizer conquistar o público feminino, posto que os auditórios eram massivamente formados pelas célebres “colegas de trabalho” | segundo a charmosa definição do Silvio Santos.

Os auditórios das TVs da época eram povoados por garotas, jovens e mulheres predominantemente das classes C e D, uma vez que madames da classe A e B não só não iam a auditório algum como até preferiam mudar seu trajeto para passar longe de auditórios.

Seguindo o script, logo no início de 1966 | estreia na Globo o Dercy Espetacular. O programa era apresentado ao vivo pela ex-vedete de chanchadas e do teatro de revista Dercy Gonçalves e ia ao ar na tardinha dos domingos, às 19 horas.

A apresentadora, um furacão de atividade que chegou a fumar quatro maços de cigarro por dia e, ainda assim, conseguiu viver até os 101 anos, era carismática, popularesca e desbocada. Dercy era tão respeitada por sua garra de guerreira como famosa por seus escândalos despudorados e, de tudo o que o programa Dercy Espetacular tinha de mais espetacular o destaque era seu colossal besteirol. O programa era um festival de boca suja embrulhado em baixaria da fazer marinheiro ficar corado, mas o auditório era uma algazarra só, a periferia adorava, não perdia programa e a audiência explodia. O esquema deu tão certo que, logo, na mesma linha do besteirol Global, chegou o Chacrinha com sua buzina irreverente para apresentar dois programas semanais.

Nesta época também começou a aparecer na Globo o sorriso mais famoso do Brasil, a marca registrada do campeão de audiência Silvio Santos.

Então, não mais que de repente, a nova programação começa a dar certo, a audiência sobe no telhado e a TV Globo assume a liderança no Rio de Janeiro.

Vem 1967 e a TV Globo continua liderando e a audiência continua crescendo, mas Walter Clark, mesmo sendo jovem, é experiente e bem avisado. Ele sabe o perigo de um sucesso com pés de barro. O mesmo programa que encanta um dia pode derreter feito manteiga um dia depois. O público pode cansar do estilo, desgostar do apresentador, cansar das repetições, mudar de gosto ou de preferência. É a fadiga do público.

O fato é que a programação da Globo estava dependente demais do humor apelativo da Dercy, dos arremessos de bacalhau do Chacrinha, que perguntava ao distinto público “Quem quer bacalhau?” antes jogar nacos do peixe sobre a plateia, e dos arremessos de dinheiro do Silvio Santos, que perguntava “Quem quer dinheiro?” E jogava aviãozinhos de dinheiro para alvoraço de suas ditas “colegas de trabalho”, além de outros programas popularescos que destoavam da nobre sobriedade do jornal e da rádio Globo.

Certo, a televisão precisava sobreviver, era um veículo novo, caro e complexo, que vinha com força disruptiva e, por isso, as pessoas aceitavam que tomasse certas liberdades até por conta da novidade que a televisão representava.

Nesse tempo, o especialista em comunicação, Marshall McLuhan, observando um fenômeno mundial que aflorava, tinha acabado de publicar seu livro “Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem”. O ponto alto do Livro foi a expressão “O Meio é a Mensagem”.

A frase “O Meio é a Mensagem” queria dizer exatamente isto: cada tipo de veículo ou meio de comunicação tem sua linguagem própria, peculiar e diferente. Livros, revistas, jornais, rádios, teatro e cinema, mal ou bem, já tinham encontrado sua linguagem, mas a televisão ainda não. Tratava-se de uma criatura recém-chegada, mais complexa e abrangente, que misturava elementos de todos os outros meios de comunicação, mas era substancialmente diferente e, por estar em seus primórdios, ainda tateava no escuro.  

Walter Clark concordava com a expressão e, assim, não tinha ilusões. Intuitivamente sabia que a Globo era um meio que precisava encontrar sua linguagem. E rápido. Sabia que seus programas apelativos estavam tracionando a audiência, mas não eram solução de longo prazo. A Globo precisava de um banho de loja.

Ele trouxe, então | o José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que estava na TV TUPI e ambos começaram a trabalhar para estabelecer um padrão Globo de qualidade.

A dupla, que logo ficou conhecida como Boni e Clark, estava alinhada com as agências de ponta da publicidade brasileira, reconhecidamente uma das mais criativas do mundo, e acreditava que a melhor qualidade de conteúdo atrairia audiência mais bem qualificada, geraria mais receita publicitária e permitiria investir ainda mais e criar um círculo virtuoso de qualidade que se manteria saudável e autossustentável por muito tempo.

Começam a chegar profissionais diferenciados e a constelação da Globo logo passou a incluir Ulisses Arce, Daniel Filho, Armando Nogueira, João Carlos Magaldi, Augusto Vanucci, Walter Avancini, Janete Clair, Dias Gomes e outros mais.

Em 1969 chega Regina Duarte, a namoradinha do Brasil, para atuar na novela Véu de Noiva. Ela topou vir para a Globo porque seu salário na TV-Excelsior estava atrasado e ela, recém-casada, estava devendo até as prestações dos móveis, da geladeira e do fogão.

Boni, paulista de Osasco, sabia que para penetrar no mercado de São Paulo era preciso ter paulistas no elenco. Assim, além da Regina Duarte, vieram Francisco Cuoco, Lima Duarte e Sérgio Cardoso.

Em outro lance de mestre Boni contratou Tarcísio e Glória Menezes, o que aconteceu num jantar em uma cantina paulista ao lado do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia.

Enquanto a Globo requalificava a produção de conteúdo, em outro front a dupla Boni e Clark tratava de dar dimensão nacional para sua programação. A primeira emissora conquistada para a formação de uma rede foi a TV Integração, do Triângulo Mineiro. Depois veio TV Gaúcha, hoje RBS.

Começa 1971 com a Globo evoluindo bem em todas as frentes, mas a dupla Boni e Clark reconhecia que grande parte dos resultados vinham da intuição de ambos, eram fruto de tentativa e erro e pareciam fluídos demais para se sustentarem no longo prazo. E era preciso mudar isso logo. Era preciso um método para navegar na opinião pública, já que eles se deparavam com aquela verdade inarredável desde a Grécia de Sêneca: “Quem não sabe para onde ir não chegará lá com certeza!”.

Então, em uma noite de 1971, o Boni convidou Homero Icaza Sánches para jantar no badalado restaurante Antônio’s, no Rio de Janeiro e o convidou para dirigir as pesquisas da Globo. O poeta, ex-Consul do Panamá e mago das pesquisas aceitou.

A Globo tinha encontrado sua bússola.

Daí para a frente a Globo nunca mais foi a mesma e o que se viu foi uma transformação que assombrou o Brasil e mesmerizou o mercado.

Neste vídeo vamos apresentar cinco lições magistrais legadas por Homero Icaza Sánches:

  1. A descoberta da diversidade do público e o mapeamento das 36 classes sociais do Brasil;
  2. A inercia da audiência cativa como âncora para manter a liderança televisiva;
  3. Os grupos de discussão como instrumentos de avaliação qualitativa das novelas e de seus personagens;
  4. A confirmação de que a televisão, assim como os rádios, jornais e revistas, não muda o voto do eleitor quando já cristalizado, como afirma a teoria de Lazarsfeld;
  5. O perigo dos “Luas Pretas” e sua crença de que a teoria é mais importante do que a realidade;

A principal fonte destas lições foi a entrevista antológica que El Brujo concedeu para a Revista Playboy em maio de 1983. |

Na ocasião Homero Icasa Sánches, já consagrado urbi et orbi, estava temporariamente desligado da emissora, em meio a uma controvérsia política, e na entrevista concedida ao jornalista Vitu do Carmo falou sobre os 12 anos que havia liderado as pesquisas da Globo e revelou seus preciosos segredos, mostrando os caminhos que levaram a Globo para a hegemonia da audiência nacional. A entrevista tomou 17 horas de depoimentos e foi publicada ao longo de 11 páginas.

Vamos começar com a primeira de suas lições magistrais. Nela El Brujo fala para a Plauboy sobre a descoberta da diversidade do público e como fazer o mapeamento das 36 classes sociais do Brasil.

Pergunta da Playboy:

Sua capacidade de planejar e analisar pesquisas é comentada com grande admiração, quase reverência. Segundo consta, você chegou a um refinamento desconhecido até dos norte-americanos. Como foi que evoluíram os seus métodos de análise de pesquisa?

Resposta de El Brujo:

A princípio acompanhávamos a audiência da televisão por classes socioeconômicas. | Um dia comecei a me questionar. Eu estava trabalhando com o comportamento determinado pelo dinheiro que a pessoa tinha e não por sua formação cultural.

O levantamento dizia até onde ela podia gastar mas não me dizia os motivos pessoais, culturais, que a levavam a agir assim.

Uma pessoa, mesmo ganhando pouco, pode comprar manteiga porque não gosta de margarina. Compra pouco, mas faz questão de comprar manteiga porque seu refinamento exige isso. Outra prefere economizar um pouco em cada coisa para comprar um livro, um disco, uma gravura.

Então juntamos o levantamento socioeconômico com o levantamento sociocultural para descobrir o gosto das classes sociais.

Revista Playboy:

Como é feita essa consolidação?

El Brujo pega uma folha de papel para responder:  

Na linha horizontal do gráfico, do ponto de vista socioeconômico, temos 6 classes A, | B1, | B2, | B3, | C e | D.

O mesmo universo também pode ser dividido em 6 classes do ponto de vista cultural A, | B1, | B2, | B3, | C e | D.

Então há um sujeito que ao mesmo tempo é milionário e tem uma cultura maravilhosa, de modo que ele é A | A , certo?

Mas posso ter também um indivíduo que é milionário, só que é bicheiro e come com as mãos. Não tem cultura nenhuma. Este é um A | D.  

Começando com A | A e terminando com D | D vou ter 36 tipos cultural e economicamente definidos e esse é o segredo da audiência para a TV Globo.

Revista PlayBoy:

Só no Brasil se faz isso?

Resposta de El Brujo:

Isso é exclusivamente nosso. Os Americanos tentaram algo, mas não é a mesma coisa.

Playboy:

Qual a diferença?

El Brujo:

Eles não fazem o levantamento socioeconômico, por isso a base socioeconômica de suas pesquisas pode ser muito elástica.

Nós não. Se sabemos que temos 3% de classe econômica | A | na população, | na nossa pesquisa vamos entrevistar somente 3% da classe | A | para saber como a população se comporta culturalmente.

Playboy: |

Suas pesquisas na Globo, portanto, iam muito além de medir audiência. O que elas revelavam?

El Brujo:

Veja, mesmo o primeiro grande levantamento socioeconômico que fizemos em 1972 ou 73, foi uma maravilha. Foi feito nas cinco praças onde a Globo tinha estações na época: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife. Eu queria saber o que o morador desses lugares comia, como se vestia, como gastava seu dinheiro, quanto sobrava. Foi a coisa mais bonita que já planejei e ajudei a fazer.

Um desses levantamentos apresentou uma surpresa: o secador de cabelo aparecia num dos primeiros lugares na intenção de compra de eletrodomésticos. E aí se descobriu a causa: é que os rapazes estavam usando o secador da mãe ou da irmã porque já usavam o cabelo mais arrumado.

Pergunta da Playboy:

De que modo a Globo aproveitava isso?

Resposta de El Brujo:

Essas pesquisas nos traziam subsídios valiosíssimos para avaliarmos melhor a programação. Porque passávamos a conhecer melhor o brasileiro.

O telespectador não é uma projeção do aparelho de TV. A televisão precisa conhecê-lo como ser humano. Dispondo desses dados, a partir de determinado momento, passamos a estudar a programação antes dela ir para o ar.

Eu recebia às sinopses das novelas e analisava a adequação de seu conteúdo ao telespectador. Elas deviam atender as expectativas de cada uma das classes sociais que compunham a audiência.

Pelas sinopses você pode apontar falhas no comportamento das personagens. Eu podia dizer: esta personagem é classe B2 ou B3, porque tem apartamento alugado e tem carro, mas não está agindo de acordo com sua classe. A personagem está errada!

Ou então, este indivíduo é classe C E, mas não quer estudar, não quer subir na vida. Isto não é possível.

Pergunta da Playboy:

Como os autores reagiam quando as sinopses eram devolvidas com essas ressalvas?

El Brujo:

A essa altura os capítulos ainda não estavam escritos, mas nós não dizíamos como ele deveria escrever. Só mostrávamos a coerência ou não das personagens. Além disso, os autores não tinham nenhum contato direto com a divisão. Agora, eles adoravam a divisão, que era uma bússola e que dava o mapa da mina.

Podiam dizer que discordavam, mas o resultado eram os pontinhos na audiência.

Concluindo a primeira aula das práticas de El Brujo vimos que o conhecimento da diversidade do público e o mapeamento por classes sociais da audiência televisiva do Brasil permitiram à Globo um ajuste fino de sua programação e ir ao encontro do que seu público desejava. Esse o grande segredo da sua liderança por seis décadas

Vamos para a segunda lição

  • A segunda aula magistral mostra a importância da inércia na aquisição e manutenção da audiência como âncora para manter a liderança televisiva. Esse fenômeno pode ser observado em outras áreas do mercado onde o prestígio de uma marca cria fidelidade e preferência inercial.

Vamos voltar à entrevista:

Playboy:

As novelas da Globo continuarão imbatíveis por muito tempo?

El Brujo:

No dia em que outra televisão der uma opção ao telespectador essa concorrente ainda terá que esperar 3 anos para empatar com a Globo e começar a arranhar suas estruturas de novela.

Se você tirar o Boni da Globo e botar numa concorrente a Globo continuará líder de audiência no horário nobre das novelas por mais 3 anos.

Playboy:

Se uma concorrente quiser inverter esta situação mais rapidamente, quantos homens precisará tirar da Globo?

El Brujo: 

Vinte homens. Vinte homens da área do Boni, que é responsável pelo “produto”, aquilo que vai para o ar.

Playboy:

Mesmo com os vinte 20 homens?

 El Brujo:

Meu filho, para conquistar audiência demora muito, é preciso formar um hábito. A dificuldade para o telespectador perder o hábito é na mesma proporção.

O sujeito está acostumado com o aparelho dele ligado na Globo. Quando o aparelho pifa vem o técnico, abre, tira uma pastilha boa que faz pegar outro canal e bota para pegar a Globo. Ele diz “olha, para não ter que comprar uma peça nova eu fiz isso só que não vai pegar bem o outro canal” e o dono do aparelho: Ah!, tudo bem, eu não vejo outro canal!

Playboy:

Quando um artista sai da Globo e vai para outra emissora, deve sentir muita diferença.

El Brujo:

O Chacrinha quando se mudou para a Bandeirantes foi um desastre. Chegou a dar 4% de audiência.

Plaboy:

na Globo dava quanto?

El Brujo: Uma vez fez um especial que deu 70%!

O que aprendemos nesta aula é que agir de forma estudada e, depois de tomar a ação, devemos dar tempo para o mercado agir, sem tomar medidas açodadas. Sobre o imediatismo Homéro acrescentou: A Tv Tupi criava um programa novo, com bom conteúdo, original, eu via e dizia: “Vai pegar” Só que ele entrava no lugar de outro que estava dando, digamos, 8%. De audiência. Esses 8% eram o resíduo final e o pessoal que via esse programa no começo, ficava “contra” o novo. Esse dava, então, 6% na primeira semana. Na segunda dava 5, depois 4 e podia chegar a 3, mas depois começaria a subir. As pessoas começariam a dizer : “tem um novo programa, sabe?”  O outro Não sabia e não vi, mas vou ver na próxima semana. Acontece que, quando chegava na quinta semana a Tupi cortava o programa.

E a Tupi fazia o que o Dr. Roberto Marinho teria gostado que ela fizesse: cortava um programa que poderia crescer.  

A Lição magistral número três revela a importância dos grupos de discussão como instrumentos de avaliação qualitativa das novelas e de outros programas da Globo.

Para direcionar as novelas, El Brujo adotou a sistemática dos grupos de discussão. Essa dinâmica de discussão em grupo já era usada em Marketing, mas Homero inovou ao usá-los para avaliar os roteiros e as linhas gerais das novelas, e ainda criou um tipo de “comitê” de personagens, grupos focados que obtinham contribuições do público para ajudar os autores a construir personagens carismáticos e polêmicos, tipos que obtinham identificação e alavancavam o sucesso das novelas.

Mas os grupos de discussão também eram usados para pesquisar outros aspectos da programação.

Washington Novaes, que foi editor da Globo Repórter, contou no jornal o Estado de São Paulo que, quando o governo Geisel afrouxou a censura, o programa Globo Repórter passou a tratar de questões sociais brasileiras como bóias-frias, mortalidade infantil e outras, e, para surpresa geral, a audiência começou a diminuir e caiu abaixo dos 50 pontos do IBOPE, enquanto subia a audiência do programa do Chacrinha, que era o concorrente direto do horário. Ele pediu uma pesquisa ao Homero e esse, depois de pesquisas e sessões de grupos de discussão, foi claro: o público das classes A e B, de maior renda e instrução, considerava desagradável que a TV lhe levasse temas tão incômodos bem na hora do jantar.  Já o público das classes C e D dizia que, se o programa era para mostrar pobreza, não precisava porque ele via pobreza todo dia. E se o programa não trouxesse propostas concretas de mudança. preferia mesmo ver o Chacrinha.

Na entrevista da Playboy o repórter Vitú do Carmo pergunta:

Como é que funciona o famoso “grupo de discussão”? Segundo consta tem uma influência enorme nas novelas.

Homero, então, passa a palavra para a Mirian, sua esposa e seu braço direito na Globo.

Resposta da Mirian:

Esse trabalho foi feito pela primeira vez pelo Homero. Ele sentiu a necessidade de um trabalho que fizesse uma avaliação qualitativa da novela durante sua apresentação. Do grupo de discussão das novelas participam 12 mulheres selecionadas de acordo com a composição da audiência. São, portanto das mais diferentes classes socioeconômicas e idades. Elas são reunidas numa sala branca fechada, livre de qualquer interferência. A reunião é gravada em áudio, em VT e taquigrafada.

Playboy: Você dirige a reunião?

Mirian: Eu modero, porque se não acaba virando fofoca, divagação, conversas paralelas. Elas levam, em média, meia hora para se descontrair e depois começam a falar e a se pegar.

A mulher de um almirante, por exemplo, diz que a novela é imoral porque mostra certas coisas. A outra diz que não, porque eu estou cansada de ver isso e tem mais é que botar na TV para ensinar.

Playboy: Essa mulher mais liberal é de que classe?

É da classe “C”

Playboy: Como é encaminhada a discussão?

Mirian – Primeiro as mulheres dizem como estão vendo a novela e qual a opinião delas: positiva, negativa ou neutra. Essa parte é o julgamento da novela. Depois você entra na discussão das personagens de que gostam ou não. Depois entra nos núcleos, nas histórias paralelas. Uma história paralela, às vezes, pode crescer muito como foi o caso do Mário Fofoca.

Esse não é um caso típico de mérito do autor, é uma questão também de empatia, do texto, do autor e do horário. O horário das 7 é o das novelas divertidas e Mário Fofoca era muito divertido. Então, no momento em que o autor percebe que Mário Fofoca tem uma força ascendente ele faz o personagem crescer.

Playboy: na novela Baila Comigo o personagem interpretado por Fernando Torres devia morrer num acidente, mas houve uma identificação tão grande do público com ele que o autor o fez sobreviver. Isso é comum?

Nesse caso havia uma relação muito apreciada entre ele e o filho adotivo. Uma relação interessante, bonita, forte. Se você mata uma personagem assim você decepciona 80% da audiência.

Playboy: Na novela Brilhante a personagem Leonor não teria as características para uma grande identificação com o publico das novelas? Ela era atípica moça pobre querendo subir…

Mirian: Mas ela não era honesta! E isto o público não perdoa.

Playboy: O que mais é analisado pelo grupo?

Mirian: Até elementos como abertura, trilha musical, roupa, cabelo, adequação do cenário. Em Sol de Verão as pessoas achavam pouco verossímil que houvesse um casarão holandês, uma oficina, um terreno que pudesse virar pracinha em pleno bairro de Ipanema do Rio de Janeiro.

Playboy: Situações inverossímeis levam a perda de audiência?

Mrian: Sim, levam.

Playboy: O público não aceita?

Homero: O público sabe mais de novela que o autor, o diretor e os atores juntos. Na novela Plumas e Pates duas moças vem de Minas num carro, sofrem um acidente uma morre a outra pega seus documentos e assume sua identidade. Tudo bem, mas ela chega no Rio passou um mês, a família não lhe telefona nem lhe manda uma carta. As mulheres dizem “Então esta moça não é de Minas”. Imediatamente o autor faz a personagem receber uma carta da família.

Playboy: todas essas informações certamente são muito valiosas para um homem de pesquisas. Nesse sentido, Homero, qual seria o seu saldo depois de 12 anos na Globo?

Homero: Eu saio com o maior banco de informações de pesquisa do mundo. O IBGE não sabe mais do Brasil do que eu.

Playboy – Verdade?

Ao responder a essa pergunta Homero nos dá sua quarta aula magistral: suas pesquisas o levaram a conclusão de que a televisão, assim como os rádios, jornais e revistas, não muda o voto do eleitor quando já cristalizado, como afirma a teoria de Lazarsfeld.

Vejamos a explicação de Homero na Playboy:

 A última pesquisa política que eu fiz vale 20 milhões de dólares. Eu devia pagar à TV Globo 20 milhões de dólares de indenização por ter me deixado fazer. Hoje vou a qualquer Congresso mundial sobre pesquisa política e digo assim: “estamos todos errados. Lazarsfeld estava certo. Propaganda da televisão não muda comportamento político. E vou provar que não muda. Isso vale 20 milhões de dólares agora, vai valer 30 40, 50, 100 quando você quiser. Isso vale mais do que qualquer ordenado.

A teoria de que os meios de comunicação não modificam o voto já havia sido provada pelo sociólogo austríaco Lazarsfeld, | que foi tão importante para a pesquisa de opinião como Einstein para a física.

Ele sabia que os meios de comunicação costumavam tomar partido nas eleições e quis descobrir que influência isso tinha. Então fez uma pesquisa durante um ano no Condado de Eire (Era), nos Estados Unidos, e constatou que não havia influência. Isso foi em 1944.

Playboy – O que há de novo então em sua tese?

 Homero: – O trabalho de Lazarsfeld referia-se apenas ao rádio, jornais e revistas. Com o advento da televisão surgiu a teoria de que ela modificava o comportamento do eleitor.

Isso passou a ser aceito pacificamente nos últimos anos, mas uma dúvida sempre me torturou: se tivesse estudado a televisão Lazarsfeld teria modificado seu Livro?

 No ano passado houve no Rio o Congresso da International Association of Political Consultants, que reúne os pesquisadores mais importantes do mundo. Estavam lá o americano que fez a campanha do Kennedy, o francês que fez a do Moterrand, o alemão que fez a do Helmuth Schmidt. Cada um apresentou um trabalho sobre uma campanha política que tinha feito e eu, que era o moderador, perguntei se achavam que a televisão mudava o comportamento do eleitor. Disseram “muda”. Perguntei se achavam que Lazarsfeld escreveria hoje um livro diferente. “Achamos”, foi a resposta. Mas eu achava que não. E trabalhei neste apartamento durante 30 dias, à noite, com essa menina aí, para descobrir onde estava o furo.

Playboy: Você e a Mirian?

Homero – É. O ibope propôs a Globo um projeto de pesquisa em oito estados, que representavam 80% do eleitorado do Brasil.

 A pesquisa teria quatro rodadas: a sessenta, a trinta e a quinze dias da eleição e uma última no próprio dia da eleição, que seria o prognóstico eleitoral.

Nos anos anteriores eu sempre comprava o prognóstico, mas desta vez compraria o projeto inteiro para descobrir o comportamento do eleitor.

Playboy – E havia mesmo um furo?

Homero: sim e consistia no fato de que esse tipo de pesquisa sempre fazia a seguinte pergunta: se a eleição fosse hoje em quem você votaria? O sujeito respondia e o resultado era divulgado.

Mas isso não significava que ele votaria no candidato que indicou. Podia ser apenas um “voto de simpatia momentânea”. Era o voto daqueles que escolheriam hoje a Sandra Cavalcanti, amanhã o Miro Teixeira, depois o Brizola, depois o Moreira Franco. Tinha que haver, por isso, uma outra pergunta antes daquela: Você já tem candidato? Quem é? Inclui, então essa pergunta que Lazarsfeld também fazia em sua pesquisa de 1944.

Os que respondiam afirmativamente, isto é, os que já tinham candidato, não iriam mais mudar, de acordo com a teoria de Lazarsfeld. Era o voto “cristalizado”.

Então eu tinha dois resultados distintos para analisar.

Playboy – Em outros países não são feitas as duas perguntas e as posições dos dois grupos, o dos votos cristalizados e o dos indecisos, aparecem misturadas?

Homero –  É o que tem acontecido, levando inclusive a erros de previsão. Aconteceu com o Miterrand, na França. As pesquisas diziam que ele não ganhava e ele ganhou.

Payboy – Ou seja, o que favorecia Giscard nas previsões não era o “voto cristalizado”, mas o da “simpatia momentânea”, que depois mudaria a favor de Miterrand.

Homero – mudaria. O número de votos cristalizados, logicamente, vai aumentando a medida que as eleições se aproximam, mas o importante que se constatou agora foi que, uma vez que o eleitor tenha seu candidato escolhido, a influência da televisão – assim como do rádio, do jornal e da revista, – é mínima. Ao contrário, ela o leva a se afirmar em sua escolha. A modificação do comportamento eleitoral só acontece àqueles que ainda não tem candidato.

Playboy – Mas não haveria uma influência da televisão nessa mudança?

Homero: – Há uma teoria de comunicação que diz que a melhor forma de convencimento é apresentar o pró e o contra ao mesmo tempo.

Se você coloca só o seu ponto de vista – e esse é o erro dos políticos em geral – o sujeito se sente agredido, enganado e não aceita. Se você mostra as duas ideias, ele tem dois polos para optar. Eu, descobri, então, que o debate era o segredo da televisão. Que o debate na televisão – não pela televisão, mas pelo debate em si, – poderia modificar o voto, mas apenas o voto não cristalizado. E a essa altura, 90 dias antes da eleição 52% do eleitorado estavam nessa situação, sem candidato definido.

Playboy – a Globo promoveria depois um debate com os 5 candidatos a governador. Qual foi o resultado?

Homero – Na pesquisa que eu pedi apareciam coisas assim: Quem ganhou o debate foi o Brizola mas eu vou votar no Miro”. Esse era o voto cristalizado. Mas os outros, os que não tinham voto cristalizado, é que iam dar a tendência dos 52% ainda sem candidato e (nesta pesquisa) dava Brizola. Na pesquisa de votos cristalizados, realizada em setembro, Miro tinha 17% dos eleitores, Sandra tinha 13%, Moreira Franco 11% e Brizola 10%, mas comparando essa pesquisa com a do mês anterior Brizola tinha um crescimento fantástico e, projetando-se isso em função dos eleitores não definidos, ele ganharia.

O Brizola veio à minha casa e eu disse a ele, que estava sentado aí: Você é o governador do estado.

Playboy – Como você podia ter certeza?

Homero – Porque eu tinha feito um levantamento por profissões e o Brizola crescia na indústria, na prestação dos serviços, nos inativos, nos estudantes, no comércio, no transporte. A Sandra só ganhava na agricultura que representava apenas 2,3% do eleitorado.

Playboy – Qual é a importância disso?

Homero – É uma descoberta de um senhor muito sério chamado Max Weber, o maior sociólogo do século. A profissão tem grande influência no comportamento político do indivíduo. Você vota com sua classe. É difícil o empregado votar com o patrão.

Playboy – Exemplificando…

Homero – Exemplificando, você verifica que, numa eleição | os médicos estão votando majoritariamente em determinado candidato. Há poucos médicos com votos já cristalizados. Mas você sabe que a grande quantidade dos médicos com votos (ainda) por cristalizar escolherá o mesmo candidato.

É simples assim…

– E agora, finalmente vamos à quinta aula magistral de Homero Icaza Sánches: O perigo dos “luas pretas” e sua crença de que a teoria é mais importante do que a realidade;

O extraordinário sucesso de El Brujo se deve tanto à sua capacidade técnica aplicada ao processo de coleta das informações como a sua capacidade para interpretar os dados, de olhar para a pesquisa, entender seu lado humano e de penetrar nos números com olhar de Raio X para decifrar seus significados mais obscuros. Ele explicava, “quando você faz análise de pesquisa, tenta conhecer a alma do homem e não o número”.

Um dos traços mais importantes do talento de Homero era sua empatia com o povo brasileiro. Essa empatia transparecia em suas análises e na sua visão generosa da alma brasileira. Talvez sua sensibilidade estivesse sempre tão em sintonia com a audiência brasileira porque ele, embora panamenho de origem, era tão “miscigenado” como nosso povo. Seu sobrenome, Sánchez, foi herdado do seu avô chinês, que, para se casar, teve de se batizar e adotar o sobrenome de seu padrinho.  Seu bisavô era alemão, sua avó materna era peruana e seu pai era espanhol.

E, depois, Homero, antes de ser pesquisador e sociólogo, era poeta e se inspirava em Manuel Bandeira, o poeta que versejava sobre ir-se embora pra Pasárgada.

Por tudo isso, Homero acreditava que o fenômeno humano era a base do marketing. Acreditava que a pesquisa devia penetrar no amago das pessoas e no espírito da sociedade, iluminar os sentimentos e aspirações, tanto individuais como coletivas, para capturar os vetores que se condensavam como tendências. Seu foco era garimpar informações verdadeiras e não se limitar aos resultados aparentes. E para ir fundo e obter resultados precisava, frequentemente, quebrar paradigmas, ser disruptivo e contradizer conceitos e crenças enraizadas na estrutura de poder. O que, é claro, nem sempre agradava alguns poderosos da Globo, um grupo que não gostava de seus métodos e que ele, na entrevista, chamava de “Luas Pretas”.

Pergunta da Playboy:

O que é um “Lua Preta”?

Homero – É um sujeito que considera a teoria mais importante que a realidade, a doutrina mais importante que o fenômeno e que pensa que pode modificar o fenômeno em função da doutrina ou da teoria. O Lua Preta é um indivíduo acatado pelos títulos que tem. Ele pode fazer seu bacharelado aqui, mas sempre tem um mestrado, um doutorado fora, que é para assustar os índios.

Ora, o Marketing é uma disciplina que combina ciência e arte, que respira inovação e empatia, que vive do fenômeno humano. Neste sentido o Marketing é a coisa mais anti-teoria que existe, porque ele muda a teoria o tempo todo.

A conclusão é que, para a mágica de El Brujo ter dado certo na Globo foi preciso unir o conhecimento do público que vinha das pesquisas e análises de Homero com sua aplicação na arquitetura de programação da emissora.

Foi preciso que o Boni acreditasse em seu talento, lhe abrisse as portas e o apoiasse nos momentos decisivos, especialmente nas incontáveis refregas que El Brujo teve com os Luas Pretas. El Brujo foi a bússola da Globo. Ele dava o norte, apontava o caminho, mas reconhecia que não tinha a autoridade para fazer. O Boni, que dirigia a produção, tinha a autoridade e foi o timoneiro que lhe deu respaldo.

Boni foi o executivo visionário que apoiou El Brujo até que seus acertos se convertessem em resultados e a evidência se impusesse por si mesma.

E aí está a Rede Globo, merecidamente festejando 60 anos de liderança inconteste, uma evidência de que a emissora se mantém no rumo do sucesso e continua, como nos tempos pioneiros de El Brujo e do Boni, buscando a excelência e acertando em seu Marketing ao Alvo.

A era do talento

Artigo publicado pelo Jornal AVS el 20 de junho de 2025

A era do talento para sobreviver

Vivemos em tempos tumultuosos e incertos. Mas tenho cá minhas dúvidas se já houve tempo em que a humanidade viveu em pacífico sossego. No Jardim do Eden, segundo conta a Bíblia, andava tudo sossegado até aparecer uma serpente malévola e botar o sossego a perder.

A história do “homo sapiens” é uma história de disputas e conflitos sem fim. Alguns tempos foram mais pacíficos que outros, concordo, mas, como diz, melancólico, o índio do poeta: “a vida é luta renhida e viver é lutar”.

Com a chegada da Inteligência Artificial muita gente pensou com seus botões (eventualmente, alguns pensariam com seus zípers) que a evolução da humanidade era uma conspiração em favor da indolência. Desde o advento das máquinas o trabalho físico repetitivo vem desaparecendo. Até na agricultura foi uma metamorfose. Hoje o trabalho de arar e plantar é feito com ajuda da IA, em máquinas parrudas, em cabines com ar-condicionado e ouvindo música ao gosto do freguês. Pode ser sertaneja, ou os Monarcas, ou, até, no caso de alguns raros refinados, madrigais renascentistas. De modo que agora, que inventaram a máquina de pensar, seria chegada a ora de dispensar o árduo trabalho de esquentar a cabeça. A Inteligência Artificial, os computadores e os robots se encarregariam de pensar e prover o cotidiano e aos humanos caberia viver o sonho dos gaudérios, um pessoal que não tem ocupação séria e vive à custa dos outros.

Aliás, a geração “nem-nem”, essa turma vagal que nem trabalha nem estuda (mas come, namora e dorme) tem como projeto de vida exatamente viver de bolsa família e à sombra desta nova era tecnológica, dedilhando o celular e recebendo dinheiro grátis dos governos perdulários. Tudo isso enquanto defendem o que poderíamos chamar de “democracia de direitos”. Uma democracia meio carnavalesca, que dá aos espertos todos os direitos, enquanto reserva para os tontos que trabalham, como você e eu, os deveres e obrigações, sob o ácido argumento de que afinal, ninguém está acima da lei. Uma “democracia”, caro amigo, em que eles fazem a lei que lhes convém, estipulam para eles e sua turma salários e penduricalhos escandalosos e estabelecem que você e eu, que somos de segunda classe, posto que nosso voto vale menos, estamos abaixo da lei deles.

O fato é que os entreveros mundo afora acontecem porque o mundo anda lotado de gente. Tem povo demais, para planeta de menos, e todo mundo quer garantir seu naco de privilégios. Nesta nossa sofrida terra de Santa Cruz, os políticos, notadamente aqueles que se elegem oferecendo picanha para todos, não dizem ao povo que cada boi só tem duas picanhas. Saborosas e tenras peças de carne, encapadas de gordura, que ficam localizados entre o lombo e a coxa traseira, onde o animal faz pouco esforço. E dado que o animal só tem duas coxas traseiras, então, cada animal vai produzir apenas duas picanhas de 1.250 gramas cada uma. No dia que todos os brasileiros forem comer a tal prometida picanha, ainda que modestos 250 gramas por pessoa, será preciso abater 20 milhões de bovinos só para abastecer os esfomeados por um dia. É só fazer a conta: em 10 dias acaba o rebanho nacional. Pode isso?

A conclusão é que, nesta quadra da vida do Brasil e, sem dúvida, do planeta que habitamos, a sobrevivência requer talento. E mais talento é preciso por quem deseja da vida algo mais. Por exemplo, encontrar um lugar ao sol, empreender, ascender socialmente, viver com qualidade de vida, essas coisas prosaicas que gente como a gente sonha alcançar.

Então, como saber se temos o talento de sobrevivência necessário para sobrevivermos? E, se já não o temos, como fazer para o conseguirmos na medida necessária?

Antes de atrever-me a dar algumas dicas de autoajuda vou começar dizendo que pode doer. Afinal, se fosse fácil todo mundo faria.

Autoajuda 1 – Faça uma lista das besteiras que você já fez. Se pergunte qual a causa. Veja que lições você pode tirar de cada uma delas. Prometa que você não vai fazer nenhuma delas de novo. Atenção: seja honesto com você mesmo, que ninguém vai ficar sabendo. E se tiver algum erro recorrente, que você descobre que repete sempre, prometa a você mesmo que vai tomar todas as cautelas para evita-lo e que vai jejuar um fim de semana inteiro se se flagrar que o está repetindo. E não esqueça de checar o tempo que você gasta no Instagram ou no Tik-Tok. O ideal é que não passe de 15 minutos por dia, em sessões de cinco minutos cada vez.

Atoajuda 2 – Faça uma lista de suas prioridades. Se tiver coisa boba, como ir a todos os shows de rock ou gastar um dia por semana polindo o carro, estabeleça um critério: um show por ano. Um polimento por trimestre. (Exceção, se você for sair com a namorada, vale dar uma polida no carro.). Reestude as prioridades e, se tiver coisa faltando, como ler um livro ou praticar um instrumento musical para treinar o cérebro, inclua.

Autoajuda 3 – Cuidado com as decisões intempestivas. O diabo está nos impulsos. Antes de comprar um elefante branco, pense duas vezes. Minhas besteiras mais memoráveis e meus arrependimentos mais sofridos resultaram de decisões impensadas. Recomendações de um errador contumaz: faça uma lista dos pontos positivos: o que você tem a ganhar e o que você espera de benefícios e, com sinceridade, liste os custos e considere o que você perde se der errado. Pense em alternativas. Você tem um plano “B”? Postergue o negócio. Olhe sua consciência. De repente é um bom negócio, mas pense sempre nas consequências e tome cautelas.

Se eu segui esses meus conselhos? Estás brincando? Nem sempre. Mas hoje sou gato escaldado! Consulto a Inteligência Artificial e bato três vezes na madeira. Talvez ainda não tenha o talento que preciso, mas se errar, vai ser com convicção. Boa sorte e sobrevivam!

O MARKETING CELEBRA A DEMOCRACIA

No LIVRE MERCADO

Mikhail Gorbachev, o último presidente da União Soviética antes do colapso do sistema comunista, dizia que o Mercado não era uma invenção do Capitalismo.  Ele já existia por séculos. Ele era uma invenção da civilização.

Mr. Gorbachev tinha razão.  O Mercado foi, de fato, uma invenção da civilização.  O que a democracia inventou foi o Marketing.

E foi o Marketing que já nasceu incorporando o DNA da democracia, ou seja, a diversidade e a liberdade de escolha.

O Marketing é o mecanismo utilizado no mundo livre para fazer a interface entre o sistema produtivo e o consumidor de modo que possamos desfrutar o privilégio da escolha que é nosso apanágio no Livre Mercado.

Para nós, que vivemos na civilização ocidental, a liberdade de escolha é tão natural como o ar que respiramos.

Nem concebemos as restrições de uma ditadura comunista, posto que, para nós, viver é escolher.

É por isto que o Mercado e a Democracia andam de mãos dadas.

Tanto a democracia como o Marketing prezam a variedade e a abundância de escolhas e entendem que o mundo será tão melhor quanto mais escolhas tivermos ao nosso alcance e quanto mais variadas forem as escolhas que pudermos fazer.

E sendo o Marketing uma generosa plataforma de escolhas, a nós cabe celebrar o Marketing e, igualmente, prezar a Democracia, porque sem Democracia as escolhas cessam e o Marketing fenece.

O fato é que, sem democracia o Marketing não existe.

  • O Marketing é o Sistema Operacional do Mercado

Mas o que faz o Marketing ser uma instituição tão especial?

Para explicar fazendo uma comparação simples, o Marketing se constitui no Sistema Operacional do Mercado.

Nos países democráticos e de livre mercado, a exemplo dos Estados Unidos, dos países da Europa e do Primeiro Mundo, e mesmo de países como o Brasil, que aspiram chegar ao primeiro mundo, o Marketing faz a mediação entre o Mercado e o Sistema Produtivo.

Nas democracias o Marketing coloca o consumidor no centro do Mercado.  E ali o consumidor e sua variante econômica, o “homo emptor”, o homem que compra, participa da permanente metamorfose que enseja ao nosso esplêndido planeta azul viver em seu continuado círculo virtuoso.

Em outras palavras, nossa civilização é uma obra inacabada, sempre em mutação, e que evolui e se transforma a cada nova geração que chega e assume a história.

Para nossa geração, para nós, que vivemos nesse século XXI e herdamos ensinamentos milenares de culturas que nos antecederam no caminho civilizatório, a democracia nos dá asas, o mercado nos dá as opções e o marketing nos dá os olhos e ouvidos para fazermos nossas melhores escolhas.

  • Um Extraterrestre conhecendo o Mercado do Planeta Terra

Um ET que chegasse hoje ao nosso planeta e pousasse seu disco voador em Nova York,  Tóquio,   Paris,  Singapura ou  São Paulo  iria ser tomado de assombro  e iria se perguntar  como teria sido possível criar cidades tão extraordinárias, populosas, movimentadas, exuberantes e coloridas  e como a espécie humana se organizou  para atender às necessidades e desejos  de toda aquela massa de gente que habita o orbe terrestre. Uma população de oito bilhões de pessoas composta por seres tão singulares e tão diversificados da espécie humana.

O que nosso visitante Extraterrestre iria descobrir é que a humanidade desenvolveu um engenhoso sistema de produção e distribuição de produtos e serviços que nós, terráqueos, chamamos de MERCADO.

E, além disso, ficaria sabendo que existem dois tipos básicos de MERCADO no planeta:  o chamado LIVRE MERCADO, um sistema descentralizado de organizar a oferta e a procura, mediado pelo Marketing, e o MERCADO DIRIGIDO, uma versão com comando centralizado sob chefia de burocratas do governo.

Veria, além disso, que os países mais ricos e prósperos do planeta são exatamente aqueles que adotam o LIVRE MERCADO e permitem ao Marketing agregar valor em todo o seu conjunto de especialidades. Desde na pesquisa de preferencia dos consumidores, na inovação de produtos, na precificação dinâmica de produtos e serviços identificando os melhores pontos de venda físicos e online, para divulgar e produtos e serviços,  para pesquisar a satisfação dos consumidores e  de outras mil e uma maneiras que promovam o bom funcionamento de todo o organismo do Mercado.

E então, em mais uma surpresa, nosso ET iria perceber que, nos países democráticos, o LIVRE MERCADO se constitui em uma fonte de paz e harmonia social.

Ao ensejar a competição entre produtores e consumidores com regras claras e igualdade, cria emulação e fomenta o progresso.

Nos países de Livre Mercado zilhões de unidades fabris produzem infinita variedade de mercadorias que viajam por terra, mar e ar e abarrotam de ofertas uma cornucópia dos mais maravilhosos produtos e serviços jamais sonhados pelas gerações humanas do passado.

E se o nosso ET, movido pela curiosidade, aprofundasse ainda mais sua observação veria que a negociação entre as partes se dá com a lógica da concorrência.  Os preços oscilam em função das quantidades de oferta e da procura e, para seu espanto, descobriria que, no LIVRE MERCADO, existe mesmo uma “mão invisível”, aquela tal “mão invisível” a que se referiu o criador do capitalismo, Adam Smith, quando escreveu que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos pelo seu próprio interesse, promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica.  Afinal, como ele escreveu, “não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em obter ganhos e promover seu “auto interesse”.

Já, do lado socialista, iria se deparar com o MERCADO em seu formato mais rudimentar, sem o Marketing e sem seus acessórios democráticos.

 Veria um aglomerado atabalhoado de fábricas e armazéns disfuncionais, fabricando mercadorias de duvidosa qualidade e as distribuindo precariamente em lojas do governo, escuras e malcuidadas, mediante quotas e cartões de racionamento.  Tudo mal gerido por burocratas do governo, sem a liberdade da democracia e sem a inspiração do Marketing.

E constataria a abissal diferença entre os dois sistemas:  do lado da democracia a exuberância de uma autêntica orquestra de progresso emanando a música da prosperidade, enquanto, do lado socialista, tudo o que ouviria seria o som penoso de um apito monocórdio, desolador e lôbrego, marcando o passo da pobreza sem esperança.

Então nosso ET, ao voltar ao seu Planeta distante, levaria a conclusão de que a humanidade da Terra conhecia dois tipos diferentes de Mercado, cada um com seus respectivos sistemas políticos, sociais e econômicos:  de um lado, no concerto das nações avançadas, uma civilização com a rica exuberância de uma orquestra, de outro, entre as nações comunistas e de socialismo marxista, precárias coletividades humanas cujo ritmo é ditado pela inglória penúria de um apito.

Em suma, de um lado uma orquestra, de outro um apito!

  • O Grande paradoxo do Marketing Inteligente que encanta todos e conhece cada um

Mas o Marketing anda de mãos dadas com a democracia porque o marketing é um sistema de livre escolha semelhante ao sistema democrático.

Veja, no sistema democrático o eleitor faz a escolha do candidato de sua preferência por meio do voto na urna.

Da mesma forma, no espaço do Marketing, o consumidor faz a escolha do produto de sua preferência indo a um supermercado, a uma loja ou acessando um marketplace online e ali realiza a sua compra.

Agora, o grande paradoxo do Livre Mercado e, certamente, uma das suas mais surpreendentes qualidades, é que este leviatã moderno,  cujos tentáculos alcançam o planeta inteiro e que cumpre a função de atender uma população mundial estimada em mais de 8 bilhões de pessoas,  se revela capaz de dar atenção a cada um de seus bilhões de clientes e consumidores e se mostra capaz de atender as necessidades e desejos individuais de todos,  sendo que cada um deles é diferente dos outros e cada um tem suas crenças, seus valores, seus hábitos e suas preferências.

À giza de analogia, certa feita Henry Ford, o grande industrial fundador da empresa que leva seu nome e inventor da linha de montagem, frustrado pela dificuldade em conseguir que seus operários pensassem todos da mesma maneira, acabou por desabafar:  o problema é que, cada vez que eu preciso de um par de braços, vem uma cabeça junto.

A mesma coisa poderiam dizer os políticos, afirmado que cada vez que precisam de um eleitor, vem uma cabeça junto.

E não seria diferente para os profissionais de marketing que, também, poderiam resmungar reclamando que, cada vez que precisam de um consumidor, vem uma cabeça junto.

Sucede que o triunfo da civilização que conhecemos e a razão de seu extraordinário sucesso advém, em grande medida, desta colossal orquestração de cabeças que compõem a cultura do planeta.

E, o que acredito seja o mais importante do ponto de vista do Marketing, é que junto de cada cabeça   vem um coração e uma mente. Então a missão do Marketing é precisamente se haver com estes bilhões de diferentes cabeças, corações e mentes que formam o Mercado.

Daí que o primeiro pressuposto do Marketing é entender que, como diz o ditado popular, “cada cabeça uma sentença”.

E vejam que esse entendimento de que “cada cabeça é uma sentença” é da maior e mais crucial importância.  E tem implicações que extrapolam o Mercado e vão impactar a organização política dos países e nações.

É que esta expressão de que “cada cabeça uma sentença” pode ser tomada como o divisor que separa os países democráticos liberais dos países socialistas.

O que caracteriza a diferença é que, enquanto os países socialistas dispensam o Marketing e colocam o planejamento centralizado no seu lugar, os países democráticos e liberais, países que adotam o Livre Mercado, usam o Marketing para fazer o meio de campo entre a sociedade e o sistema produtivo. Em outras palavras, nos países democráticos o Marketing e suas ferramentas fazem a interface entre o consumidor e o Mercado.

Nos países socialistas a simples ideia de que uma cabeça seja diferente da outra é um anátema.

O Mercado socialista aquele que adota o planejamento centralizado exige que, em nome da pretensa igualdade, todos se nivelem por baixo  e se comportem do modo padronizado.

No Mercado Socialista Dirigido o governo define aquilo que as lojas estatais vão ter nas prateleiras.  Assim, as fábricas do governo se limitam a fazer os produtos que os burocratas aprovam.  Nada de grifes ou etiquetas, ou artigos do luxo capitalistas.  De modo que todos precisam vestir-se com a túnica de Mao-Tse-Tung, morar em edificações coletivas padrão soviético, contentar-se com um Trabant alemão oriental e, acreditem ou não, usar o cabelo à moda do Kim Jong Um.

Esta questão da uniformização das preferências foi magistralmente colocada, anos passados, quando uma marca de tintas fez uma bem-sucedida campanha publicitária perguntando o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?

A pergunta era do tipo que fazia pensar:  de fato, já imaginaram que tragédia seria se o mundo todo fosse pintado de uma só cor?

Já na parte do mundo com LIVRE MERCADO, como sabemos, o Marketing promove a variedade, a diversidade, a inovação e a ideia de que quanto maior for a variedade de produtos que existirem no Mercado, melhor!

  • A analogia entre a evolução do Mercado e a evolução da vida.

Olhando em retrospecto a história do Mercado podemos imaginar sua evolução fazendo uma analogia com a evolução da vida.  Esta comparação pode nos ajudar a entender como o Mercado nasceu sem Marketing, mas evoluiu e hoje tem no Marketing o seu sistema nervoso e o seu cérebro, que, como sabemos, é o principal órgão do sistema nervoso.

Na evolução da vida, os primeiros seres eram simples criaturas unicelulares que viviam na chamada sopa primordial.  

Os primeiros animais unicelulares apenas reagiam a estímulos.  Não tinham nem sistema nervoso e nem cérebro, obviamente.

De forma análoga, no início do Mercado, os primeiros mercadores iam pessoalmente vender seus produtos na praça dos vilarejos.  Eles simplesmente mostravam suas mercadorias ali, faziam as vendas e as trocas que lhes convinham e voltavam para casa.

Mas, voltando para as eras primevas, os primeiros seres foram se multiplicando e começaram a disputar alimentos.  Para sobreviver tiveram que juntar forças e formar comunidades de células e, para coordenar seus organismos,  aqueles seres desenvolveram um sistema nervoso e,  depois, um cérebro que o coordenasse.

Assim, aquelas criaturas foram se tornando mais e mais complexas.  A evolução foi adicionando camadas, surgiram novas espécies e o processo de seleção natural progrediu até chegar ao Homo sapiens.

Hoje, estamos no topo da cadeia evolutiva e nosso cérebro, que corresponde a apenas 2% do peso do nosso corpo  gasta 20% de toda a energia que consumimos.

Mas, olhando em volta, é fácil perceber que nem todas as criaturas existentes na natureza evoluíram.  Amebas e fungos e muitos outros animais unicelulares continuam a existir em seus nichos ecológicos.

Da mesma forma, no concerto das nações, o socialismo marxista permaneceu no atraso e ainda vive no nicho ideológico de um Mercado pré-Marketing.  Ou seja, continua a ser uma ameba que inchou, ficou grande, mas não evoluiu.  Por isso, o seu Mercado não tem marketing e, portanto, não tem cérebro.

Concluindo, cara amiga, cara amigo, se você deseja viver em uma civilização que lhe ofereça  liberdade, progresso e abundância com qualidade de vida,  aproveite bem a liberdade que você ainda tem.  Seu apoio e seu voto democrático podem fazer a diferença entre viver em uma democracia com LIVRE MERCADO ou em um país totalitário que oprime tudo e todos para nivelar tudo por baixo.

Promova e defenda a democracia liberal, a única que tem MERCADO COM MARKETING. E não esqueça que a outra alternativa é viver atras de uma cortina de ferro, confinado ao mundo limitado das AMEBAS!

APUNHALADO / O BRASIL APUNHALADO COM UMA PENA DE OURO!

(Clque para saber mais)

GOIO-EN, O CAMINHO E TEMPO. (Link com a Editora Viseu)

O Brasil apunhalado com uma Pena de Ouro.

O presidente Lula, ao que parece, está um tanto deslumbrado com os rapapés que recebe em seus entendimentos com a Argentina, mas deve tomar muito cuidado para não se tornar um novo Quintino Bocaiuva. 

Os presidentes Lula, do Brasil, e Alberto Fernandez, da Argentina, anunciaram estudos para uma nova moeda sul-americana compartilhada. Segundo disseram à imprensa, “esta moeda binacional teria a finalidade de reduzir a vulnerabilidade externa dos dois países em transações comerciais e financeiras.”

Quem conhece a história das tormentosas relações entre o Brasil e a Argentina ficou com a pulga atrás da orelha. 

Começa que o Brasil não tem vulnerabilidade externa com que se preocupar.

Assim fica claro que este arranjo tem o único propósito de levar o Brasil a assumir o risco do crédito com a Argentina, já que é este o país que convive com uma escassez crônica de dólares.

O indigitado Quintino Bocaiuva era senador e virou Ministro do Exterior da recém proclamada república brasileira em 1889. República essa cuja primeira providência, após abater a monarquia brasileira, foi embarcar o embasbacado ministro no encouraçado Riachuelo, o maior navio da marinha brasileira de então, para levá-lo com toda a pompa e circunstância até o Prata para apunhalar o Brasil pelas costas!.

E o fez em grande estilo. Vaidoso, sedento de glórias, como o descreveu o Barão de Ladário, foi recebido com mesuras, adulado, bajulado, paparicado com festas e banquetes e, por fim, não de se pejou de assinar, faceiro e pampeiro, o tratado que dava de mão beijada aos Argentinos um pedaço dos atuais estados do Paraná e de Santa Catarina. 

E não só apôs sua rebuscada assinatura de Calabar no tratado, como o fez com uma esplendorosa pena de ouro. Peça única, ornada de pedras preciosas e trabalhada pela mais refinada ourivesaria, num gesto fútil de reverência que o Plenipotenciário Quintino Bocaiuva concedeu ao presidente da República Argentina Miguel Juarez Celman. 

O Jornal o Estado de S. Paulo de 26 de janeiro de 1890 revelava na primeira página aquela perversidade:

Trocaram-se ante-ontem as últimas notas entre os srs. Bocayuva e Zeballos sobre a questão de Missões.

Zeballos oferecerá em nome do governo argentino a Bocayuva, para assinar o tratado, uma artística pena de ouro, assinando aquele tratado com a pena que o presenteou Juarez Celman. 

Certa vez o Papa Argentino observou que Deus é brasileiro. Ele haverá de saber melhor do que ninguém, pois foi só graças aos céus que esta despudorada manobra não prosperou e acabou anulada pelo congresso brasileiro.

É certo que a rivalidade do Brasil com a Argentina foi herdada da rivalidade entre Portugal e Espanha e, portanto, vem desde os tempos coloniais, mas no episódio da Questão de Palmas ou, Questão das Missões, como queriam os argentinos, os eventuais entendimentos coloniais serviram só como pretexto para maquinações e pleitos muito além dos acordos estabelecidos entre as matrizes Europeias. 

A verdade é que Argentina sempre viu o Brasil com olhos gulosos. 

O Brasil é um oponente grande e simplório. Um colosso amórfo, dominado por um desmesurado complexo de inferioridade, o famoso “complexo de vIra-latas”, de que falava Nelson Rodrigues. 

O efeito desse complexo é que tem governantes brasileiros, ávidos do glamour fugaz e de uma pitada de aplauso, bem no espírito da canção Folhetim do Sérgio Buarque de Holanda, que estão sempre prontos à fazer concessões e entregar o ouro por uma coisa atoa.

 A Argentina, por seu lado, trata de defender seus interesses, o que seria mesmo de esperar. 

A questão, porém, é que o país vizinho frequentemente se conduz de forma sobranceira e egoísta, sendo useira e vezeira em menoscabar nosso país. 

Esta relação tóxica é parte de nossa tragédia latino-americana. Tragédia, aliás, que alcança todo o continente. Vale lembrar que o ex-presidente Mexicano Porfírio Diaz, reclamando dos americanos, exclamou:

“Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

De nossa parte aqui, seria o caso de exclamarmos “Pobre Brasil, tão longe dos Estados Unidos e tão perto da Argentina”. 

Mas voltando à tentativa Argentina de se apossar de parte dos territórios do Paraná e Santa Catarina, que originaram a momentosa Questão das Missões, pode-se afirmar que este foi um embate emblemático. 

O território dos Campos de Palmas estava pacificamente nas mãos do Brasil. 

Os bandeirantes paulistas tinham circulado por ali desde o século XVI. Em 1839, com a substantiva participação do Cacique Victorino Condá ajudando a pacificar os Kaingang, estabeleceram-se no Campo de Palmas 37 fazendas, as quais, em 1850, já tinham cerca de 36.000 cabeças de gado. 

Vale lembrar que os Kaingang, também chamados de coroados e bugres, que habitavam a área, sempre se afirmaram brasileiros. Eles haviam se relacionado bem com os portugueses até porque eram inimigos dos Guarani, índios aliados dos espanhóis. 

Em 16 de março de 1837 a Assembleia Legislativa de S. Paulo criou um destacamento de Policiais Permanentes para o fim específico da ocupação daqueles campos.

Em 1845, Manuel da Fonseca de Lima e Silva, o Presidente da Província de São Paulo, com visão e descortino de estadista, tomou a iniciativa da construção do Caminho de Goio-En, o caminho de tropas entre os Campos de Guarapuava e as Missões de São Pedro do Rio Grande do Sul, como informa em seu Relatório para a Assembleia Legislativa de São Paulo no dia 7 de janeiro de 1845: 

“Compartindo o interesse que vos inspirou a ideia de abertura de uma nova comunicação entre esta Província e a de S. Pedro do Sul pelo território situado a sudoeste do Campo de Palmas, encarreguei esta comissão ao Cidadão Francisco Ferreira da Rocha Loures, homem empreendedor e ativo e que, pela circunstância de residir naquelas imediações me parece para isto precisamente habilitado.” 

Manuel da Fonseca de Lima e Silva, que seria o futuro Barão de Suruí, se encarregou ainda de arregimentar o apoio do Presidente da Província vizinha de São Pedro do Rio Grande do Sul, Luiz Alves de Lima e Silva, o então Conde de Caxias, que vinha a ser seu cunhado e sobrinho. 

A esse respeito o Conde de Caxias, informa em seu relatório a Assembleia Provincial gaúcha de 1846 que:

Por este meio tempo veio ter a esta Província o Tenente Francisco Ferreira da Rocha Loures, encarregado pelo Governo Provincial de S. Paulo de explorar o terreno e abrir uma nova estrada por conta daquela província… 

Mas voltando ao relatório de 1845 do Presidente de São Paulo, este informa que vai fazer mais uma estrada naquela região, agora ligando os Campos de Palmas com a Argentina. 

Na justificativa ele esclarece: 

“Aberta essa estrada, ela pode sobretudo melhorar a posição do Brasil acerca da solução das antigas questões de limites naquela parte do Império.”

Observem que ele, ao falar das questões de limites naquela parte do império se antecipa em décadas as futuras reinvindicações dos argentinos sobre os Campos de Palmas.

Tanto é fato que cinquenta anos depois, o Barão do Rio Branco, ao defender os direitos do Brasil aos Campos de Palmas, reconhece a importância da iniciativa do Presidente da Província paulista:

Em 1845, por ordem do presidente de São Paulo, general Manuel da Fonseca Lima, depois barão de Suruí, se deu começo à abertura da comunicação com o Rio Grande do Sul, pelo passo do Goio-En e por Nonoai. 

O general Caxias, então presidente do Rio Grande do Sul (outra província brasileira), animou e auxiliou esses trabalhos.

Foi na segunda metade do século XIX que cresceram os olhos dos argentinos. Especialmente ao se darem conta que a ausência de uma fronteira bem demarcada na região lhes dava oportunidade para turvar as águas e criar confusão. 

Conjeturaram que uma artimanha bem bem-sucedida lhes daria um naco de 30.621 km2 de uma das regiões mais férteis e promissoras de todo o continente. 

Ou seja, valia o esforço! 

Os limites territoriais das possessões de Portugal e Espanha na América Meridional haviam sido definidos pelos tratados de Madri de 13 de janeiro de 1750 e pelo de Santo Ildefonso, de 1º de outubro de 1777

Nos tratados consta que a divisa entre o Brasil e Argentina / no trecho entre os rios Uruguai e o Iguaçu seria feita pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio. 

Na condição de herdeiros destes tratados, tanto o Brasil como a Argentina tinham que aceitar estes rios como limite entre os dois países. 

Acontece que os mapas daquela época eram pouco precisos e a Argentina se aproveitou deste pretexto para, com base em mapas de encomenda e argumentos especiosos, questionar a localização dos rios que fariam a divisa e passou a alegar que o rio brasileiro de nome Chapecó é que seria o verdadeiro rio Peperi-Guaçú e o de nome Chopim é que seria o verdadeiro rio Santo Antônio daquele tratado de fronteiras.

Em 1882 a Argentina tentou dar uma de joão sem braço. Fez uma lei dividindo o Território das Missões argentino em cinco departamentos administrativos e incluiu na divisão o território brasileiro dos Campos de Palmas. Na lei são designados como limites os rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio, porém acontece que a Argentina atribuiu estes nomes aos rios Chapecó e Chopim, que ficam no meio dos Campos de Palmas. 

Ora, a falsificação era flagrante e o governo imperial se recusou a aceitar os mapas falseados que a Argentina apresentava. 

A Argentina, por seu turno, usava sua representação diplomática na capital do império para obter apoio e tentar convencer o governo imperial a abrir mão daquele território. 

Apesar de seus esforços, contudo, estava cada vez mais evidente que sua narrativa não convencia e seus argumentos não seriam aceitos pelo império do Brasil.

Uma evidência é a notícia dada pelo Jornal O Estado de São Paulo publicando em 6 de setembro de 1882 um despacho de seu correspondente em Buenos Aires: 

Diz La Pátria Argentina, que o dr. Avellaneda comunicou ao seu governo que o gabinete imperial não estava disposto a submeter a arbitramento a questão das Missões por considerar que não admitem dúvidas os direitos que têm o Brasil sobre aquele território.

Mas a Argentina não dava trégusas. Em 7 de setembro de 1889, o governo imperial, buscando apaziguar os ânimos e confiante em seus direitos, aceitou um acordo baseado em dois pontos:

1.               Seria feita uma nova expedição para verificar se os rios Chapecó e Chopim corresponderiam, de fato, aos rios da divisa descritos nos tratados originários, e

2.               Caso o Brasil não aceitasse estes rios como divisa a questão seria levada para a arbitragem do presidente norte-americano.

O prazo para a expedição trazer provas seria de 90 dias, contados a partir da ratificação do tratado, o que ocorreu em 5 de novembro de 1889.

Para o Brasil a questão parecia resolvida. Seus geógrafos, astrônomos, demarcadores e especialistas sabiam que a missão de reconhecimento seria feita nos rios errados a Questão das Missões iria para a arbitragem.

Já os argentinos tinham pressa. O tempo estava correndo contra eles, e eles também sabiam que a missão de reconhecimento era um embuste, assim como sabiam que, salvo a improvável hipótese de convencer o presidente Cleveland a decidir em favor de um embuste, estavam perdidos. 

Desse modo, a última esperança que lhes restava residia na mudança do regime de governo no Brasil.

E eis que então acontece o mais chocante. 

É difícil avaliar influência dos agentes argentinos na derrubada da monarquia brasileira, 

O que é sabido, no entanto, é que o golpe republicano que derrubou a monarquia se deu em 15 de novembro de 1889. 

E havia mais coisas sórdidas entre o céu e a terra: 

A começar pela suspeitíssima certeza dos Argentinos de que, no final, ganhariam uma “província à nossa custa”, como havia dito Bocaiuva quando que ainda era tido como o “príncipe dos jornalistas”, com como relata o Barão de Ladário nos artigos publicados no jornal A Tribuna e encaminhados aos senadores no final de 1890.

Por exemplo, no grupo da comissão demarcadora que explorava os rios Chapecó e Chopim, um oficial argentino disse em um jantar “que seus patrícios muito desejavam que o Brasil se constituísse em república, porque então seria fácil anexar o Rio Grande do Sul à Confederação Argentina.”  

Vejam, os argentinos não somente queriam tomar 30.621 km2 dos atuais estados do Paraná e Santa Catarina, como pensavam criar uma cunha separando o Rio Grande do Sul do restante do país e, assim, facilitar a anexação do Rio Grande do Sul ao seu país. 

Um outro oficial superior argentino afirmou, referindo-se aos Campos de Palmas:

“Isto será nosso, ou por bem ou pelas armas”.

Ademais, é preciso reconhecer que, naquela conjuntura, os argentinos avaliavam melhor do que os cosmopolitas republicanos do Rio de Janeiro a importância do território em jogo e qual o potencial futuro dos Campos de Palmas. 

De toda forma, o governo republicano fez o que a Argentina esperava. Em sua primeiríssima iniciativa internacional, atropela o tratado de arbitramento assinado pelo império, aceita sem pejo as demandas argentinas e manda o Ministro Quintino Bocaiuva dividir com os argentinos o território dos atuais estados do Paraná e Santa Catarina. 

E foi o que ele fez!

Vejam a linha de tempo da ignomínia republicana: 

Em 7 de setembro de 1889 o governo imperial assina o Tratado de Arbitramento que leva a Questão das Missões para decisão do Presidente dos Estados Unidos;

Em 05 de novembro de 1889, 58 dias depois, o congresso brasileiro ratifica o tratado de arbitramento;

Mais 10 dias e chegamos ao fatídico 15 de novembro de 1889. Nesta data os ativistas e militares dão o golpe, derrubam a monarquia e proclamam a república. O Marechal Deodoro da Fonseca assume a presidência e Quintino Bocaiuva se torna Ministro do Exterior.

Vem dezembro, Festas, Natal e Ano novo. Já em 14 de janeiro de 1890 o Encouraçado Riachuelo leva Bocaiuva ao encontro de seus parceiros argentinos para assinar o tratado de cessão do território. 

Outros 10 dias e em 25 de janeiro, o plenipotenciário é recebido com banquete em Montevidéu, onde assina com a tal aparatosa pena de ouro o infame tratado em que o Brasil cede para a Argentina metade dos territórios dos atuais estados do Paraná e Santa Catarina.

Em seguida viaja ao encontro do presidente argentino.

O jornal O Estado de S. Paulo, na edição de 6 de fevereiro de 1890 publica um despacho vindo de Buenos Aires informando que Quintino Bocaíuva tinha sido homenageado com um banquete pelo presidente Juarez Célman, na noite de 3 de fevereiro. 

Segundo o despacho, “houve durante o banquete a máxima alegria e expansão fraternal, levantando-se muitos brindes ao Brasil e a República Argentina, firmando-se assim um acordo tácito para a manutenção da paz e a prosperidade das duas poderosas nações sul-americanas.”

Não surpreende que tenha havia máxima alegria e muitos brindes fraternais. A argentina estava conseguindo barato uma nova província formada com metade do território dos estados do Paraná e de Santa Catarina arrancados do Brasil por intermédio do homenageado, Quintino Bocaiuva, que é de se supor, não estava lá de graça.

O inacreditável é que esse recém-empossado Ministro de Relações Exteriores nada mais útil tivesse a fazer além de ir sabujar os vizinhos do Prata por mais de um mês, circulando entre Montevidéu, Buenos Aires, Córdova Tucumán e outras paragens do Prata em que foi homenageado por banquetes, eventos, convescotes e festas variadas. É ridículo registrar que o plenipotenciário viajou em 14 de janeiro, assinou o tratado no dia 25, em Montevidéu, viajou 700 quilômetros para ir visitar o presidente Argentino em sua residência em Córdova, voltou a Montevidéu em 16 de fevereiro para ali passar o carnaval e só então, feliz e pampeiro, regressar ao Rio de Janeiro em 25 de fevereiro, onde, para, estupefação geral, resolve deixar o posto de Ministério do Exterior, conforme noticiou o Jornal Estado de S. Paulo do dia 26 de fevereiro.

O país estava atordoado. A notícia da desfaçatez fazia ferver o sangue dos brasileiros.

O Barão de Ladário, em seus artigos no Jornal a Tribuna condenando o tratado, conta que o dito plenipotenciário teria asseverado: 

que não se podia atender, ao liquidar-se o litígio, à questão pura e simples dos direitos a certas linhas de fronteiras, mas e preferentemente à que se prendia aos interesses momentosos da nova situação do país.

Trocando em miúdos: Quintino Bocaiuva, com espantosa cara de pau, revela que a república ia dar metade dos estados do Paraná e Santa Catarina aos Argentinos porque era do interesse momentoso do novo governo republicano. 

O Barão do Rio Branco, o defensor da causa brasileira em Washington informa que: 

“Na República Argentina esta solução foi festejada com grande entusiasmo. No Brasil, porém, ela produziu o mais profundo sentimento de dor e levantou unânimes e veementes protestos.” 

Mas é claro que haveria alegria e festejos na argentina com um presente deste tamanho,  mas graças a mobilização do povo e aos protestos da imprensa, o Congresso Brasileiro rejeitou o tratado Bocaiuva por 142 votos contra 5 em sessão de 10 de agosto de 1891.

O passo seguinte foi o envio da Questão das Missões para o arbitramento do presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland. 

Lá, em Washington, mercê do Deus que é brasileiro, como reconhece o citado Papa argentino, a defesa da causa brasileira coube ao nosso mais insigne diplomata, o Barão do Rio Branco.

E enquanto o Rio Branco buscava fundamentar as razões brasileiras reunindo documentos e provas, os Argentinos, sob a liderança de Estanislao Zeballos, faziam intensa campanha de relações públicas tentando ganhar a questão na base do tapetão. 

As vésperas da decisão do presidente Cleveland, a Argentina ofereceu um banquete de gala para a alta sociedade norte-americana e, num gesto de insólita soberba, mimoseou cada uma das damas presentes com uma joia de ouro e diamantes posicionada em frente ao seu lugar na mesa do banquete.

Mesmo assim não adiantou.

Em 6 de fevereiro de 1895 o presidente dos Estados Unidos Grover Cleveland emitiu sua sentença, dando ao Brasil a posse definitiva dos atuais territórios do Paraná e Santa Catarina. Foi a primeira grande vitória de nosso maior diplomata, o Barão do Rio Branco.

Um pequeno documentário mostrando a documentação reunida por Rio Branco é mostrado no vídeo Oeste Fértil, o Legado do Barão do Rio Branco, no canal Goio-En do Youtube.

E se você quiser conhecer mais histórias sobre a conquista do Oeste Fértil brasileiro e sobre o desenvolvimento do Alto Uruguai Gaúcho e dos oestes de Santa Catarina Paraná, conheça o meu livro Goio-En o Caminho e o Tempo da editora Viseu. É uma boa pedida.

Muito obrigado.

GARIBALDI E ANITA SOB O DOSSEL DOS PINHEIRAIS.

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Foi no ano de 1837 que o jovem italiano Giuseppe Maria Garibaldi chegou à Província de São Pedro do Rio Grande e foi visitar na cadeia o líder farroupilha Bento Gonçalves que estava preso pelos imperiais por ter sido escolhido presidente da República Rio-Grandense que queria se separar do Brasil.

Giuseppe Garibaldi tinha 30 anos e havia sido condenado à morte na Itália por ter participado de uma insurreição em Gênova que queria a unificação do país. Como a revolta deu errado ele adotou um nome falso e foi ser marinheiro no Mediterrâneo até decidir vir para o Brasil.

Quando visitou Bento Gonçalves Garibaldi se disse “cansado de arrastar uma existência inútil”, de dispôs a lutar pelos farroupilhas e pediu uma “Carta de Corso”, que era uma autorização para atacar e pilhar navios do governo imperial, que era o governo inimigo.

Foi dessa forma que o futuro general italiano e herói da guerra da unificação da Itália entrou na história farroupilha e acabou envolvido na história do Sul do Brasil.

Antes de continuar e para dar uma ideia da importância que o chamado herói dos dois mundos adquiriu na Europa de seu tempo, vale citar a visita que o agora General Italiano Giuseppe Garibaldi foi convidado a fazer à Londres em 1864.  

Já famoso e respeitado, especialmente depois de ter reunificado a Itália em 1861, Garibaldi foi recebido por uma multidão como nunca tinha sido vista na capital londrina. Basta dizer que carruagem que transportava o general precisou de cinco horas para percorrer a distância de quatro quilômetros entre a estação ferroviária de Nine Elms e a Residência Lancaster, onde era o convidado de honra do duque e da duquesa de Sutherland. (Saderland)

Em 1837, ao chegar no Brasil, Garibaldi se encantou com a natureza e, especialmente, com as esplêndidas araucárias das nossas matas. Relatou em suas memórias que

“Só quem já viu as imensas florestas que cobrem os cimos do Espinhaço, com seus pinheiros seculares, que parecem destinados a sustentar o céu, e são as colunas deste esplêndido templo da natureza…podem delas fazer uma ideia”.

Na visita ao presidente farroupilha Garibaldi recebeu também a incumbência de circunscrever o bloqueio ao porto de Rio Grande. Depois de aprisionar um navio imperial e sua carga, Garibaldi percebeu que ações isoladas não iram compensar a falta de um porto. O que os farrapos precisavam era de uma saída para o mar.

A essa altura, no delta do Rio Camaquã, existiam alguns galpões de uma velha charqueada. Ali Garibaldi fez construir embarcações de fundo chato para controlar a Lagoa dos Patos – um imenso corpo de água com 260 quilômetros de comprimento e 60 de largura em seu ponto mais largo. Sua principal característica, porém, é que suas águas têm em média, 3 metros de profundidade. E além de rasa, a lagoa tem muitos bancos de areia, de modo que os navios do império não podiam navegar ali sem o risco de encalharem.

A organização do estaleiro foi entregue a John Griggs, o João Grandão, um marinheiro irlandês que juntou-se aos revoltosos. Era homem de grande estatura, corpulento e imensamente forte, estava sempre bem-humorado e era um incorrigível otimista. Ainda assim, sem conhecer a carpintaria naval e com os poucos meios de que dispunha, não podia fazer grande coisa.

João Grandão soube de Luigi Carniglia, um mestre carpinteiro naval italiano estabelecido no Uruguai. Garibaldi conseguiu a ajuda do seu compatriota, que veio com suas ferramentas e uma equipe de profissionais tarimbados.

Trabalhando dia e noite, em dois meses, conseguiram construir dois veleiros lanchões. O maior, com 18 toneladas, era o Rio Pardo. O segundo lanchão, de 12 toneladas, era o Seival. No começo de maio de 1839 os barcos circularam pela Lagoa dos Patos à procura de presas. Na altura de Cristóvão Pereira deram com a sumaca Mineira que se rendeu após um único tiro.

Em resposta os imperiais mandaram quatro navios de guerra caçar os dois lanchões farroupilhas. Os rebeldes se sentiram acossados, logo descobriram um meio de se safar. Seus lanchões eram mais leves, rápidos e manobráveis. Além disso, os marinheiros rebeldes conheciam bem a lagoa e reconheciam os bancos de areia. Quando eram perseguidos pelos navios imperiais, se dirigiam a um banco de areia próximo e avançavam até o lanchão encalhar.

Assim que ficavam presos na areia, o comandante gritava com toda a força:

“À água, patos!”.

Dada a ordem, todos a bordo pulavam na água, inclusive Garibaldi. Enquanto alguns puxavam com cordas, os demais empurravam o barco de fundo chato sobre a areia, de modo a cruzarem para o outro lado. De volta na água, todos reembarcavam e impulsionavam o barco usando varas que se apoiavam no leito do lago.

Daí que rapidamente se safavam e os pesados navios da Marinha imperial ficavam, literalmente, observando impotentes a artimanha dos rebeldes.

Acontece que essas escaramuças náuticas podiam ser bastante divertidas, mas traziam poucos resultados práticos.

Garibaldi então sugeriu ao Governo Farroupilha que tomasse a cidade de Laguna, em Santa Catarina, e por lá conseguissem o tão necessário acesso ao mar.

Mas como atacar Laguna se toda a Marinha dos farrapos se resumia aos dois lanchões que estavam na Lagoa dos Patos?

Garibaldi explicou sua ideia: os dois barcos deveriam seguir por terra os 80 km até Tramandaí, lá entrar no Rio Tubarão, descer por ele e atacar Laguna pela retaguarda.

Para fazer a ideia funcionar era preciso colocá-los sobre rodas. Então fizeram duas enormes carretas. Cada uma tinha quatro rodas imensas, que mediam 3,20 metros de diâmetro. Para puxar todo aquele peso os revolucionários conseguiram pela região cerca de 200 bois de canga.

Finalmente, foi com enorme alegria e grande estardalhaço que começou a incrível jornada de levar por terra os barcos farroupilhas.

Imagine o espanto daquela gente ao ver aqueles dois veleiros completos, com seus mastros projetando-se para o céu, navegando em plena campina verde dos campos gaúchos.

Era um espetáculo de dimensões épicas, que incluía o alarido de cavaleiros, a algazarra dos condutores incitando os bois e a constante necessidade de improvisar pranchas para evitar que as rodas afundassem no terreno alagado. Foram seis seis dias para chegar, abaixo de chuvas torrenciais e vencendo metro a metro.

Ao chegar foi preciso mais três dias de trabalho para preparar os barcos e, por cruel ironia do destino, mal os barcos entraram na água soprou um fortíssimo vento pampeiro que pegou todos sem aviso e afundou o Rio Pardo. Agora só sobrava o Seival.

Por sorte, navegando rio abaixo, encontraram e apresaram o lanchão Lagunense, que vinha subindo o rio. O novo lanchão não se comparava ao barco perdido, mas era um reforço muito bem-vindo.

Ao chegarem em Laguna viram que a Marinha imperial estava bem instalada e equipada. Contava com diversas embarcações armadas e tinha sentinelas no alto do Morro da Glória, todos atentos à entrada da barra pelo lado do mar. Por sorte não havia sentinelas voltadas para o Rio Tubarão, afinal, ninguém poderia imaginar um ataque pela retaguarda.

No entanto, de repente, no dia 22 de outubro, coisas inesperadas começaram a acontecer. O Catarinense, que estava posicionado para defender a entrada do mar sofreu, um ataque de surpresa, pela popa. O comandante José de Jesus, vendo que perderiam o navio mandou que os marinheiros pusessem fogo na embarcação e fugissem para a terra.

O comandante imperial ordenou aos demais barcos que saíssem para o mar aberto, porém  a escuna Itaparica e o lanchão Santana não conseguiram escapar e acabaram encalhados. O problema, para Garibaldi, é que a escuna Cometa conseguiu sair para o mar. Ela levaria a notícia da queda de Laguna aos imperiais e era certo que logo eles viriam com todas as forças.

Então, os farrapos buscaram se preparar dentro das suas limitações.

Foi neste interregno que Garibaldi, que estava à bordo da escuna Itaparica e seguia com uma luneta as casas da barra de Laguna, observou em terra um grupo de moças e viu, em meio delas, uma donzela que se distinguia pelo porte e beleza e que, num átimo, atraiu sua atenção.

De imediato, fez descer um escaler e remou, alucinado, até a margem. Uma vez em terra, correu até o local onde tinha visto a moça, porém não mais a encontrou.

Suspirou desolado e perdeu a esperança de encontrá-la.

Mas o cupido tem lá suas artimanhas. Mais tarde um morador local o convidou a ir até sua casa para um café e Garibaldi aceitou. E ao entrar nessa se deparou com a jovem que tanto o encantara ao vê-la pela luneta.

Em suas memórias, Garibaldi conta seu encontro com Anita:

“Entramos, e a primeira pessoa que se aproximou era aquela cujo aspecto me tinha feito desembarcar. Era Anita! A mãe de meus filhos! A companhia de minha vida, na boa e na má fortuna. A mulher cuja coragem desejei tantas vezes. Ficamos ambos estáticos e silenciosos, olhando-nos reciprocamente, como duas pessoas que não se vissem pela primeira vez e que buscam na aproximação alguma coisa como uma reminiscência. A saudei finalmente e lhe disse:

‘Tu deves ser minha!’.

Eu falava pouco o português, e articulei as provocantes palavras em italiano. Contudo fui magnético na minha insolência. Havia atado um nó, decretado uma sentença que somente a morte poderia desfazer. Eu tinha encontrado um tesouro proibido, mas um tesouro de grande valor”.

A jovem Ana Maria de Jesus Ribeiro, que viria a ser mais conhecida como Anita Garibaldi e se converteria na “Heroína dos Dois Mundos”, por ter lutado ao lado dos farroupilhas e, depois, pela unificação da Itália, estava com 18 anos quando foi vista por Giuseppe Garibaldi, que tinha 32 anos.

A jovem aceitou unir-se a Garibaldi e recebeu seu batismo de fogo já na batalha naval de Laguna. A armada imperial chegou com força avassaladora e a Marinha dos farroupilhas foi simplesmente trucidada. Anita entrou nessa batalha sem temer pela própria vida e, num frágil bote a remo, cruzou diversas vezes a área de combate levando munições a Garibaldi.

Vendo a situação perdida, Canabarro, o comandante farroupilha, ordenou a retirada e, dias depois, enviou Garibaldi no rumo oeste, com a difícil missão de subir a Serra Geral e tentar recuperar Lages, que havia voltado para as mãos dos imperiais.

Na retomada de Lages Garibaldi viveu sua primeira experiência de combate como cavaleiro. Foi ainda em Laguna que aprendeu a cavalgar e a combater montado. Sua professora foi Anita, aquela moça encantadora que agora era sua companheira inseparável.

Anita, que era uma amazona de grande traquejo, teve em Garibaldi um aluno talentoso e aplicado. Sobre seu aluno de equitação escreveu ela para sua irmã e confidente:

“Querida irmã: (….) pela primeira vez eu o via em ação a cavalo. (…) Felizmente, ele aproveitou bem as minhas aulas de equitação. Eu não conseguia tirar os olhos de cima dele, cheia de admiração pelo modo como conseguia prever os movimentos dos adversários. Era tão bom nisso que conseguia mandar os seus homens para os lugares certos, surpreendendo a todos com a rapidez de suas ações e indo de um lugar para outro com muita velocidade, deslocando-se sem parar, como um perfeito guerrilheiro(…)”.

Regista a história que, naquele memorável dia 14 de dezembro de 1839, 500 soldados republicanos, entre os quais lutou a destemida Anita Garibaldi, enfrentaram e derrotaram os 2.000 soldados imperiais comandados pelo brigadeiro Xavier da Cunha.

Quatro dias depois, em 18 de dezembro, Garibaldi, Anita, Rosetti e Teixeira Nunes, com seus farroupilhas, entraram triunfalmente em Lages e ali reinstalaram os comandos militares e o governo da recém proclamada República Catarinense.

Anita e Garibaldi, desfrutaram, então, de alguns dias de paz e tranquilidade e cultivaram o amor que sentiam um pelo outro. Em meio às paixões políticas e à emoção das conquistas, viverem, com enlevo, momentos de mútuo abandono como só o amor conhece. Aqueles dias de romance e ternura ambos iriam lembrar para sempre.

Por coincidência, Anita era originária de uma família de Lages e ali ainda vivia seu Tio Antônio, que os acolheu afetuosamente. Em sua casa hospedaram-se e puderam compartilhar o mesmo teto pela primeira vez. Anita escreveu para sua irmã:

“(…) Nos dias que se seguiram àquela luta, chegamos a Lajes sem maiores dificuldades e fomos acolhidos alegremente pela família e pelos amigos. Já encontramos uma casinha bonita, toda de madeira. Não consigo acreditar que estou vivendo sozinha com José. Estamos muito felizes, rimos e brincamos de donos de casa, quando os nossos amigos vêm nos visitar. Tio Antônio e José logo simpatizaram um com o outro. Quando eles se encontram, passam horas discutindo sobre a liberdade dos povos. Mas devo confessar que, às vezes, começo a duvidar de que um dia o mundo será realmente diferente. Talvez ele melhore para os nossos filhos, pelo menos é o que espero. Mas o tempo passa e tudo fica como antes. Evito dizer isso aos nossos fervorosos sonhadores, que, por mais que discutam, não sabem dizer por quanto tempo resistiremos em Lajes. Ninguém se arrisca a fazer previsões. As patrulhas falam de tropas inimigas, organizam-se várias expedições. Com certeza José vai ter que patrulhar nos próximos dias, e eu vou com ele. Ficou decidido que ficarei encarregada de reabastecer as tropas de munições, o que me parece uma tarefa útil. Levarei comigo um grupo de companheiros fortes, que estou aprendendo a conhecer, para garantir os transportes. Quero organizá-los da melhor maneira possível (…).

Anita deixara um casamento de conveniência e uma vida de mediocridades para fazer parte das grandes lutas do mundo de seu tempo. E o destino lhe dera o companheiro a que fora destinado pelas estrelas. Sem pensar por quanto tempo a felicidade lhe seria pródiga, vivia momentos de arrebatamento indizíveis.

O Natal chegou e Anita e Giuseppe comemoraram juntos pela primeira vez a grande festa da cristandade. A Missa do Galo, em 24 de dezembro de 1839, foi um momento de profundas emoções para ambos e, ainda mais, para Anita, que aos 18 anos, via desabrochar a grande paixão à qual entregava sua vida sem medos e sem reservas.

A igreja, na Vila de Lages, estava enfeitada com um presépio que tinha uma manjedoura como a contada no Evangelho. À noite, a cena era iluminada por lamparinas que bruxuleavam, inquietas, como os corações do casal que as observava. No centro, o bambino Jesus, esculpido em madeira, tinha os braços abertos, um sorriso angelical e as faces rosadas. Envolto com musgos e ramos de pinheiro, pouco parecia se importar com a modéstia de seu berço. Embevecido, o casal esqueceu o tempo e ali ficou, de mãos dadas, se deixando encantar por aquela atmosfera de fé e esperança que os unia ainda mais. Um sentimento de carinho sem limites os amalgamava em um amor maior do que a vida, enquanto fortalecia seus sonhos para um futuro que desvendariam juntos.

Subitamente, fazendo ecoar sua voz de tenor, limpa e cristalina, naquela pequena igreja de Lages, Garibaldi principiou a cantar a mais linda e a mais italiana das músicas de Natal, Tu scendi dalle stelle, uma canção natalina de simbolismo incomparável que unificava seu país pelo inexcedível amor a Gesù bambino, ainda antes que a Itália tivesse se unido politicamente:

Tu scendi dalle stelle, o Re del Cielo,

e vieni in una grotta, al freddo al gelo.

O bambino, mio divino, io ti vedo qui a tremar.

O Dio beato!

Ahi, quanto ti costò l’avermi amato!

A te, che sei del mondo il Creatore,

mancaron panni e fuoco, o mio Signore!

Caro eletto pargoletto, quanto questa povertà più m’innamora!

Giacché ti fece amor, povero ancora!

(Tu desces das estrelas, ó Rei do Céu,

e vens para uma gruta, ao frio, ao léu.

Ó menininho, meu divino, eu te vejo aqui a tremer.

Ó Deus abençoado!

Que preço tu pagaste por ter-nos amado!

A ti, que és do mundo o Criador,

faltaram roupa e calor, ó meu Senhor!

Querido pequenino eleito, como esta pobreza me faz amá-lo ainda mais!

Porque, por amor, agora te fizeste pobre.)

Como presente de Natal, Teixeira Nunes, o comandante farroupilha, deu a Anita um vestido de musselina, um xale de seda, sapatos de marroquim e um chapéu da moda. Garibaldi ganhou um poncho claro, ricamente trabalhado.

Dias depois a luta recomeçava tão dura e angustiante como antes. Garibaldi e Anita continuaram vencendo mil entreveros pelas plagas do sul nos três anos seguintes, de 1839 a 1841, ano em que Garibaldi despediu-se dos farroupilhas e, ao lado de Anita e de seu pequeno Menotti, seguiu para viver o extenso caminho de conquistas que ainda lhe reservava o destino.

Para saber mais sobre o conteúdo do livro Goio-En, o Caminho e o Tempo, vou apresentar neste canal um punhado de casos e histórias ligados à conquista do Alto-Uruguai gaúcho e das regiões dos Oestes de Santa Catarina e do Paraná, a região que forma o rico Oeste Fértil Brasileiro.

E se você tiver folego para uma maratona de 900 páginas de leitura sobre fatos e histórias de um tempo que merece ser lembrado, Goio-En, o Caminho e o Tempo, da editora Viseu, é uma boa pedida.

Obrigado.

(Clique para acessar a Editora Viseu)

No meio do caminho tem eleição. Tem eleição no meio do caminho.

 

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Dia 02 de outubro tem eleição no meio do caminho; Tem eleição no meio do caminho dia 02 de outubro.

Estamos no rumo certo, mas cuidado: tem uma eleição no meio do Caminho!

No meio do caminho tem um eleição

Tem uma eleição no meio do caminho

  • Desde já aviso aos amigos que vou votar em João Dória. Quero ter a “convicção” (a palavra está na moda) de que voto na continuidade do caminho.

Ainda que aos trancos e barrancos, o Brasil vai avançando e entrando nos eixos. (Ainda com muitos trancos: a receita da União voltou a decepcionar em agosto). Enquanto isto, o barulho dos pinos caindo no strike do boliche anticorrupção da Lava Jato continua. Os corruptos desabam como carreiras de dominós enfileirados. Caiu Dilma. Caiu Cunha. Lula caiu na Lava-Jato.

E ainda tem muito gaiato pendurado se agarrando para não cair. Mas a sociedade está vigilante e a nova ordem vem se afirmando como uma vitória do Brasil. Um triunfo que vem sendo obtido com o espírito e as armas do século XXI. Mas é preciso lembrar Tancredo Neves: Estamos apenas na metade do caminho. Não podemos nos dispersar.

Um ano atrás, quem diria? Estávamos nas ruas. Tínhamos a indignação. Tínhamos a esperança. Tínhamos a determinação. Mas os petebas do poder grudavam em suas benesses e sorviam privilégios com a gula insaciável dos sanguessugas. A corrupção estava institucionalizada e parecia invencível. Vivíamos em uma “propinocracia”, na definição de Deltan Dalagnol, da força tarefa da Lava Jato. E os cabras que haviam tomado o governo viviam à larga, refestelavam-se em um luxo de nababos, voavam pelos céus do Brasil e do mundo na frota VIP da FAB, enquanto se lambuzavam com as delícias, as benesses e o néctar do poder.

Por um momento pareceu aos crédulos que os petistas tinham – heureca! –  encontrado a fórmula do roubo perpétuo, do moto contínuo da propina forrando a burra dos larápios. Os brasileiros decentes, por outro lado, coçavam a cabeça se perguntando como era possível tanta patifaria dar certo por tanto tempo. E muitos se questionavam, diante do êxito aparente da esbórnia escancarada, se ainda valia a pena se manterem honestos.

Mas desafiar a lógica é como afagar um tigre: raramente dá certo. E o PT devia saber: roubar e deixar roubar não é uma ideologia, é uma patifaria. E ao adotar a patifaria como estratégia de manutenção do poder e em escala jamais vista no planeta, seria de se esperar que o fim fosse um fiasco desastroso. E não deu outra. Foi tanta a sofreguidão, tanta a ganância, que sobreveio o descontrole e o caos. Claro, a desatinada da Dilma, perdida em suas mandiocas, deu o empurrão final. Mas o que se roubou neste país foi coisa nunca vista. Um mega rombo para não se esquecer jamais.

  • Vencendo a hidra de mil cabeças

O fato é que, para livrarmos o país do projeto de poder do PT foi preciso vencer a hidra petista de mil cabeças, de mil línguas bífidas venenosas. Foi preciso encetar uma luta árdua, enfrentar chiliques, esperneio e chorumelas, mas o Brasil que tem ambições, que quer um lugar decente na história, combateu o bom combate com a admirável galhardia verde e amarela. Ao chegarmos ao meio do caminho podemos nos orgulhar de que juntos lutamos e juntos vencemos. E é uma alegria congratular-me com você, que esteve aos milhões nas manifestações, que amassou suas panelas para fazer o Brasil ouvir seu clamor, que protestou, incansável, nas mídias sociais. Parabéns a você que foi para o enfrentamento corajoso e sem esmorecimento, que disse a que veio na pugna crucial entre o passado caquético da esquerda corrupta e o ansiado futuro que todos queremos para nosso Brasil. E que só depende de nós.

Com o país ainda se debatendo na maior crise de nossa história, não tínhamos mesmo escolha. Não queríamos um destino cafajeste. Um futuro de bagre chafurdando na lama rasa. Era preciso reagir. Era preciso demolir o Carandiru ideológico com que Lula e os seus asseclas aprisionavam o Brasil; em que prendiam os brasileiros por meio de um emaranhado de mentiras, demagogia, e engodos.

  • Definindo o país que queremos

Não podemos morrer na praia. Seria uma pena esmorecermos agora. Podemos lembrar Tancredo Neves quando dizia “Enquanto houver neste país um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa”.

Existe muito a ser feito, é verdade. Há montanhas de entulho para limpar. Bobalhões desfilando asneiras. Desocupados atrapalhando o trânsito. Mas, sem recear o lugar comum, todo começo começa pelo princípio.

O mais importante é nos entendermos sobre o Brasil que queremos. E definirmos o que, como sociedade, queremos fazer do país.

O que sabemos, desde logo, é que qualquer organização – e um país é um tipo complexo de organização – se apoia em um triângulo com três vértices:

  1. – Recursos Humanos
  2. – Recursos Materiais
  3. – Sistemas.

Os Recursos Humanos, as pessoas, vem em primeiro lugar. E elas é que se valem dos recursos materiais e dos sistemas para fazer o país funcionar. Os recursos materiais, ao contrário do que muitos pensam, não fazem a riqueza de uma nação. Nossa maior riqueza não é o pré-sal. Não é o ferro, ou o ouro ou os diamantes. Nem mesmo a Amazônia, o cerrado, o sertão, o pantanal, os pampas do sul. Nossa maior riqueza é a gente brasileira. É nosso povo. Com ele, tudo será possível. Sem ele, seremos tribos perdidas, grupos erantes, confusos e quebrantados.

Mas os recursos materiais contam muito. E nossos recursos naturais contam muito mais. Nossa prosperidade haverá de voltar muito pela generosa mão da natureza com que o Brasil foi abençoado. Os recursos naturais que temos são superlativos. Temos muito e temos em abundância, tanto temos que podemos sermos ufanos de nosso país. Mas lembrando sempre que, sem a atividade produtiva de nossa gente, nossos recursos naturais são apenas paisagem. Se não forem tocados pela mágica transformadora do homem, continuarão ali, inertes, pelos tempos afora, sem gerar riquezas e sem contribuir para melhorar a vida do povo ou para enriquecer seu futuro.

A propósito, o Brasil tem dois exemplos do que pode ser conseguido fazendo certo as coisas certas: o agronegócio, que prosperou graças aos empreendedores que vivem no campo, longe dos predadores de Brasília, e a Embraer, que é até “brasileira” (note as aspas…), mas que soube escapar do alcance da burocracia rapinante que esculhamba tudo o que toca neste país e foi progredir lá fora.

  • Tudo depende de nós. 

Um país não se faz apenas amontoando pessoas em um território. Países existem que acumulam seres e vidas, mas que são lástimas, que são catástrofes. Temos vizinhos como a Venezuela, a Bolívia e o Equador nesta categoria de paspalhões fracassados.

Sem bons governos e bons sistemas não existem bons países. Sem bons governos, as nações se desorganizam, ficam improdutivas e sofrem os efeitos deletérios da desordem. O resultado é que seus povos vivem vidas desgraçadas, vidas sem perspectivas, vidas miseráveis.

O que vai fazer a diferença é a educação. Segundo Sydeny Harris, o principal propósito da educação é transformar espelhos em janelas. É facultar às pessoas uma visão capaz de abarcar o mundo e permitir que compreendam os fatos elementares da vida e da natureza. Desta compreensão nasce a sabedoria. E da sabedoria de um povo surgem bons governos e bons países.

A sabedoria permite compreender que não se pode viver de mentiras e engodos. E que a nossa condição humana nos impõe a crueldade da matemática: nenhuma nação se poderá sustentar de pé se seu povo não tiver juízo. Se gastar mais do que tem. Infelizmente é possível, sim, usar o cheque especial para viver uma fantasia passageira, gastando por conta. Alimentar um sonho demagógico, uma ilusão aberrante, por algum tempo. Mas a ilusão passageira cobrará bem caro na hora da conta. E a conta sempre vem: a economia não se defende, ela se vinga.

Confúcio, que viveu 500 anos antes de Cristo, explicou existirem três métodos para adquirir sabedoria: Primeiramente, pela reflexão, que é a mais nobre; Em segundo lugar, pela imitação, que é a mais fácil; e terceiro, por experiência, que é a mais amarga. E tudo leva a crer que nós, brasileiros, preferimos a última. Acho que temos uma queda para o sofrimento. Affêe!!!

Conclusão I: A sabedoria de um povo é que define seu destino. Todos conhecem a fábula de Esopo que narra a história de uma cigarra que canta durante o verão, enquanto a formiga trabalha acumulando provisões em seu formigueiro. No inverno, desamparada, a cigarra vai pedir abrigo à formiga. Esta, a formiga, pergunta o que a outra fez durante o verão. “Eu cantei”, responde a cigarra. “Pois então agora, dance”, rebate a formiga, deixando-a do lado de fora. A fábula de Esopo é um ensinamento que vem da sabedoria da experiência. E permite concluir que um povo operoso será recompensado com a prosperidade. Um povo de tolos terá o destino dos tolos: as carências, a miséria e o sofrimento desnecessário.

O terceiro vértice corresponde aos “Sistemas”. Estes determinam o que fazemos, como fazemos, quando fazemos e porque fazemos. O governo está neste vértice e seu papel de líder e organizador equivale ao do cérebro em nosso organismo. A gente até deveria saber disso, posto que nossa sabedoria popular sempre ensinou que “quando a cabeça não pensa o corpo padece”…

Em síntese, um governo inteligente organiza os sistemas de modo a formar um todo coerente, bem balanceado e holístico, capaz de funcionar e ser eficiente. Até aqui, salvo os eventuais misantropos, suponho que todos estejamos de acordo. Deste ponto em diante, contudo, é que as divergências começam a separar a humanidade em dois grupos irreconciliáveis: os “fazedores” e os “tomadores”.

  • A divisão do mundo em dois grupos: Os “fazedores” e os “tomadores”

Os “fazedores” são os românticos da ação. Para estes, o mundo é como um pomar. Entendem que sua tarefa no mundo é plantar, adubar, regar, combater as pragas, colher e distribuir a colheita para que todos possam se saciar. Para os “fazedores”, um país rico é cheio de pomares (e fábricas, lojas, escritórios; óbvio, né mesmo?) onde os laboriosos colhem frutos em abundância. Os fazedores acreditam que fazer um país se tornar rico é fácil. Basta que todos se disponham a plantar pomares e obedeçam as regras da natureza. Como são sábios, compreendem que existe um tempo para plantar e um tempo para colher. E que é preciso saber semear, esperar que as sementes germinem, que as plantas cresçam, que as flores se convertam em frutos. Que os fruto amadureçam. Daí que sua maior aspiração é poderem plantar e colher sem obstáculos. Sua crença: a produção transforma o mundo. Sua fé: se muito for produzindo, muito haverá para todos e não haverá ninguém com fome.

Já os “tomadores” acham que o mundo é um galinheiro onde eles são as raposas.

Existem “tomadores” à esquerda e à direita. Os da direita são os folgados, os vagais, os parasitas. Sabem o que deve ser feito, mas não estão a fim de trabalhar. Ponto.

Já na esquerda, petistas inclusos, os “tomadores” acham que seu papel é “redistribuir” a riqueza que os outros produzem. Se pensam os justiceiros da humanidade.

Esses boçais vivem olhando ao redor. Onde alguém criar um caminho, eles tratam logo de colocar uma pedra, “regulando” e taxando a atividade. Esta fúria arrecadatória não começou com a indústria da multa do Haddad, embora, devo reconhecer, este a tenha refinado para o padrão da tortura chinesa. A fúria arrecadatória já era assim nos tempos coloniais dos tropeiros e no “Caminho de Viamão”. O tropeiro suava sangue para trazer do extremo sul gaúcho uma tropa de muares ou gado, vindo por trilhas intransponíveis, cruzando os Campos de Vacaria cheio de obstáculos, enfrentando os índios Xokleng e os Coroados Kaingang e quando, mil quilômetros depois, chegava em Lages, tinha que pagar um “pedágio” para cada cabeça de boi ou lombo de mula que houvesse sobrevivido.

Essa obsessão de tudo controlar e regular chega a ser uma patologia. Acredito tratar-se de uma compulsão atribuível a uma fixação freudiana na fase anal. Parece humor escatológico, mas não é, pois, como se sabe pela psicologia, a fixação na fase anal leva ao desejo compulsivo de controlar tudo e todos. Explico: o sujeito que não conseguia controlar sua evacuação na infância, que se abraçava ao vaso sanitário pedindo “cocô, volta aqui”, enquanto chorava ao vê-lo ser levado pela descarga, agora quer compensar controlando a vida de quem trabalha e produz. É o fim da picada. E como para o pirado esquerdista-anal vale tudo, dá-lhe discurso apelativo, demagogia, mentiras, engodos e enrolação.

O cúmulo, contudo, é que o esquerdista brasileiro pensa que o país lhe deve uma cornucópia. Para quem não sabe, a cornucópia, na mitologia grega, era um dos cornos do bode Amalthea, o qual seria dotado da propriedade mágica de prover quantidades ilimitadas dos mais variados e deliciosos manjares e guloseimas. Do corno vinha mel, doces, frutas, e, seria de supor que, para atender ao surpreendente paladar petista, viriam também fantásticos sanduíches da melhor mortadela. E sendo que nada neste mundo é mais parecido com uma cornucópia do que um emprego público no Brasil, o sonho do petista padrão é uma sinecura ou uma boca no governo.

  • O Brasil merece bons sistemas 

Apesar dos pesares, no Brasil já somos um país. (Que bom!). Mas somos latino-americanos. (Que mau!). E, portanto, somos disfuncionais. Acreditamos em coisas que não existem, como na capacidade do governo criar riqueza. Ou na capacidade de funcionários púbicos resistirem à tentação. Em compensação, não sabemos ligar causa com efeito. O arguto e saudoso Nelson Rodrigues dizia que toda a vez que via um brasileiro ligar causa ao efeito tinha um orgasmo. Acho que os teve poucos.

O ponto chave é entender que, no século XXI, um governo deve ser um maestro. Em sociedades amadurecidas, os cidadãos não precisam da tutela do governo. E um governo deveria ter sua avaliação de forma automática. Se seus indicadores mostrassem incompetência, o sistema acionaria a ejeção e pimba: o governo seria mandado para o espaço.

O maior dos indicadores seria a qualidade do gasto público. Quando o governo começasse a gastar mais nas atividades meio do que nas atividades fim, tocaria o alarme da ejeção. Se um governo começa a enriquecer os amigos e a mandar as contas para o povo receberia um aviso de alerta e, se insistisse, seria demitido pelo computador. Estamos chegando a um tempo em que ninguém mais aceita ser escalado para ser trouxa a vida inteira.

Os governantes deveriam ser servidores do povo. Com crachá. O presidente deveria fazer como o Papa e lavar os pés do povo ao menos na páscoa da ressureição. Mas no Brasil, os membros dos três ramos do governo ainda se acham no direito de desfrutar das glórias imperiais. Vivem em palácios, voam nos tapetes voadores da FAB e desfrutam da coisa pública como se vivêssemos em um reino das arábias. É uma pouca vergonha daquela muito sem vergonha. Mas temos que nos curvar ante a dura verdade, a doída verdade: nenhum país pode ser latino-americano impunemente.

O que precisamos cultivar no Brasil é um pouco de bom senso. É lutarmos para criarmos sistemas balanceados com um mínimo de equilíbrio ganha-ganha. Sistemas feitos com uma beirada para incluir o povo e em que os dois lados ganhem.

Talvez venhamos a concluir que isto implica em refundar o Brasil. Fazer um nova constituição para o novo século. Todavia, só um imbecil anacéfalo irá acreditar que estes políticos mentecaptos, ou os políticos da velha ordem, sejam capazes de largar o osso que roem desde o descobrimento. Que se disponham a criar sistemas isentos da velha sacanagem patrimonialista nacional que os fazem marajás. De modo que, para mudar mesmo, precisamos, antes, reinventar a participação moderadora da sociedade no desenho de nosso destino.

Como as mídias tradicionais tem se mostrado limitadas é preciso contar com a mobilização das mídias sociais e, especialmente com as ruas. A estas cabe mostrar força e união. Às ruas cabe neutralizar os esforços bucaneiros dos piratas de nossa política.  Sem uma presença massiva desta nova forma de mobilização social seria repetir a velha história: “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte”. Lamento dizer, mas penso que apenas se, e quando, a sociedade ficar de olho e contar com pesos e contrapesos eficazes, os políticos e agentes públicos se portarão com a devida decência. Por exemplo, é impossível esperar reformas do atual congresso, formado por compadrio entre 28 partidos que repartem o mando. O resto é devaneio de noite de verão.

Conclusão II: Um bom sistema é como a virtude, que só é boa quando a serviço de uma boa causa. Como lembrava Santo Agostinho, “uma virtude a serviço do vício agrava o vício!”. Carlos Lacerda, ao dar um exemplo sobre esta frase da tribuna da câmara, disse, certa feita, que “a pontualidade é uma virtude, mas se for usada para ir ao bar para beber com pontualidade, vai agravar o vício da bebida.”

De maneira que redesenhar o sistema político precede outras providências. É preciso redesenhar os canais pelos quais fui a democracia. Hoje o sistema é uma enganação. As elites fingem que mudam mas, mudar mesmo, não mudam nada. A habilidade com que os políticos “espertos” manipulam as leis e normas em seu favor nesta grande pátria tropical ficou cabalmente demonstrada no arranjo inconstitucional sobre os direitos políticos da Dilma.

  • Fórmula para arrumar a casa

Se fosse para consertar de vez, não seria preciso reinventar a roda: o mundo desenvolvido já mostrou claramente que os mecanismos que melhor funcionam são aqueles baseados em dois princípios:

  1. – Voto distrital – A experiência demonstra que o distrito tende a eleger o melhor candidato de sua área. O conjunto de distritos tende a eleger um congresso com compromissos claros com suas comunidades, o que resulta em um congresso melhor.

(A dificuldade: Os políticos profissionais fogem dessa discussão porque, na hora de se discutir o tamanho dos distritos, o povo de São Paulo vai querer saber porque, para a câmara federal, o voto de um cidadão de Roraima vale 10 vezes mais do que o de um cidadão paulista. E não vai gostar de ficar na segunda classe. Nem de saber que é o que mais paga e é o que menos recebe.

2. – Parlamentarismo – Os mecanismos do parlamentarismo favorecem a governabilidade e ajudam a neutralizar os vícios e as inevitáveis crises do presidencialismo.

(A dificuldade: o presidencialismo de “coalisão” é o regime das melhores negociatas. Vender o voto é um excelente negócio. Somado aos lucros da corrupção, tem sido melhor do que encontrar ouro no quintal.)

  • Pedra à vista: estamos no meio do caminho 

Estamos no meio do caminho. Mas no meio caminho já estávamos quando conquistamos as eleições diretas. Parecia, naquele tempo d’antanho, que havíamos de seguir em frente. O governo de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo, foi auspicioso e parecia indicar um tendência pela prosperidade autossustentada. Mas, ledo engano: nossa natureza de sul-americanos não demorou a aflorar e a nos submeter. O Belzebu colorado que jura ao povão que dá para viver de milagre, de efeitos sem causa, voltou com seu tridente para nos afastar da lógica e do bom senso. Caímos novamente na tentação das delícias grátis. E agora, no fundo do poço, devemos enfrentar uma penosa e lenta recuperação. Ou, pior, descambarmos de vez, seguindo no destino dos rebotalhos do mundo, a exemplo de Cuba, da Venezuela e de outros fracassados deste e do outro lado do Atlântico.

Mas haveremos de vencer, certo? Vamos enfrentar nossa realidade de frente, esconjurar nossos pecados, cortar as asas da corrupção, ficar de olho no desejo de nossas “zelites” picaretas de meter a mão e de misturar o público com o privado. Temos que acreditar que o impeachment de Dilma, a cassação de Cunha e o indiciamento de Lula no Lava-Jato são sinais de um provir mais promissor.

Uma saída, mais à frente, possivelmente será uma nova constituinte para o século XXI. A Atual constituição é desbalanceada e conduz a uma instabilidade permanente. Até seria muito bom se nosso dinheiro desse, mas o Brasil não tem como manter todos os privilégios, regalias, direitos e benesses contemplados na atual carta. Esta constituição está além de nossas possibilidades. É triste reconhecer, todavia, que enquanto esta perdurar, vamos viver em crise permanente.

  • E a eleição no meio do caminho?

Escolher mal agora pode desperdiçar toda a caminhada já feita. E recolocar as pedras que conseguimos tirar do caminho.

Por isso, como revelei com candura, vou votar em João Dória para prefeito de São Paulo.

Conheço o candidato pessoalmente e já trabalhei com ele em uma parceria internacional. Sei, de primeira mão, que é preparado, competente e trabalhador. O mais importante: acho que, com ele, vamos poder contar com São Paulo para continuar a caminhada no rumo do Brasil decente que queremos.

Que me desculpem os petistas e os vermelhos em geral, mas, com o entusiasmo da esperança, não posso deixar de bradar: Viva o Brasil verde e amarelo.


Ceska – O digitaleiro