


“Globe-trotter” é uma expressão de origem norte-americana que, segundo o dicionário, significa algo como “viajante do mundo”. A expressão refere-se a uma pessoa cuja atividade e interesses a levam a viagens frequentes para os mais diferentes e distantes recantos do globo. Portanto define com perfeição o Pe. Cherubin e sua vida de viajante à serviço da saúde, de sua ordem religiosa, da Igreja e, por mais de um lustro, à serviço de dois Papas.
– Vocação e reconhecimento
Guiado pela vocação religiosa, o Pe. Cherubin abraçou seu ministério tanto com idealismo e abnegação como com o senso de missão que recebeu das palavras de Tiago, quando dizia, em sua Epístola que a “a fé sem as obras é morta”.
Para o Pe. Cherubin, assim como o era para Tiago, a verdadeira fé não é apenas crer, mas, sobretudo, agir. Todavia, em seu entender, as obras que contam são aquelas que produzem um bem mensurável. Obras sem resultados positivos seriam tão vazias como aquelas boas intenções que o vulgo diz que forram o inferno. Daí que, tomado por essa obsessão por obras proveitosas, acabou por descobrir a obra de seu colega religioso, o padre Luca Pacioli, o frade franciscano, matemático e teólogo italiano conhecido como o pai da contabilidade moderna. O Frei Pacioli, em 1494, publicou a obra “Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita”, na qual descreveu a contabilidade das partidas dobradas. Não a inventou, propriamente, mas divulgou o método que já era usado por mercadores venezianos. Seu mérito foi ter sido o primeiro a publicá-lo, tornando-o amplamente conhecido. O fato é que a sua obra é a base da contabilidade moderna. E o Pe. Cherubin, ao se dar conta de que a contabilidade permitia não só avaliar, como dar direção e qualidade para as obras que realizava, se tornou um estudioso da contabilidade. E todas as suas iniciativas passaram a ser meticulosamente planejadas, organizadas, realizadas e avaliadas com as melhores práticas contábeis. E esse era o segredo de seu fulgurante sucesso.
Assim, munido desta disposição de agir para provar sua fé foi que, desde os primeiros dias do seminário, sentiu-se cativado pela exortação de São Camilo de Lellis, o fundador dos camilianos, que recomendava a seus seguidores “ter mais coração nas mãos”. Então passou a pautar sua vida religiosa por esses dois princípios básicos: mostrar sua fé pela ação concreta, de resultados medidos e comprovados, e consagrar-se à causa da saúde e da humanização nelas colocando todo o empenho de seu coração.
Possivelmente estimulado pelo episódio de sua partida da Vila de Balisa, no dia 11 de janeiro de 1943, que sempre recordava com grande carinho, que relata em suas memórias e contou com detalhes a este articulista, acabou por tornar-se um autêntico “homem da Renascença”. O dia de sua partida foi um dia importante para a Vila de Balisa. Nunca antes um garoto da localidade tinha partido rumo a um seminário. Por isto Niversindo Cherubin foi acompanhado por um numeroso séquito até a estação ferroviária. Aos seus olhos, era uma multidão. Vieram despedir-se os parentes, os colegas da escola, os amigos e até muitos curiosos. E sua decisão de entrar para o seminário criou na comunidade o que o Pe. Cherubin definia como “clima vocacional”. Diversos outros garotos de Balisa seguiram seu exemplo. Sua mãe estava orgulhosa. Nos dias que precederam o embarque fazia questão de apresentá-lo como o membro da família que iria ser padre. O episódio o fez sentir-se importante para sua gente e disposto a empenhar-se para não os desapontar.
– CIDADÃO DO MUNDO
Convertido em cidadão do mundo, carismático, líder, educador e empreendedor, o Pe. Cherubin passou a aplicar seus conhecimentos em administração, contabilidade e auditoria para melhorar o desempenho de instituições de caridade e de saúde, tanto daquelas de sua ordem religiosa como de quaisquer outras dedicadas a causa do bem. Seu talento invulgar para organizar e obter resultados logo o fez destacar-se e o levou para dezenas de países ao redor do mundo. Seu desempenho e competência em solucionar problemas complexos e enfrentar desafios com serenidade e bom senso acabou por lhe angariar o respeito da Misereor, possivelmente a mais rica e generosa das organizações católicas do mundo. A entidade, que apoia ações de combate à pobreza na África, Ásia e América Latina, pertence a Igreja Católica da Alemanha e é dirigida pela Conferência dos bispos alemães. Pois foi precisamente a Misereor, com todo seu prestígio e influência, que recomendou ao Papa Paulo VI o nome do Pe. Niversindo Cherubin. O Sumo Pontífice acolheu a indicação e, na data de 4 de abril de 1977, formalizou sua nomeação como membro do prestigiado “Pontifício Conselho Cor Unum para a Promoção Humana e Cristã.
CONSELHEIRO DO PAPA
O Conselho “Cor Unum” era presidido por um cardeal e formado por 34 conselheiros convidados pelo Papa para duas tarefas: examinar a política da Igreja Católica no campo social e apreciar os critérios de distribuição de doações que chegavam ao Vaticano. Especialmente aquelas destinadas a mitigar os efeitos das catástrofes que ocorriam no mundo.
O Conselho funcionava com seu escritório central instalado no prédio do Vaticano, no mesmo andar da residência do papa. Por óbvias questões de segurança, o acesso era restrito e cada membro do conselho recebia uma credencial especial que dava acesso ao local.
– Missões e viagens a serviço da solidariedade
As atividades do Conselho eram intensas. As reuniões oficiais ocorriam anualmente, sempre em novembro, com duração de uma semana. No entanto, ao longo do ano, os membros eram enviados para participar de grupos de trabalho em diferentes países, contribuindo para definir a destinação de doações e para a formulação de políticas sociais e humanitárias, e, sendo enviados para representar a Igreja em várias iniciativas humanitárias.
– A proximidade com os Papas
O encerramento dos trabalhos do Cor Unum era marcado por cerimônias de grande significado, realizadas na sala de audiências pontifícia, sempre com a presença do Papa. Nessas ocasiões, o pontífice costumava concelebrar missa com os conselheiros e, em seguida, convidava-os para um café da manhã em sua companhia — momentos de comunhão e partilha espiritual que reforçavam o compromisso com a missão do conselho.
– Uma missão que atravessou pontificados
O falecimento do Papa Paulo VI, em agosto de 1978, seguido pela breve passagem do Papa João Paulo I, não interrompeu a trajetória de Pe. Cherubin no conselho. O Papa João Paulo II reconheceu a importância de sua contribuição e o manteve entre os conselheiros, permitindo que sua atuação se estendesse até 12 de junho de 1984. Assim, pelos sete anos de seu mandato, o Pe. Cherubin influiu nas decisões de caridade da Igreja e tornando-se um verdadeiro “Globe-trotter do Papa”, levando solidariedade e esperança aos lugares mais diversos do planeta.
O GLOBE-TROTTER DO BEM PROMOVENDO A EXCELÊNCIA
A reconhecida expertise demonstrada pelo Pe. Cherubin em auditar e reorganizar a vida administrativa e financeira das entidades e instituições o levaram a ser enviado por sua Ordem Religiosa para “arrumar a casa” nos cantos mais inesperados do mundo. A começar pelos Estados Unidos. Lá ele descobriu que seus colegas americanos não tinham a menor ideia do que fosse uma administração hospitalar profissionalizada. Depois de diversas controvérsias e repetidas visitas de religiosos brasileiros liderados pelo Pe. Cherubin, a Comissão Econômica Central da Ordem, em Roma, entendeu que o melhor a fazer era entregar de vez a gestão da Província Camiliana dos Estados Unidos para a comprovada competência da Província Brasileira. O que foi feito.
– A reestruturação administrativa da Ordem dos Padres Camilianos
Um dos problemas enfrentados pelos camilianos era seu sistema antigo de organização administrativo-financeira. A ordem tinha casas espalhadas nos mais diferentes cantos do mundo, mas vivia assolada por dificuldades que comprometiam sua missão religiosa. Em 1977 o Pe. Cherubin sugeriu a criação de uma diretoria financeira internacional para gerir sua área de economia e finanças. A convenção Geral da Ordem acatou a sugestão criando a “Comissão Econômica Central”. O Pe. Cherubin começou por unificar os demonstrativos contábeis segundo os procedimentos contábeis internacionais, fixando grupos de contas para o Ativo, o Passivo, as Receitas e Despesas. E estabeleceu que os demonstrativos anuais das províncias fossem assinados por três pessoas: o Padre Provincial, o Diretor Financeiro (o “Ecônomo”) e o Contador da Província. A ele foi atribuída a tarefa de fazer o exame prévio da situação financeira de todas as províncias camilianas do mundo e produzir um relatório a ser analisado pela Alta direção da ordem.
– Missões de aconselhamento, consultoria e reestruturação
Sua missão como o mentor administrativo dos camilianos de sua geração o levou à missões de aconselhamento, consultoria e reestruturação de instituições de muitos países, a começar pelos Estados Unidos, como já vimos, mas que incluem países do Extremo Oriente. Em 1988 recebeu a incumbência de avaliar a situação da Província Camiliana de Taiwan. Para esta missão convidou o Administrador Hospitalar Naírio Augusto dos Santos, que já tinha comprovado sua competência na gestão da Consultoria Hospitalar no Rio Grande do Sul. A viagem de ambos começou por Hong Kong, passou por Taiwan e se estendeu ao Japão.
Ainda 1988, nos meses de outubro e novembro, passou 40 dias em viagem para conhecer e avaliar as Províncias Camilianas da África. Visitou Burkina Fasso, Benin, Tanzânia, Quênia, Etiópia e Costa do Marfim.
Entre os países que visitou a trabalho, em pesquisa ou em busca de conhecimentos, além dos já mencionados países de sua formação, como Itália, França, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Portugal Espanha e o Canadá, Incluem-se a Rússia, a Suécia, Noruega, Irlanda, Islândia, Dinamarca (incluindo a Groenlândia), o México, Cuba e Guiné Bissau e Egito.
No período em que fez parte do Conselho Cor Unum visitou a totalidade dos países da América do Sul e a maioria dos países da América Central.
PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO INTERNACIONAL DAS MISERICÓRDIAS.
Ao lado de suas atividades como religioso, o Pe. Cherubin atuou como dirigente das Santas Casas de Misericórdia brasileiras e na Confederação Internacional das Misericórdias, da qual foi eleito Presidente para o período de 2003-2005.
Sua principal atividade internacional na presidência da Confederação foi convocar e presidir o IV Congresso Internacional das Misericórdias, que foi realizado em Florença, na Itália, de 14 a 17 de outubro de 2004.
O Legado
O Pe. Cherubin dizia que preocupação de qualquer pessoa, desde o nascer, deve ser de deixar um legado que contribua para o aprimoramento dos seres humanos, da família, da comunidade, do país e do mundo. Se o universo habitado conseguiu aprimorar o desempenho das pessoas e se estas encontram a cada novo dia mais qualidade de vida, isso deve-se certamente a contribuição de pessoas que se preocuparam com deixaram um seu legado de exemplos, de conhecimentos e de obras. Victor Hugo disse, com muita propriedade, no seu livro “Os miseráveis” que a preocupação da pessoa deve ser sempre a de permanecer vivo entre nós, mesmo que ela já não esteja mais entre nós.
Victor Hugo indicava para tal elementos básicos que ela deveria atingir e materializar enquanto viva. Devia escrever um livro, fundar uma escola ou criar uma entidade. Em seus 51 anos como superintendente da Sociedade Beneficente São Camilo fomentou uma expressiva evolução na área da assistência à saúde brasileira, tanto na criação de hospitais quanto na de diversas outras entidades camilianas dessa área.
Quando assumiu como diretor administrativo do Hospital São Camilo Pompéia, em 1961, os camilianos mantinham no Brasil tão somente aquele hospital, parcialmente concluído, com capacidade de apenas 73 leitos. Cinquenta anos depois o Grupo São Camilo dispunha de 41 hospitais, 3.451 leitos, realizava anualmente 116.385 cirurgias 51.527 partos e 6.734.725 exames de diagnóstico. Criou os Cursos de Administração Hospitalar, plantou a semente do Centro Universitário S. Camilo e escreveu 12 livros que ainda são referencias na gestão hospitalar brasileira.
Seu pai, que faleceu tão precocemente, sua mãe, que o estimulou a buscar sua realização no sacerdócio, seus tios que custearam o seminário de Iomerê, os parentes, colegas e amigos que acompanharam o embarque de Niversindo Antonio Cherubin na estação da Vila de Balisa hão de estar orgulhosos, estejam onde estiverem, de fazerem parte da história de vida daquele menino que saiu de Balisa para conquistar o Mundo.