DE BALISA PARA O MUNDO – A SAGA DO PADRE NIVERSINDO CHERUBIN (CRIADOR DA 1ª FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL)

De Balisa para o Mundo – Primeira Parte

Resumo biográfico de Niversindo Antonio Cherubin, padre camiliano nascido na Vila de Balisa em 30 de setembro de 1931 e que morreu aos 92 anos, em 15 de setembro de 2023, em São Paulo. Esta é a fascinante história de uma vida dedicada ao aprimoramento do setor de saúde ao redor do mundo por meio da melhoria das boas práticas em administração e finanças. É a história do legado de um filho de Erechim que viajou pelos quatro cantos do mundo para divulgar conhecimentos, realizar missões junto a hospitais e entidades camilianas nas américas, na Europa, e no Oriente e como enviado dos Papas Paulo VI e João Paulo II.

Existem homens cuja visão, talento e capacidade realizadora lhes dão fama e fortuna. Muitos deles apreciam o proscênio e buscam brilhar nas altas esferas midiáticas e sociais. Existem outros, contudo, dotados de igual visão, talento e capacidade realizadora, que preferem a consciência do dever cumprido.

Niversindo Antônio Cherubin figura neste segundo grupo. Homem de visão e de ação, era dono de cultura excepcional e focado em resultados. Trabalhador incansável, realizador, mas disciplinado, não descuidou de sua formação pessoal. Além de teólogo de formação fez pós-graduação em Administração Hospitalar na Faculdade de Saúde Pública, em São Paulo e, no afã de seguir a regra de ouro da administração, “aprendas a fazer para poderes mandar”, fez contabilidade e todos os cursos ligados à operação hospitalar que encontrou, desde lavanderia hospitalar a técnicas de esterilização e logística. Graças a esta diversidade de interesses e conhecimentos nas áreas de gestão e finanças, somadas à seu talento como poliglota, músico, editor de livros e revistas, autor de mais de 12 livros e centenas de artigos, especialmente em administração hospitalar, tornou-se um autêntico “polímata”, o termo que define o chamado “Homem da Renascença”, ou “homem universal”, aquele dotado de múltiplas habilidades e vasto conhecimento em múltiplas áreas.

Niversindo Antonio Cherubin tinha 12 anos quando embarcou na estação da Vila de Balisa no trem que o levaria para para o seminário Camiliano em Iomerê, Santa Catarina. Nunca, nem por um minuto, arrependeu-se de seguir sua vocação religiosa. Começou estudando no seminário em Santa Catarina, depois em São Paulo e, por fim, foi cursar teologia na Itália, onde, aos 24 anos, tornou-se sacerdote católico. A cerimônia de ordenação foi realizada na diocese de Pádua, no dia 17 de junho de 1956, dia de Corpus Christi. Alguns dias depois, já padre recém ordenado, começou os preparativos para voltar ao Brasil. Foram dias de regozijo pelo objetivo alcançado, mas, como revela em sua autobiografia, entremeados pela tristeza de imaginar que estava deixando para trás a terra de seus ancestrais. A bela e luminosa Itália que cativara sua alma sensível e que aprendera a amar profundamente. Temia que, talvez, para lá só pudesse retornar em seus sonhos e memórias, como aconteceu a tantos dos emigrantes vindos para o Basil.

Em seu caso, por felicidade, esse foi um temor totalmente infundado. Ao longo de seus profícuos 68 anos de atividades, como camiliano e arauto da administração, tantos foram os encargos e missões recebidas ao redor do mundo que viajou pelos quatro cantos do planeta e, na azáfama de suas incumbências, raros foram os anos em que não precisou voltar uma ou mais vezes à Itália de seus ancestrais.

O que aconteceu foi que, tão logo retornou ao Basil, foi chamado a colocar seu imenso talento e notável capacidade realizadora a serviço do carisma religioso da Ordem Camiliana, a organização religiosa a que pertencia e que é conhecida como a “Ordem dos Ministros dos Enfermos”.

PRIMEIRAS INCUMBÊNCIAS.

Para surpresa do recém ordenado Pe. Cherubin, ao invés de ser enviado para o interior acabou designado para atuar na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, na Vila Pompéia, na cidade de São Paulo. A Paróquia ficava, e ainda fica, ao lado do Hospital São Camilo. Na época esse era tão somente um acanhado hospital de bairro e não o portentoso nosocômio que a competência como administrador e o toque de midas do Padre Cherubin deu origem a um dos maiores e mais bem avaliados hospitais paulistanos. A instituição líder da rede camiliana brasileira, que, atualmente, possui quatro hospitais na capital paulista, somando mais de 750 leitos de alto padrão, além de dezenas de hospitais espalhados por todo o país, inclusive com unidades próximas a Erechim, nas cidades de Concórdia e Seara, em Santa Catarina.

Inicialmente, entre suas funções na paróquia estava a de celebrar as missas diárias, sendo duas aos domingos e, aos sábados, tocar órgão nos numerosos casamentos festivos realizados na paróquia. O órgão era um Hammond elétrico, igual ao da antiga Matriz S. José, de Erechim. No instrumento de sonoridade equivalente ao dos órgãos de tubos, equipado com dois teclados e pedaleira, o Pe. Cherubin tocava a Marcha Nupcial, durante a entrada da noiva, e a Ave Maria, de Gounod ou Schubert, segundo a preferência dos noivos, durante a bênção das alianças. Essas eram as músicas tradicionais. A Ave Maria, inclusive, usualmente era cantada pelo Pe. Contardi, um tenor lírico de bela voz, que invariavelmente era aplaudido pelos presentes. Outras músicas do repertório religioso ou clássico e, mesmo, popular, que combinassem com a cerimônia, podiam ser solicitadas. O fato dos casamentos da paróquia serem musicados pelos padres passou a atrair muitos casais interessados naquele diferencial e era preciso agendar a data com meses de antecedência. Os noivos também costumavam ser generosos na gratificação aos músicos. Para a igreja da Pompéia, que vinha lutando por recursos, aquela era uma ajuda muito bem-vinda.

Outra incumbência que Pe. Cherubin recebeu, tão logo chegou, foi a de dirigir a revista “A Cruz Misteriosa”. O título era uma alusão a enorme e chamativa cruz vermelha que os camilianos ostentam no peito de suas batinas. Eu me lembro da primeira vez que a vi. Eu deveria teria uns dez, onze anos. Um padre vestindo batina com a grande cruz vermelha bordada na altura do peito entrou na loja de meus pais. Soube, tempos depois, por minha mãe, que aquele padre que vestia a batina com a cruz tinha ido lá para apanhar a chave do órgão da Matriz S. José. A chave ficava com minha mãe por ela ser a organista oficial da igreja e tocava nas missas e cerimonias solenes e nos casamentos. Ligando os pontos, imagino que esse padre tenha sido o Padre Cherubin. Pena que nunca tenha lembrado de confirmar com ele.

O fato é que, quando recebeu missão de cuidar da publicação oficial dos camilianos no Brasil a revista era de tamanho pequeno e tinha 24 páginas. Sua impressão era feita em uma pequena gráfica instalada no porão da igreja. Apesar do nome pomposo de “Artes Gráficas S. Camilo”, só imprimia a revista e alguns impressos usados pela comunidade. O Pe. Cherubin achava que a publicação não estava à altura da imagem que os camilianos precisavam projetar no Brasil para crescerem no país. Por isso iniciou um grande esforço para angariar assinaturas e melhorar o conteúdo editorial. Um ano depois, graças a seu empenho, a revista passou a ter o tamanho de 20 x 30cm, padrão da época, e 64 páginas. O número dos assinantes subiu para mais de 30 mil. As assinaturas eram vendidas por estudantes católicos em campanhas pelos bairros e pelo interior do estado. Nestas campanhas, organizadas pelo Pe. Cherubin, ele ia junto com os jovens para vender assinaturas. Excelente vendedor, ele se encarregava de vender de 30 a 40 assinaturas por dia. Nessas ocasiões ele aproveitava para conversar com o público leitor para saber a opinião que tinham sobre a revista e sobre suas pautas.

Vendo o progresso notável da revista, o Provincial dos Camilianos entregou a direção de toda a gráfica para o Pe. Cherubin. A partir daí o progresso foi vertiginoso. Usando sua proverbial criatividade, a primeira providência foi aproveitar os numerosos noivos que vinham marcar casamento na igreja, a mesma que estava na moda graças aos seus padres músicos. Como era sabido que as reservas de data tinham que ser feitas com muita antecedência, raros eram os noivos que já tinham mandado fazer os convites. Então o Pe. Cherubin montou um amplo mostruário dos elegantes convites de casamento que a gráfica camiliana oferecia e o colocou estrategicamente na sala da secretaria onde eram marcados os casamentos. O resultado foi que a venda de convites deu um salto, exigindo mais máquinas e mais pessoal.

Logo, por um golpe de sorte, o Pe. Cherubin soube de uma impressora automática que tinha dado defeito e estava encalhada no porto do Rio de Janeiro. Foi ao Rio e conseguiu arrematá-la por bom preço. Um mecânico, em São Paulo, rapidamente, consertou o defeito. Com a nova impressora a gráfica passou a imprimir livros, tanto de autores da comunidade camiliana, como para terceiros. Aproveitando esta disponibilidade o Pe. Cherubin abriu, ao lado da Igreja, a “Livraria e Papelaria São Camilo”. Por ser a primeira e única do bairro, foi um sucesso total. Ele sabia, que, em princípio, nenhum comércio era permitido no bairro. Arranjou um pretexto e convidou o Prefeito Adhemar de Barros para um almoço, e, na hora da sobremesa, pediu para o prefeito interceder pela livraria. Adhemar de Barros achou graça no pedido do jovem padre e respondeu: “Você sabe que na Avenida Pompéia é proibido qualquer tipo de comércio. Em todo caso, vou autorizar. Se aparecer algum fiscal demorará anos para conseguir decifrar a minha letra”. E a livraria e papelaria continuou funcionando por muitos anos, sem nunca aparecer fiscal nenhum.

Quanto à gráfica, agora muito mais bem equipada, também começou a atender grandes clientes externos. Um destes clientes que o padre arranjou era a revista “Sete Dias na TV”. A publicação era semanal e tinha uma tiragem de 350 mil exemplares. Pelo contrato, o conteúdo precisava ser entregue na quarta feira e a revista precisava estar pronta na sexta-feira de madrugada. Com esse e outros bons contratos os lucros cresceram. Então, com os recursos obtidos na gráfica, o Pe. Cherubin pagou a conclusão do Seminário que a ordem mantinha em São Paulo e ainda fez uma grande reforma no seminário de Iomerê, aquele onde ele havia iniciado seus estudos, em Santa Catarina.

O ECÔNOMO DA PROVÍNCIA

Em outubro de 1957, apesar de ter apenas 25 anos e pouco mais de um ano como padre, a excepcional habilidade demonstrada pelo Pe. Cherubin em lidar com os negócios e as finanças da gráfica levou o Provincial da Ordem a nomeá-lo como Ecônomo Provincial. Na terminologia eclesiástica, o Ecônomo equivale ao diretor administrativo-financeiro da instituição. A ele cabe coordenar toda a movimentação financeira da Província e das casas religiosas.

É verdade que a Província Camiliana da época era diminuta e não tinha muitos quadros, ainda assim, era uma enorme responsabilidade para o jovem padre.

Segundo Sêneca, “sorte é estar preparado para quando surge a oportunidade”. O Pe. Cherubin, dotado do senso prático adquirido no seio da família de colonos e com a maturidade de ser órfão de pai desde os dois anos de idade, aceitou a incumbência com o entusiasmo com que já vinha cuidando de suas outras responsabilidades. Logo que assumiu viu que o dinheiro era curto para atender todas as necessidades. Tratou, assim, de reduzir custos e obter mais receitas. Para otimizar os recursos disponíveis comprou um caminhão Chevrolet usado. Foi uma decisão abençoada. O motor de seis cilindros bebia gasolina como camelo bebe água, mas, naquele tempo, o preço da gasolina era mais barato que água engarrafada. O Caminhão, desde o primeiro dia, começou a ser usado para ir buscar alimentos e produtos agrícolas mais baratos no sul do país. Abastecer as despensas das casas religiosas paulistas custava um bom dinheiro. Indo buscar no Sul, a economia era substancial. Além disso, aproveitando o caminhão, o Pe. Cherubin passou também a trazer vinho do Sul para São Paulo. Vinha vinho de missa, claro, mas também chegavam garrafões e mais garrafões do excelente vinho colonial produzido na terra dos vinhedos. Vinho esse que era vendido ao público pela cantina da paróquia da Vila Pompéia. O povo até brincava dizendo que o vinho tinha que ser bom porque, afinal, os padres garantiam que não era batizado!

Usando criatividade, espírito de iniciativa e bom senso, o Pe. Cerubin conseguia atender todas as necessidades da província e ainda fazia sobrar dinheiro para enviar para a casa central, em Roma. Era dessas remessas que saía o custeio da Congregação, a manutenção dos seminários, as passagens para as viagens dos padres. O desempenho do Pe. Cherubin foi de tal ordem que acabou ficando na função de ecônomo da Província Camiliana por 45 anos, de 1957 até 2002.

O RESGATE DO HOSPITAL SÃO CAMILO

Segundo relata em suas memórias, foi num fim de semana em 1961 que o Provincial Camiliano, Pe. Calisto Vendrame, seu superior, o chamou para informá-lo que o Conselho Provincial da Ordem havia decidido nomeá-lo Diretor Administrativo do Hospital São Camillo.

O Pe. Cherubin foi tomado de surpresa e argumentou que não tinha preparação específica para a função. Acrescentou que, até aquele dia, só tinha entrado em um hospital para ser submetido a uma cirurgia de extração das amidalas. O Provincial retrucou: “quando você assumiu a administração das Artes Gráficas São Camilo também não tinha preparação específica e deu certo”.

O Hospital São Camilo, com 70 leitos, era a instituição mais importante que a Congregação tinha no Brasil. Afinal, os camilianos existiam exatamente para cuidar dos enfermos. Sua inauguração havia se dado apenas um ano antes, em 1960, e coroava os esforços de 37 anos da instituição no país. Esforços que iniciaram em 1923 quando o Pe. Inocente Radrizzani chegou ao Brasil, assumiu a Paróquia da Pompéia e criou a Policlínica São Camilo. Conquanto só oferecesse atendimento ambulatorial, consultas e pequenos procedimentos sem internação, a policlínica foi, por muitos anos, o único estabelecimento de saúde do bairro.

A construção do hospital, propriamente dito, começou em 1946, quando o Pe. Radrizzani criou uma comissão para esse fim. A campanha de arrecadação recebeu o nome de “SOS” (Socorro às Obras Sociais) e foi presidida, desde o início, por Laudo Natel, o banqueiro diretor do Bradesco que veio a ser governador do Estado de São Paulo por duas vezes. Laudo Natel também foi presidente do São Paulo Futebol Clube e foi quem construiu o Estádio do Morumbi. O interessante é que ele terá feito seu bem-sucedido aprendizado em arrecadação de fundos quando presidiu a comissão de construção do Hospital São Camilo. Diferentemente do Ypiranga, de Erechim, que construiu seu estádio com sorteios e uma abordagem que empolgou a cidade e a região, o Hospital São Camilo foi construído penosamente, tijolo a tijolo, com doações, bingos e quermesses. Mas, de uma forma ou de outra, estava de pé e pronto para funcionar.

Só que uma coisa é construir e outra é administrar.

No dia em que o Pe. Cherubin assumiu a direção do São Camilo tomou um susto. Descobriu que o hospital tinha tão somente três clientes internados. E o caixa estava perigosamente perto o zero. Disputas internas, conflitos de interesse, egos inflados e inabilidade do Diretor Clínico estavam afundando o hospital.

Por sugestão do Pe. Novarino Brusco, capelão camiliano do Hospital Matarazzo, na época um hospital com 500 leitos na região da Avenida Paulista e um dos maiores e mais prestigiados da cidade, foi convidado o Professor Dr. Mário Degni, que ali dirigia o Departamento Vascular, para assumir como Diretor Clínico. O médico e professor de renome internacional, com grande equipe e vasta clientela, após acertar os ponteiros com o Pe. Cherubin, assim como ele perfeccionista e obcecado por resultados, aceitou a função e mudou-se com armas e bagagens para o Hospital São Camilo. Trabalhando lado a lado, ele e o Pe. Cherubin, formaram uma parceria de esplendidos resultados por 30 anos, que só terminou quando, ambos no mesmo dia, deixaram em definitivo suas funções. Por esta época o São Camilo Pompéia já tinha sido ampliado para 311 leitos, apresentava excelente ocupação e pensava em novas expansões. O afastamento de ambos coincidiu no mesmo dia, mas por razões diferentes. O Dr. Mário Degni, que estava com oitenta anos, preferia aposentar-se. Era o que pensava fazer já há algum tempo e ia protelando porque amava a medicina, mas aproveitou a ocasião por desejar evitar o stress inescapável de um novo relacionamento com o futuro diretor. O Pe. Cherubin, por sua vez, havia sido chamado a assumir encargos incompatíveis com sua permanência na função.

CONTROLE DO CÂNCER

Em 1967 o Pe. Cherubin inaugurou no Hospital São Camilo da Pompéia o Instituto São Camilo de Prevenção e Tratamento do Câncer Ginecológico. Prestigiando a inauguração do novo serviço, em evento com banda de música, pompa e circunstância, estiveram o governador Laudo Natel, amigo do tempo da construção do Hospital, o prefeito, Brigadeiro Faria Lima, no auge de seu prestígio, além de vereadores, deputados e outras autoridades.

Em 1968 o Instituto realizou o 1º Simpósio de Prevenção e Tratamento de Câncer Ginecológico. O sucesso foi tal que o governo do Estado introduziu em todos os seus postos de saúde os exames de prevenção do Câncer ginecológico conhecidos como exames de Papanicolau. Ainda com apoio do Governo do Estado o Instituto montou o primeiro laboratório de Citologia e Anatomia Patológica do Estado.

O Instituto também foi pioneiro no combate ao câncer de mama e trouxe o primeiro mamógrafo para o Brasil em 1971.

Em 1973 o prof. João Sampaio Góes Jr, diretor do Instituto, assumiu o posto de diretor da Divisão Nacional de Câncer do Ministério da Saúde. Com base em sua formação médica e pela experiência no São Camilo, o Prof. Góes criou o Programa Nacional de Controle do Câncer. A iniciativa previa a importação de grande quantidade de equipamentos a serem distribuídos para todas as entidades de câncer no país, bom como a ampliação e abertura de novos hospitais especializados. Para conseguir a aprovação dos expressivos recursos para o programa, o Dr. Góes levou o Pe. Cherubin na audiência com o Ministro da Fazenda Delfin Netto. Ele achava que, embora fosse ele o Diretor da Divisão de Câncer do Ministério da Saúde, ele era o médico e ele conhecesse os detalhes do programa, era o Pe. Cherubin que sabia como obter dinheiro com o pessoal do governo. Na audiência o Pe. Cherubin começou por perguntar se o Ministro tinha na família, ou entre seus amigos, alguém com câncer. Não, o Ministro não tinha. Mas sabia quem tinha. Era o Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, que tinha uma irmã tratando a doença. Não deu outra. Os recursos foram liberados tão rápido que mal voltaram para São Paulo, alguns dias depois, e o dinheiro já estava disponível. Mas os efeitos da iniciativa não pararam por aí. Depois de conhecer os detalhes do projeto e saber mais sobre o Pe. Cherubin, que na época, no meio de uma dezena de outros cargos e funções, era também presidente da Associação dos Hospitais do Estado de São Paulo, o Presidente Médici decidiu que o melhor mesmo era colocar o Pe. Cherubin para fazer o projeto do câncer andar. E, pensando melhor, aliás, ele parecia ser o homem certo fazer toda a Assistência Médica e Hospitalar do País para andar. Então chamou o Pe. Cherubin e o nomeou como Coordenador da Assistência Médica e Hospitalar do Ministério da Saúde. (Mais adiante apresento um resumo da chacoalhada que o Pe. Cherubin deu no ministério…)

Em São Paulo o Instituto continuou a evoluir no atendimento ao público e, em 1977, o prof. João Sampaio Góes Jr., já de volta ao comando do Instituto, propôs mudar seu nome para IBCC – Instituto Brasileiro de Controle do Câncer. Ele achava que colocar no nome a ideia de controle representaria melhor o propósito do instituto, cuja ênfase deveria ser, cada vez mais, antecipar, prevenir e fazer diagnósticos precoces. Afinal, como entendia o Pe. Cherubin com sua visão prática: “dizem que saúde não tem preço, mas tem custo. Por isso é melhor fazer prevenção. Ela, além de salvar vidas, tem custo mais barato!”

Em 1979 a Prefeitura de São Paulo concedeu em comodato uma área de 18.500 m2 na Zona Leste da Capital e o IBCC transferiu-se para o novo endereço. Também houve uma mudança estatutária para facilitar a gestão e os investimentos. O Pe. Cherubin assumiu o cargo de presidente, cargo que manteve até meados da década de 2010.

Mais recentemente, para facilitar a fixação da marca, o Instituto passou a adotar o nome estendido de IBCC – Oncologia. Acontece que, mesmo sendo uma das mais conhecidas instituições dedicadas ao controle do câncer no país, sua campanha de conscientização sobre o câncer de mama é mais conhecido que ela. Todo ano são realizados campanhas e eventos que utilizam o símbolo do “Alvo Azul”, representado por três círculos azuis com o tema “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”.

A campanha, que é realizada mundialmente, foi criada em 1994 pelo designer de moda Ralph Lauren, nos EUA, e trazida ao Brasil em 1995 pelo IBCC do Pe. Cherubin.

A Hering, de Santa Catarina, a empresa licenciada para produzir as conhecidas camisetas e abrigos com o Alvo Azul, fornece seus produtos para o mercado e realiza uma campanha no Dia das Mães. Em 30 anos de campanha a Hering já vendeu mais de 8 milhões de camisetas e contou com a participação de mais de 400 artistas e celebridades e mais de 100 empresas parceiras, tendo arrecadado mais de R$85 milhões.

Outro evento importante é a Corrida e a Caminhada da Campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”. Neste ano de 2025 será realizada a 62ª edição, estando marcada para ocorrer em São Paulo, no domingo, dia 12 de outubro, coincidindo com o feriado de N. Sra. Aparecida e com o dia da Criança.

(Continua na próxima edição)

PATINHO FEIO DE CONCRETO – COMO UM PRÉDIO ABANDONADO NO MEIO DO MATO SE TRANSFORMA EM UM MEGA HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM SÃO PAULO

De Balisa para o Mundo, Parte 3

PATINHO FEIO DE CONCRETO – COMO UM PRÉDIO ABANDONADO NO MEIO DO MATO SE TRANSFORMA EM UM MEGA HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM SÃO PAULO

Esta história conta como dois personagens marcantes da cidade de São Paulo, um prefeito realizador e carismático, filho do poeta e escritor Paulo Setúbal, neto do deputado federal e vice-presidente da província de São Paulo, Olavo Egídio de Sousa Aranha, trineto da viscondessa de Campinas, do visconde de Indaiatuba e do barão de Sousa Queirós, sobrinho-neto de Osvaldo Aranha, sobrinho-bisneto do marquês de Três Rios, da baronesa de Itapura e da baronesa de Anhumas, sobrinho-trineto do visconde de Vergueiro, do barão de Limeira e da marquesa de Valença, e, ainda, tetraneto do senador Vergueiro, um dos mais influentes políticos do Império do Brasil, Olavo Setúbal, e seu comparte, um padre camiliano de origem veneta, nascido na Villa de Balisa, em Erechim, juntam forças para entregar a São Paulo um dos maiores e mais icônicos hospitais da cidade, o Hospital São Camilo Santana.

Foi em um sábado de manhã, em novembro do ano de 1975, que lendo o jornal Folha de S. Paulo, o Pe. Cherubin se deparou com uma matéria cujo título era “Hospital Abandonado na Zona Norte”.

A matéria versava sobre a situação de um prédio enorme de um hospital abandonado no populoso bairro de Santana. Uma foto aérea mostrava o monstrengo no meio de um matagal.

Aquela notícia não poderia ter vindo em momento melhor.

O Hospital São Camilo da Pompéia era a joia da coroa dos camilianos no Brasil. O hospital, que havia passado por turbulências administrativas no período de afastamento do Pe. Cherubin, durante os três anos em que atuou no governo federal como Coordenador do Atendimento Médico Hospitalar do Ministério da Saúde, voltara a operar com lotação completa depois que o Pe. Cherubin retomou a direção do hospital, instado a voltar pelo Pe. Calisto Vendrame, o Provincial dos Camilianos.

Era evidente, para o Pe. Cherubin, que estava mais do que na hora de partir para uma expansão. E ele até já estava se preparando para isso.

Com o jornal na mão, ainda no sábado, o Pe. Cherubin procurou seu amigo, o prof. João Sampaio Góes Júnior, que sabia ter relações próximas com o prefeito Olavo Setúbal. Explicou seu interesse, deu a ele o artigo e pediu para que dissesse ao alcaide que ele poderia assumir aquele prédio imediatamente para transformá-lo num grande e modelar hospital.

Como Deus escreve direito por linhas tortas, seu amigo, o Prof. Sampaio Góes, coincidentemente, integrava um grupo que iria almoçar com o prefeito no dia seguinte, domingo. Concordou em mostrar o jornal, levar a proposta do Pe. Cherubin e defender a causa. Na segunda-feira, logo cedo, trouxe a resposta para o Pe. Cerubin: o prefeito mandou dizer que “o prédio é seu”!

O Pe. Cherubin foi ver de perto o prédio abandonado. Era uma estrutura enorme, um monumental esqueleto de concreto armado que havia sido planejado para ser o hospital da Aeronáutica em São Paulo, mas que nunca havia sido acabado. A construção havia começado em 1956 e a FAB queria inaugurá-lo no dia 21 de abril de 1960, na mesma data da inauguração de Brasília. Como, porém,  Juscelino Kubistchek só tinha olhos para a nova capital e a FAB não conseguia dinheiro nem para comprar os aviões que precisava, um novo ministro da Aeronáutica parou aquela obra megalomaníaca e negociou o prédio inacabado com a prefeitura de São Paulo.

A prefeitura, por seu lado, também não tinha recursos para fazer o hospital e apenas vinha utilizando uma pequena parte como oficina para o conserto de ambulâncias.

O Pe. Cherubin foi conversar com os vereadores para negociar com a Câmara Municipal de São Paulo. O bom nome do Hospital São Camilo da Pompéia ajudou e a câmara aprovou uma lei concedendo para os camilianos o prédio e o terreno nas seguintes condições: duração do comodato 50 anos, renovável; 24 meses de prazo para a instalação de ambulatório e um andar para salas para cursos profissionalizantes; mais 24 meses para a instalação do pronto-socorro e de 100 leitos para internação e 12 anos para o término das obras com 400 leitos.

Tudo pronto para começar as obras veio outra notícia: as plantas originais tinham sumido. Nem a Aeronáutica e nem a Prefeitura sabiam o paradeiro delas. Mesmo assim o Pe. Cherubin foi em frente e tralhando dia e noite e colocando na obra 250 operários, apenas 90 dias após a assinatura do comodato, na data de 27 de outubro de 1977, o hospital abandonado da zona norte programou a inauguração de um belo e bem equipado ambulatório.

O Pe. Cherubin mandou um portador levar um convite da inauguração do ambulatório ao prefeito Olavo Setúbal. O prefeito Setúbal leu e ficou assombrado. Apenas outro dia ele tinha recebido em seu gabinete o elegante Pe. Cherubin e assinado o comodato com os camilianos e, em três meses, já vinha um convite para inauguração? Seu banco, o Itaú, fazia obras neste prazo, mas instalar uma agência é uma coisa, pegar um prédio abandonado no meio do mato e instalar um ambulatório médico era outra. Isso ele precisava ver. Quando chegou para a inauguração o prefeito ficou maravilhado. O mato tinha desaparecido. Na entrada do ambulatório havia uma ampla praça com jardim, feericamente iluminada, área de estacionamento sinalizada, cobertura para ambulância e garagem. Pe. Cherubin já construía pensando em um hospital de 400 leitos e não em um ambulatório. Foi receber o prefeito de braços abertos e o convidou para conhecer as dependências do ambulatório. Como tudo tinha sido feito para servir a um grande hospital, a área de recepção, salas de espera, os consultórios médicos, as salas de procedimentos, salas para exames de laboratório e imagem, salas de preparo de medicação, salas de serviço e esterilização, copa, sanitários e depósitos eram grandes, bem mobiliadas e bem-acabadas. O prefeito estava um entusiasmo só. Fez questão de dar ao padre um grande e sólido abraço para mostrar sua admiração e cumprimentá-lo pela façanha.

Mais 90 dias e o Chefe do Gabinete, Erwin Friedrich Fuhrmann entrou no gabinete fazendo um ar de cerimônia. Aí entrega ao prefeito Olavo Setúbal um belo envelope de opaline. Dentro outro convite. Era para outra inauguração. E, de novo, daquele padre alto, refinado e elegante como um nobre veneziano. Setúbal não resistiu e abriu um vasto e sonoro sorriso de incredulidade. O que o Pe. Cherubin ia inaugurar agora? Desta feita era todo o segundo andar, aquele que, conforme o acordo com os vereadores, deveria ser dedicado à salas de ensino profissionalizante e que deveria ficar pronto em 48 meses. O Pe. Cherubin o entregava em 180 dias.  O prefeito seguiu o Pe. Cherubin pelo segundo andar inteiro e viu que tudo estava estalando de novo. As salas de aula prontas para os cursos técnico. Os quadros verdes com giz nos porta apagadores. O prefeito, ao se despedir o Pe. Cherubin, desabafou: “quem dera eu tivesse mais alguns padres de seu feitio para tocar obras!”

Acontece que a pressa do Pe. Cherubin vinha do simples fato de que ele precisava urgente daquele hospital. O São Camilo Pompéia estava saturado e tendo que recusar internações, desagradando sua clientela médica. Na continuidade, mantendo o ritmo das obras 24 horas sem descanso, em mais 2 anos, no dia 3 de março de 1979, ao custo de 10 milhões de dólares, inteiramente custeados pelo Hospital São Camilo Pompéia, o portentoso e reluzente Hospital e Maternidade de Santana estava pronto. O padre Cherubin batizou o hospital com o nome de “Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta”. O nome era uma homenagem ao arcebispo de Mariana que convidou os camilianos para virem ao Brasil. A intenção era louvável, mas o nome não pegou. Desde o primeiro dia de funcionamento ficou conhecido como o São Camilo de Santana.

Agora a inauguração seria com toda a pompa e circunstância. Novamente estava presente o Prefeito Olavo Setúbal. o Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, o Provincial dos camilianos e muitos outros.

O prefeito Olavo Setúbal estava maravilhado. A seguir, a transcrição de trechos de seu discurso na inauguração:

“Meu caro Padre Cherubin, a inauguração deste hospital é uma prova dramática de que a solução para os problemas da saúde do nosso país não depende exclusivamente do poder público. Ela demonstra, com clareza, que o poder público é, muitas vezes, incapaz de resolver problemas fundamentais da nossa comunidade. A solução tradicional do Brasil, de uma entidade sem fins lucrativos, de caráter religioso, unida ao poder público, demonstrou aqui a sua capacidade ao erigir esse Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta.

Logo no início de minha administração, quando procurei enfrentar todos os problemas que estavam parados, por falta de alguma coisa, encontrei esse caso aqui na Zona Norte. E este era um desafio gigantesco: o Governo Federal tinha abandonado a construção, o Governo do Estado tinha se proposto a resolver a situação e também se sentia incapaz de o fazer… este prédio estava abandonado… e recuperá-lo era um desafio gigantesco. O governo municipal, ao avaliar o custo desta solução sentiu que não tinha condições de fazê-lo, pelo menos no curto prazo…

Por isto, vejo com imensa satisfação que a decisão tomada há quatro anos, de entregar este hospital à Sociedade Beneficente São Camilo, foi a solução correta para a solução deste problema. Apenas quatro anos após a assinatura do convênio já temos a grande satisfação de assistir a inauguração do próprio hospital, após termos estado aqui diversas vezes para inaugurar o ambulatório, a escola e outras dependências deste centro hospitalar.

Por isso meu caro padre Cherubim, é a prefeitura de São Paulo que está devedora da Sociedade Beneficente São Camilo desta solução para a Zona Norte de São Paulo, solução que o poder público não soube fazer mas que o senhor, com sua dedicação e especialmente com a sua fé soube mobilizar os homens e os recursos para atender as necessidades desta população.

Congratulo-me com o senhor e com seus auxiliares por esta obra extraordinária e agradeço, realmente sensibilizado, a delicadeza de terem marcado esta inauguração ainda no período de minha administração, quando realmente pouco fiz, porque apenas tive confiança na Sociedade São Camilo, no senhor e nos seus auxiliares.

Entreguei uma obra que a Prefeitura não soube, que o Governo do Estado não pôde e o Governo Federal não quis resolver e o senhor, em quatro anos, conseguiu fazer aquilo que os governos não tinham a condição de fazer.

Agradeço, portanto, e o cumprimento muito sinceramente, por esse extraordinário feito que vai marcar a sua ação entre nós de uma forma definitiva. De uma forma que jamais a população de São Paulo e a sua prefeitura esquecerão.

 Muito Obrigado.

O atual Hospital São Camilo Santana – antigo Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta, foi inaugurado com 400 leitos, sendo a maioria em enfermarias coletivas. Atualmente foi reconfigurado e possui 264 leitos instalados em apartamentos. O Hospital atende a uma população estimada em dois milhões de habitantes, na Zona Norte da cidade de São Paulo, onde é o único a realizar cirurgias de alta complexidade, além de atender outras especialidades, como clínica médica, obstétrica e pediátrica. O hospital mantém convênios com sete faculdades da área da saúde, abrigando 35 estagiários em residência médica e 52 em enfermagem.

As quatro unidades da Rede Camiliana da cidade de São Paulo oferecem, em conjunto, 750 leitos, possuem cerca de 6 mil colaboradores e aproximadamente 7.900 médicos cadastrados. O atendimento é exclusivamente privado e os recursos provenientes dos hospitais de São Paulo permitem subsidiar vários hospitais administrados pelos camilianos distribuídos pelo país e que oferecem atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).