Caras amigas e caros amigos, neste vídeo vamos falar sobre as práticas magistrais de marketing e pesquisa de audiência criadas por Homéro Icaza Sánchez – “El Brujo” – o mago que transformou o marketing da Globo, mostrou o caminho para a emissora alcançar a liderança televisiva brasileira por seis décadas e, mais do que isso, estabeleceu os fundamentos para o invejável desempenho do Marketing Ao Alvo da Globo.
A Globo relata que foi em 1971 que Homéro Icaza Sánchez foi convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para assumir o cargo de diretor do Departamento de Análise e Pesquisas da emissora, departamento a ser especialmente criado para ele.
Suas técnicas revolucionarias de pesquisa de opinião, assim como a aplicação de seus conceitos de sociologia, psicologia, propaganda e marketing produziram resultados simplesmente notáveis. Resultados que mudaram não só a história da rede Globo e da televisão brasileira, mas que impactaram as práticas da televisão mundial. E que deixaram ensinamentos ainda atualíssimos para todos os profissionais de comunicação e marketing que buscam inspiração no grande mestre e na excelência de suas práticas.
Então, para respaldar os ensinamentos magistrais que vamos apresentar neste vídeo, vamos começar apresentando o histórico de Homero Icasa Sánchez
Sánchez era panamenho e, em 1944, veio para o Brasil para estudar. Acabou Cônsul de seu país no Rio de Janeiro e além de diretor do Departamento de Análise e Pesquisas da Globo, foi professor da Escola de Comunicação da UFRJ e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), foi presidente da ABM Associação Brasileira de Marketing (ABM), e membro do seu Conselho Consultivo.
Em 1981 foi escolhido Homem do Ano pela Associação Brasileira de Propaganda e Destaque de Marketing na área de pesquisa pela Associação Brasileira de Marketing (ABM).
Em 2003 a Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme) o homenageou com o título de Pesquisador Emérito, em razão de seu pioneirismo na pesquisa de mercado no Brasil.
Mas antes de apresentarmos as aulas magistrais de “El Brujo” vamos relembrar as circunstâncias que cercaram sua ida para a TV Globo do Rio de Janeiro.
Roberto Marinho, o fundador da emissora, estava com sessenta anos de idade e tinha quarenta anos como empresário de mídia, sendo dono do Jornal O Globo e da rádio Globo no Rio de Janeiro quando se lançou na empreitada de criar sua emissora de TV.
A emissora foi inaugurada em 26 de abril de 1965 e, ao chegar, já encontrou o mercado do Rio congestionado. Suas concorrentes eram a TV Tupi, a TV Excelsior, a TV Continental e a TV Rio.
Como bom empresário, Roberto Marinho tomou todos os cuidados para fazer tudo bem pensado e bem planejado com o propósito de acertar.
Afinal, como diria o notório Conselheiro Acácio, acertar é tão importante que se você não acerta, você erra!
Só que, não obstante todas as cautelas, os primeiros oito meses da TV Globo foram um completo desastre.
Apesar das grandes expectativas de seu fundador que, segundo o Boni, empenhou suas casas e até suas calças para tocar a Globo, a emissora começou batendo cabeça.
A TV Globo, | além de recém-chegada e dando traço de audiência, desde logo começou a sofrer forte pancadaria dos concorrentes. A maré anti-globo estava tão forte que até o Governador carioca da época, Carlos Lacerda, fez um enorme escândalo acusando a emissora de ligações financeiras problemáticas com os norte-americanos do grupo TIME-LIFE.
A melhor evidência do entrevero em que a TV Globo estava metida é que apenas 10 meses depois de inaugurada a emissora se viu compelida a publicar nos jornais O Globo, no Rio de Janeiro, e no jornal O Estado de S. Paulo, em São Paulo, um extenso “Esclarecimento à Opinião Pública”.
No Esclarecimento a Globo explicava sua relação contratual com o Grupo norte-americano TIME-LIFE | a principal razão para os ataques que sofria e a causa da rumorosa CPI convocada pelo congresso.
Nos jornais a GLOBO assegurava que a empresa era 100% brasileira e Roberto Marinho dizia que seu grande patrimônio eram os quarenta anos à frente da rádio e do Jornal O Globo.
No texto dos jornais a Globo mostrava o real motivo da campanha contra ela:
“A razão principal dessa nova campanha pode ser encontrada por quem se dirigir ao IBOPE: é que a TV GLOBO, sendo a mais nova televisão da Guanabara, JÁ CONQUISTOU O PIMEIRO LUGAR EM AUDIÊNCIA. Pelo mesmo IBOPE se verifica que a estação de televisão do denunciante se encontra em PENÚLTIMO LUGAR.”
No caso, o denunciante era o deputado federal João Calmon, figura caricata que era o dirigente máximo dos Diários Associados e a tal TV em penúltimo lugar era a já falecida TV Tupi.
Mas o importante é saber como se deu a virada de mesa. Como a Globo pulou do último lugar para a liderança na audiência em poucos meses?
Bem, Roberto Marinho, vendo que a TV Globo fazia água por todos os lados concluiu que as coisas descambavam porque seus diretores não entendiam patavina de televisão posto que vinham do jornal e da rádio. Daí que resolveu que precisava de uma cabeça que entendesse o mundo televisivo. Um mundo novo, feito de imagens, movimento e emoções e bem diferente do mundo modorrento do jornal e do rádio.
Por isso chamou Walter Clark, então um jovem na faixa dos 30 anos e que vinha fazendo um belo trabalho como diretor da concorrente TV-Rio, e entregou a ele a direção geral da TV Globo.
A mudança foi instantânea.
O jovem diretor chegou sabendo que, para a TV Globo sobreviver, precisava de público. Muito público!
Para o jornal e o rádio veículos que viviam isolados em torres de marfim, o público era quase uma abstração, mas para a TV daquele tempo, numa época e em que os melhores programas eram apresentados ao vivo, o público fazia parte do espetáculo.
A TV ainda não tinha os recursos de hoje | e o auditório era necessário para criar um bom produto televisivo, já que o televisor funcionava como um prolongamento do auditório na sala das famílias.
Na década de 1960 poucas casas possuíam televisores e quem possuía um destes preciosos aparelhos de TV costumava reunir a família para assistir televisão. Vinham todos, pais, filhos, avós, tios, primos, genros, cunhados, colegas, quando não vizinhos e amigos para assistirem em conjunto. Assim multiplicavam-se os auditórios domiciliares pela cidade e todos se somavam para formar mega-auditório que abrangia o grande público.
Os efeitos desse fenômeno foram decifrados pela nova direção da Globo
- – Efeito um – A multiplicação de milhares destes auditórios domésticos cidade afora criava uma onda de confluência para o canal que tivesse o programa dominante no horário.
É fácil de entender o motivo. Dado que só havia um televisor na casa | todas as pessoas ali presentes teriam que assistir ao mesmo programa. E como a maioria costumava decidir pelo programa líder de audiência, o segundo colocado não tinha a menor chance.
- – Efeito dois – As condições para um programa obter a preferência dos auditórios domésticos eram, basicamente, duas
1)- Oferecer programas de auditório com entretenimento interativo e variado, com atrações capazes de agradar aos diversos tipos de publico para obter a sua preferência e
2)- evitar temas desagradáveis, polêmicos ou controversos que causassem rejeição e afastassem audiência.
Para atender a estes requisitos a melhor fórmula disponível eram os programas de auditório do tipo show de variedades.
O ideal, obviamente, era ter programas que lotassem o auditório, já que auditório vazio ou mesmo só pela metade acabava ficando com cara de Quarta-Feira de Cinzas. E isto era ruim para a audiência e para o faturamento.
De modo que a prioridade na TV Globo de Walter Clark passou a ser atrair público de multidão. Público de formar filas e, se possível, de entupir ruas.
E isso queria dizer conquistar o público feminino, posto que os auditórios eram massivamente formados pelas célebres “colegas de trabalho” | segundo a charmosa definição do Silvio Santos.
Os auditórios das TVs da época eram povoados por garotas, jovens e mulheres predominantemente das classes C e D, uma vez que madames da classe A e B não só não iam a auditório algum como até preferiam mudar seu trajeto para passar longe de auditórios.
Seguindo o script, logo no início de 1966 | estreia na Globo o Dercy Espetacular. O programa era apresentado ao vivo pela ex-vedete de chanchadas e do teatro de revista Dercy Gonçalves e ia ao ar na tardinha dos domingos, às 19 horas.
A apresentadora, um furacão de atividade que chegou a fumar quatro maços de cigarro por dia e, ainda assim, conseguiu viver até os 101 anos, era carismática, popularesca e desbocada. Dercy era tão respeitada por sua garra de guerreira como famosa por seus escândalos despudorados e, de tudo o que o programa Dercy Espetacular tinha de mais espetacular o destaque era seu colossal besteirol. O programa era um festival de boca suja embrulhado em baixaria da fazer marinheiro ficar corado, mas o auditório era uma algazarra só, a periferia adorava, não perdia programa e a audiência explodia. O esquema deu tão certo que, logo, na mesma linha do besteirol Global, chegou o Chacrinha com sua buzina irreverente para apresentar dois programas semanais.
Nesta época também começou a aparecer na Globo o sorriso mais famoso do Brasil, a marca registrada do campeão de audiência Silvio Santos.
Então, não mais que de repente, a nova programação começa a dar certo, a audiência sobe no telhado e a TV Globo assume a liderança no Rio de Janeiro.
Vem 1967 e a TV Globo continua liderando e a audiência continua crescendo, mas Walter Clark, mesmo sendo jovem, é experiente e bem avisado. Ele sabe o perigo de um sucesso com pés de barro. O mesmo programa que encanta um dia pode derreter feito manteiga um dia depois. O público pode cansar do estilo, desgostar do apresentador, cansar das repetições, mudar de gosto ou de preferência. É a fadiga do público.
O fato é que a programação da Globo estava dependente demais do humor apelativo da Dercy, dos arremessos de bacalhau do Chacrinha, que perguntava ao distinto público “Quem quer bacalhau?” antes jogar nacos do peixe sobre a plateia, e dos arremessos de dinheiro do Silvio Santos, que perguntava “Quem quer dinheiro?” E jogava aviãozinhos de dinheiro para alvoraço de suas ditas “colegas de trabalho”, além de outros programas popularescos que destoavam da nobre sobriedade do jornal e da rádio Globo.
Certo, a televisão precisava sobreviver, era um veículo novo, caro e complexo, que vinha com força disruptiva e, por isso, as pessoas aceitavam que tomasse certas liberdades até por conta da novidade que a televisão representava.
Nesse tempo, o especialista em comunicação, Marshall McLuhan, observando um fenômeno mundial que aflorava, tinha acabado de publicar seu livro “Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem”. O ponto alto do Livro foi a expressão “O Meio é a Mensagem”.
A frase “O Meio é a Mensagem” queria dizer exatamente isto: cada tipo de veículo ou meio de comunicação tem sua linguagem própria, peculiar e diferente. Livros, revistas, jornais, rádios, teatro e cinema, mal ou bem, já tinham encontrado sua linguagem, mas a televisão ainda não. Tratava-se de uma criatura recém-chegada, mais complexa e abrangente, que misturava elementos de todos os outros meios de comunicação, mas era substancialmente diferente e, por estar em seus primórdios, ainda tateava no escuro.
Walter Clark concordava com a expressão e, assim, não tinha ilusões. Intuitivamente sabia que a Globo era um meio que precisava encontrar sua linguagem. E rápido. Sabia que seus programas apelativos estavam tracionando a audiência, mas não eram solução de longo prazo. A Globo precisava de um banho de loja.
Ele trouxe, então | o José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que estava na TV TUPI e ambos começaram a trabalhar para estabelecer um padrão Globo de qualidade.
A dupla, que logo ficou conhecida como Boni e Clark, estava alinhada com as agências de ponta da publicidade brasileira, reconhecidamente uma das mais criativas do mundo, e acreditava que a melhor qualidade de conteúdo atrairia audiência mais bem qualificada, geraria mais receita publicitária e permitiria investir ainda mais e criar um círculo virtuoso de qualidade que se manteria saudável e autossustentável por muito tempo.
Começam a chegar profissionais diferenciados e a constelação da Globo logo passou a incluir Ulisses Arce, Daniel Filho, Armando Nogueira, João Carlos Magaldi, Augusto Vanucci, Walter Avancini, Janete Clair, Dias Gomes e outros mais.
Em 1969 chega Regina Duarte, a namoradinha do Brasil, para atuar na novela Véu de Noiva. Ela topou vir para a Globo porque seu salário na TV-Excelsior estava atrasado e ela, recém-casada, estava devendo até as prestações dos móveis, da geladeira e do fogão.
Boni, paulista de Osasco, sabia que para penetrar no mercado de São Paulo era preciso ter paulistas no elenco. Assim, além da Regina Duarte, vieram Francisco Cuoco, Lima Duarte e Sérgio Cardoso.
Em outro lance de mestre Boni contratou Tarcísio e Glória Menezes, o que aconteceu num jantar em uma cantina paulista ao lado do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia.
Enquanto a Globo requalificava a produção de conteúdo, em outro front a dupla Boni e Clark tratava de dar dimensão nacional para sua programação. A primeira emissora conquistada para a formação de uma rede foi a TV Integração, do Triângulo Mineiro. Depois veio TV Gaúcha, hoje RBS.
Começa 1971 com a Globo evoluindo bem em todas as frentes, mas a dupla Boni e Clark reconhecia que grande parte dos resultados vinham da intuição de ambos, eram fruto de tentativa e erro e pareciam fluídos demais para se sustentarem no longo prazo. E era preciso mudar isso logo. Era preciso um método para navegar na opinião pública, já que eles se deparavam com aquela verdade inarredável desde a Grécia de Sêneca: “Quem não sabe para onde ir não chegará lá com certeza!”.
Então, em uma noite de 1971, o Boni convidou Homero Icaza Sánches para jantar no badalado restaurante Antônio’s, no Rio de Janeiro e o convidou para dirigir as pesquisas da Globo. O poeta, ex-Consul do Panamá e mago das pesquisas aceitou.
A Globo tinha encontrado sua bússola.
Daí para a frente a Globo nunca mais foi a mesma e o que se viu foi uma transformação que assombrou o Brasil e mesmerizou o mercado.
Neste vídeo vamos apresentar cinco lições magistrais legadas por Homero Icaza Sánches:
- A descoberta da diversidade do público e o mapeamento das 36 classes sociais do Brasil;
- A inercia da audiência cativa como âncora para manter a liderança televisiva;
- Os grupos de discussão como instrumentos de avaliação qualitativa das novelas e de seus personagens;
- A confirmação de que a televisão, assim como os rádios, jornais e revistas, não muda o voto do eleitor quando já cristalizado, como afirma a teoria de Lazarsfeld;
- O perigo dos “Luas Pretas” e sua crença de que a teoria é mais importante do que a realidade;
A principal fonte destas lições foi a entrevista antológica que El Brujo concedeu para a Revista Playboy em maio de 1983. |
Na ocasião Homero Icasa Sánches, já consagrado urbi et orbi, estava temporariamente desligado da emissora, em meio a uma controvérsia política, e na entrevista concedida ao jornalista Vitu do Carmo falou sobre os 12 anos que havia liderado as pesquisas da Globo e revelou seus preciosos segredos, mostrando os caminhos que levaram a Globo para a hegemonia da audiência nacional. A entrevista tomou 17 horas de depoimentos e foi publicada ao longo de 11 páginas.
Vamos começar com a primeira de suas lições magistrais. Nela El Brujo fala para a Plauboy sobre a descoberta da diversidade do público e como fazer o mapeamento das 36 classes sociais do Brasil.
Pergunta da Playboy:
Sua capacidade de planejar e analisar pesquisas é comentada com grande admiração, quase reverência. Segundo consta, você chegou a um refinamento desconhecido até dos norte-americanos. Como foi que evoluíram os seus métodos de análise de pesquisa?
Resposta de El Brujo:
A princípio acompanhávamos a audiência da televisão por classes socioeconômicas. | Um dia comecei a me questionar. Eu estava trabalhando com o comportamento determinado pelo dinheiro que a pessoa tinha e não por sua formação cultural.
O levantamento dizia até onde ela podia gastar mas não me dizia os motivos pessoais, culturais, que a levavam a agir assim.
Uma pessoa, mesmo ganhando pouco, pode comprar manteiga porque não gosta de margarina. Compra pouco, mas faz questão de comprar manteiga porque seu refinamento exige isso. Outra prefere economizar um pouco em cada coisa para comprar um livro, um disco, uma gravura.
Então juntamos o levantamento socioeconômico com o levantamento sociocultural para descobrir o gosto das classes sociais.
Revista Playboy:
Como é feita essa consolidação?
El Brujo pega uma folha de papel para responder:
Na linha horizontal do gráfico, do ponto de vista socioeconômico, temos 6 classes A, | B1, | B2, | B3, | C e | D.
O mesmo universo também pode ser dividido em 6 classes do ponto de vista cultural A, | B1, | B2, | B3, | C e | D.
Então há um sujeito que ao mesmo tempo é milionário e tem uma cultura maravilhosa, de modo que ele é A | A , certo?
Mas posso ter também um indivíduo que é milionário, só que é bicheiro e come com as mãos. Não tem cultura nenhuma. Este é um A | D.
Começando com A | A e terminando com D | D vou ter 36 tipos cultural e economicamente definidos e esse é o segredo da audiência para a TV Globo.
Revista PlayBoy:
Só no Brasil se faz isso?
Resposta de El Brujo:
Isso é exclusivamente nosso. Os Americanos tentaram algo, mas não é a mesma coisa.
Playboy:
Qual a diferença?
El Brujo:
Eles não fazem o levantamento socioeconômico, por isso a base socioeconômica de suas pesquisas pode ser muito elástica.
Nós não. Se sabemos que temos 3% de classe econômica | A | na população, | na nossa pesquisa vamos entrevistar somente 3% da classe | A | para saber como a população se comporta culturalmente.
Playboy: |
Suas pesquisas na Globo, portanto, iam muito além de medir audiência. O que elas revelavam?
El Brujo:
Veja, mesmo o primeiro grande levantamento socioeconômico que fizemos em 1972 ou 73, foi uma maravilha. Foi feito nas cinco praças onde a Globo tinha estações na época: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife. Eu queria saber o que o morador desses lugares comia, como se vestia, como gastava seu dinheiro, quanto sobrava. Foi a coisa mais bonita que já planejei e ajudei a fazer.
Um desses levantamentos apresentou uma surpresa: o secador de cabelo aparecia num dos primeiros lugares na intenção de compra de eletrodomésticos. E aí se descobriu a causa: é que os rapazes estavam usando o secador da mãe ou da irmã porque já usavam o cabelo mais arrumado.
Pergunta da Playboy:
De que modo a Globo aproveitava isso?
Resposta de El Brujo:
Essas pesquisas nos traziam subsídios valiosíssimos para avaliarmos melhor a programação. Porque passávamos a conhecer melhor o brasileiro.
O telespectador não é uma projeção do aparelho de TV. A televisão precisa conhecê-lo como ser humano. Dispondo desses dados, a partir de determinado momento, passamos a estudar a programação antes dela ir para o ar.
Eu recebia às sinopses das novelas e analisava a adequação de seu conteúdo ao telespectador. Elas deviam atender as expectativas de cada uma das classes sociais que compunham a audiência.
Pelas sinopses você pode apontar falhas no comportamento das personagens. Eu podia dizer: esta personagem é classe B2 ou B3, porque tem apartamento alugado e tem carro, mas não está agindo de acordo com sua classe. A personagem está errada!
Ou então, este indivíduo é classe C E, mas não quer estudar, não quer subir na vida. Isto não é possível.
Pergunta da Playboy:
Como os autores reagiam quando as sinopses eram devolvidas com essas ressalvas?
El Brujo:
A essa altura os capítulos ainda não estavam escritos, mas nós não dizíamos como ele deveria escrever. Só mostrávamos a coerência ou não das personagens. Além disso, os autores não tinham nenhum contato direto com a divisão. Agora, eles adoravam a divisão, que era uma bússola e que dava o mapa da mina.
Podiam dizer que discordavam, mas o resultado eram os pontinhos na audiência.
Concluindo a primeira aula das práticas de El Brujo vimos que o conhecimento da diversidade do público e o mapeamento por classes sociais da audiência televisiva do Brasil permitiram à Globo um ajuste fino de sua programação e ir ao encontro do que seu público desejava. Esse o grande segredo da sua liderança por seis décadas
…
Vamos para a segunda lição
- A segunda aula magistral mostra a importância da inércia na aquisição e manutenção da audiência como âncora para manter a liderança televisiva. Esse fenômeno pode ser observado em outras áreas do mercado onde o prestígio de uma marca cria fidelidade e preferência inercial.
Vamos voltar à entrevista:
Playboy:
As novelas da Globo continuarão imbatíveis por muito tempo?
El Brujo:
No dia em que outra televisão der uma opção ao telespectador essa concorrente ainda terá que esperar 3 anos para empatar com a Globo e começar a arranhar suas estruturas de novela.
Se você tirar o Boni da Globo e botar numa concorrente a Globo continuará líder de audiência no horário nobre das novelas por mais 3 anos.
Playboy:
Se uma concorrente quiser inverter esta situação mais rapidamente, quantos homens precisará tirar da Globo?
El Brujo:
Vinte homens. Vinte homens da área do Boni, que é responsável pelo “produto”, aquilo que vai para o ar.
Playboy:
Mesmo com os vinte 20 homens?
El Brujo:
Meu filho, para conquistar audiência demora muito, é preciso formar um hábito. A dificuldade para o telespectador perder o hábito é na mesma proporção.
O sujeito está acostumado com o aparelho dele ligado na Globo. Quando o aparelho pifa vem o técnico, abre, tira uma pastilha boa que faz pegar outro canal e bota para pegar a Globo. Ele diz “olha, para não ter que comprar uma peça nova eu fiz isso só que não vai pegar bem o outro canal” e o dono do aparelho: Ah!, tudo bem, eu não vejo outro canal!
Playboy:
Quando um artista sai da Globo e vai para outra emissora, deve sentir muita diferença.
El Brujo:
O Chacrinha quando se mudou para a Bandeirantes foi um desastre. Chegou a dar 4% de audiência.
Plaboy:
na Globo dava quanto?
El Brujo: Uma vez fez um especial que deu 70%!
O que aprendemos nesta aula é que agir de forma estudada e, depois de tomar a ação, devemos dar tempo para o mercado agir, sem tomar medidas açodadas. Sobre o imediatismo Homéro acrescentou: A Tv Tupi criava um programa novo, com bom conteúdo, original, eu via e dizia: “Vai pegar” Só que ele entrava no lugar de outro que estava dando, digamos, 8%. De audiência. Esses 8% eram o resíduo final e o pessoal que via esse programa no começo, ficava “contra” o novo. Esse dava, então, 6% na primeira semana. Na segunda dava 5, depois 4 e podia chegar a 3, mas depois começaria a subir. As pessoas começariam a dizer : “tem um novo programa, sabe?” O outro Não sabia e não vi, mas vou ver na próxima semana. Acontece que, quando chegava na quinta semana a Tupi cortava o programa.
E a Tupi fazia o que o Dr. Roberto Marinho teria gostado que ela fizesse: cortava um programa que poderia crescer.
…
A Lição magistral número três revela a importância dos grupos de discussão como instrumentos de avaliação qualitativa das novelas e de outros programas da Globo.
Para direcionar as novelas, El Brujo adotou a sistemática dos grupos de discussão. Essa dinâmica de discussão em grupo já era usada em Marketing, mas Homero inovou ao usá-los para avaliar os roteiros e as linhas gerais das novelas, e ainda criou um tipo de “comitê” de personagens, grupos focados que obtinham contribuições do público para ajudar os autores a construir personagens carismáticos e polêmicos, tipos que obtinham identificação e alavancavam o sucesso das novelas.
Mas os grupos de discussão também eram usados para pesquisar outros aspectos da programação.
Washington Novaes, que foi editor da Globo Repórter, contou no jornal o Estado de São Paulo que, quando o governo Geisel afrouxou a censura, o programa Globo Repórter passou a tratar de questões sociais brasileiras como bóias-frias, mortalidade infantil e outras, e, para surpresa geral, a audiência começou a diminuir e caiu abaixo dos 50 pontos do IBOPE, enquanto subia a audiência do programa do Chacrinha, que era o concorrente direto do horário. Ele pediu uma pesquisa ao Homero e esse, depois de pesquisas e sessões de grupos de discussão, foi claro: o público das classes A e B, de maior renda e instrução, considerava desagradável que a TV lhe levasse temas tão incômodos bem na hora do jantar. Já o público das classes C e D dizia que, se o programa era para mostrar pobreza, não precisava porque ele via pobreza todo dia. E se o programa não trouxesse propostas concretas de mudança. preferia mesmo ver o Chacrinha.
Na entrevista da Playboy o repórter Vitú do Carmo pergunta:
Como é que funciona o famoso “grupo de discussão”? Segundo consta tem uma influência enorme nas novelas.
Homero, então, passa a palavra para a Mirian, sua esposa e seu braço direito na Globo.
Resposta da Mirian:
Esse trabalho foi feito pela primeira vez pelo Homero. Ele sentiu a necessidade de um trabalho que fizesse uma avaliação qualitativa da novela durante sua apresentação. Do grupo de discussão das novelas participam 12 mulheres selecionadas de acordo com a composição da audiência. São, portanto das mais diferentes classes socioeconômicas e idades. Elas são reunidas numa sala branca fechada, livre de qualquer interferência. A reunião é gravada em áudio, em VT e taquigrafada.
Playboy: Você dirige a reunião?
Mirian: Eu modero, porque se não acaba virando fofoca, divagação, conversas paralelas. Elas levam, em média, meia hora para se descontrair e depois começam a falar e a se pegar.
A mulher de um almirante, por exemplo, diz que a novela é imoral porque mostra certas coisas. A outra diz que não, porque eu estou cansada de ver isso e tem mais é que botar na TV para ensinar.
Playboy: Essa mulher mais liberal é de que classe?
É da classe “C”
Playboy: Como é encaminhada a discussão?
Mirian – Primeiro as mulheres dizem como estão vendo a novela e qual a opinião delas: positiva, negativa ou neutra. Essa parte é o julgamento da novela. Depois você entra na discussão das personagens de que gostam ou não. Depois entra nos núcleos, nas histórias paralelas. Uma história paralela, às vezes, pode crescer muito como foi o caso do Mário Fofoca.
Esse não é um caso típico de mérito do autor, é uma questão também de empatia, do texto, do autor e do horário. O horário das 7 é o das novelas divertidas e Mário Fofoca era muito divertido. Então, no momento em que o autor percebe que Mário Fofoca tem uma força ascendente ele faz o personagem crescer.
Playboy: na novela Baila Comigo o personagem interpretado por Fernando Torres devia morrer num acidente, mas houve uma identificação tão grande do público com ele que o autor o fez sobreviver. Isso é comum?
Nesse caso havia uma relação muito apreciada entre ele e o filho adotivo. Uma relação interessante, bonita, forte. Se você mata uma personagem assim você decepciona 80% da audiência.
Playboy: Na novela Brilhante a personagem Leonor não teria as características para uma grande identificação com o publico das novelas? Ela era atípica moça pobre querendo subir…
Mirian: Mas ela não era honesta! E isto o público não perdoa.
Playboy: O que mais é analisado pelo grupo?
Mirian: Até elementos como abertura, trilha musical, roupa, cabelo, adequação do cenário. Em Sol de Verão as pessoas achavam pouco verossímil que houvesse um casarão holandês, uma oficina, um terreno que pudesse virar pracinha em pleno bairro de Ipanema do Rio de Janeiro.
Playboy: Situações inverossímeis levam a perda de audiência?
Mrian: Sim, levam.
Playboy: O público não aceita?
Homero: O público sabe mais de novela que o autor, o diretor e os atores juntos. Na novela Plumas e Pates duas moças vem de Minas num carro, sofrem um acidente uma morre a outra pega seus documentos e assume sua identidade. Tudo bem, mas ela chega no Rio passou um mês, a família não lhe telefona nem lhe manda uma carta. As mulheres dizem “Então esta moça não é de Minas”. Imediatamente o autor faz a personagem receber uma carta da família.
Playboy: todas essas informações certamente são muito valiosas para um homem de pesquisas. Nesse sentido, Homero, qual seria o seu saldo depois de 12 anos na Globo?
Homero: Eu saio com o maior banco de informações de pesquisa do mundo. O IBGE não sabe mais do Brasil do que eu.
Playboy – Verdade?
…
Ao responder a essa pergunta Homero nos dá sua quarta aula magistral: suas pesquisas o levaram a conclusão de que a televisão, assim como os rádios, jornais e revistas, não muda o voto do eleitor quando já cristalizado, como afirma a teoria de Lazarsfeld.
Vejamos a explicação de Homero na Playboy:
A última pesquisa política que eu fiz vale 20 milhões de dólares. Eu devia pagar à TV Globo 20 milhões de dólares de indenização por ter me deixado fazer. Hoje vou a qualquer Congresso mundial sobre pesquisa política e digo assim: “estamos todos errados. Lazarsfeld estava certo. Propaganda da televisão não muda comportamento político. E vou provar que não muda. Isso vale 20 milhões de dólares agora, vai valer 30 40, 50, 100 quando você quiser. Isso vale mais do que qualquer ordenado.
A teoria de que os meios de comunicação não modificam o voto já havia sido provada pelo sociólogo austríaco Lazarsfeld, | que foi tão importante para a pesquisa de opinião como Einstein para a física.
Ele sabia que os meios de comunicação costumavam tomar partido nas eleições e quis descobrir que influência isso tinha. Então fez uma pesquisa durante um ano no Condado de Eire (Era), nos Estados Unidos, e constatou que não havia influência. Isso foi em 1944.
Playboy – O que há de novo então em sua tese?
Homero: – O trabalho de Lazarsfeld referia-se apenas ao rádio, jornais e revistas. Com o advento da televisão surgiu a teoria de que ela modificava o comportamento do eleitor.
Isso passou a ser aceito pacificamente nos últimos anos, mas uma dúvida sempre me torturou: se tivesse estudado a televisão Lazarsfeld teria modificado seu Livro?
No ano passado houve no Rio o Congresso da International Association of Political Consultants, que reúne os pesquisadores mais importantes do mundo. Estavam lá o americano que fez a campanha do Kennedy, o francês que fez a do Moterrand, o alemão que fez a do Helmuth Schmidt. Cada um apresentou um trabalho sobre uma campanha política que tinha feito e eu, que era o moderador, perguntei se achavam que a televisão mudava o comportamento do eleitor. Disseram “muda”. Perguntei se achavam que Lazarsfeld escreveria hoje um livro diferente. “Achamos”, foi a resposta. Mas eu achava que não. E trabalhei neste apartamento durante 30 dias, à noite, com essa menina aí, para descobrir onde estava o furo.
Playboy: Você e a Mirian?
Homero – É. O ibope propôs a Globo um projeto de pesquisa em oito estados, que representavam 80% do eleitorado do Brasil.
A pesquisa teria quatro rodadas: a sessenta, a trinta e a quinze dias da eleição e uma última no próprio dia da eleição, que seria o prognóstico eleitoral.
Nos anos anteriores eu sempre comprava o prognóstico, mas desta vez compraria o projeto inteiro para descobrir o comportamento do eleitor.
Playboy – E havia mesmo um furo?
Homero: sim e consistia no fato de que esse tipo de pesquisa sempre fazia a seguinte pergunta: se a eleição fosse hoje em quem você votaria? O sujeito respondia e o resultado era divulgado.
Mas isso não significava que ele votaria no candidato que indicou. Podia ser apenas um “voto de simpatia momentânea”. Era o voto daqueles que escolheriam hoje a Sandra Cavalcanti, amanhã o Miro Teixeira, depois o Brizola, depois o Moreira Franco. Tinha que haver, por isso, uma outra pergunta antes daquela: Você já tem candidato? Quem é? Inclui, então essa pergunta que Lazarsfeld também fazia em sua pesquisa de 1944.
Os que respondiam afirmativamente, isto é, os que já tinham candidato, não iriam mais mudar, de acordo com a teoria de Lazarsfeld. Era o voto “cristalizado”.
Então eu tinha dois resultados distintos para analisar.
Playboy – Em outros países não são feitas as duas perguntas e as posições dos dois grupos, o dos votos cristalizados e o dos indecisos, aparecem misturadas?
Homero – É o que tem acontecido, levando inclusive a erros de previsão. Aconteceu com o Miterrand, na França. As pesquisas diziam que ele não ganhava e ele ganhou.
Payboy – Ou seja, o que favorecia Giscard nas previsões não era o “voto cristalizado”, mas o da “simpatia momentânea”, que depois mudaria a favor de Miterrand.
Homero – mudaria. O número de votos cristalizados, logicamente, vai aumentando a medida que as eleições se aproximam, mas o importante que se constatou agora foi que, uma vez que o eleitor tenha seu candidato escolhido, a influência da televisão – assim como do rádio, do jornal e da revista, – é mínima. Ao contrário, ela o leva a se afirmar em sua escolha. A modificação do comportamento eleitoral só acontece àqueles que ainda não tem candidato.
Playboy – Mas não haveria uma influência da televisão nessa mudança?
Homero: – Há uma teoria de comunicação que diz que a melhor forma de convencimento é apresentar o pró e o contra ao mesmo tempo.
Se você coloca só o seu ponto de vista – e esse é o erro dos políticos em geral – o sujeito se sente agredido, enganado e não aceita. Se você mostra as duas ideias, ele tem dois polos para optar. Eu, descobri, então, que o debate era o segredo da televisão. Que o debate na televisão – não pela televisão, mas pelo debate em si, – poderia modificar o voto, mas apenas o voto não cristalizado. E a essa altura, 90 dias antes da eleição 52% do eleitorado estavam nessa situação, sem candidato definido.
Playboy – a Globo promoveria depois um debate com os 5 candidatos a governador. Qual foi o resultado?
Homero – Na pesquisa que eu pedi apareciam coisas assim: Quem ganhou o debate foi o Brizola mas eu vou votar no Miro”. Esse era o voto cristalizado. Mas os outros, os que não tinham voto cristalizado, é que iam dar a tendência dos 52% ainda sem candidato e (nesta pesquisa) dava Brizola. Na pesquisa de votos cristalizados, realizada em setembro, Miro tinha 17% dos eleitores, Sandra tinha 13%, Moreira Franco 11% e Brizola 10%, mas comparando essa pesquisa com a do mês anterior Brizola tinha um crescimento fantástico e, projetando-se isso em função dos eleitores não definidos, ele ganharia.
O Brizola veio à minha casa e eu disse a ele, que estava sentado aí: Você é o governador do estado.
Playboy – Como você podia ter certeza?
Homero – Porque eu tinha feito um levantamento por profissões e o Brizola crescia na indústria, na prestação dos serviços, nos inativos, nos estudantes, no comércio, no transporte. A Sandra só ganhava na agricultura que representava apenas 2,3% do eleitorado.
Playboy – Qual é a importância disso?
Homero – É uma descoberta de um senhor muito sério chamado Max Weber, o maior sociólogo do século. A profissão tem grande influência no comportamento político do indivíduo. Você vota com sua classe. É difícil o empregado votar com o patrão.
Playboy – Exemplificando…
Homero – Exemplificando, você verifica que, numa eleição | os médicos estão votando majoritariamente em determinado candidato. Há poucos médicos com votos já cristalizados. Mas você sabe que a grande quantidade dos médicos com votos (ainda) por cristalizar escolherá o mesmo candidato.
É simples assim…
…
– E agora, finalmente vamos à quinta aula magistral de Homero Icaza Sánches: O perigo dos “luas pretas” e sua crença de que a teoria é mais importante do que a realidade;
O extraordinário sucesso de El Brujo se deve tanto à sua capacidade técnica aplicada ao processo de coleta das informações como a sua capacidade para interpretar os dados, de olhar para a pesquisa, entender seu lado humano e de penetrar nos números com olhar de Raio X para decifrar seus significados mais obscuros. Ele explicava, “quando você faz análise de pesquisa, tenta conhecer a alma do homem e não o número”.
Um dos traços mais importantes do talento de Homero era sua empatia com o povo brasileiro. Essa empatia transparecia em suas análises e na sua visão generosa da alma brasileira. Talvez sua sensibilidade estivesse sempre tão em sintonia com a audiência brasileira porque ele, embora panamenho de origem, era tão “miscigenado” como nosso povo. Seu sobrenome, Sánchez, foi herdado do seu avô chinês, que, para se casar, teve de se batizar e adotar o sobrenome de seu padrinho. Seu bisavô era alemão, sua avó materna era peruana e seu pai era espanhol.
E, depois, Homero, antes de ser pesquisador e sociólogo, era poeta e se inspirava em Manuel Bandeira, o poeta que versejava sobre ir-se embora pra Pasárgada.
Por tudo isso, Homero acreditava que o fenômeno humano era a base do marketing. Acreditava que a pesquisa devia penetrar no amago das pessoas e no espírito da sociedade, iluminar os sentimentos e aspirações, tanto individuais como coletivas, para capturar os vetores que se condensavam como tendências. Seu foco era garimpar informações verdadeiras e não se limitar aos resultados aparentes. E para ir fundo e obter resultados precisava, frequentemente, quebrar paradigmas, ser disruptivo e contradizer conceitos e crenças enraizadas na estrutura de poder. O que, é claro, nem sempre agradava alguns poderosos da Globo, um grupo que não gostava de seus métodos e que ele, na entrevista, chamava de “Luas Pretas”.
Pergunta da Playboy:
O que é um “Lua Preta”?
Homero – É um sujeito que considera a teoria mais importante que a realidade, a doutrina mais importante que o fenômeno e que pensa que pode modificar o fenômeno em função da doutrina ou da teoria. O Lua Preta é um indivíduo acatado pelos títulos que tem. Ele pode fazer seu bacharelado aqui, mas sempre tem um mestrado, um doutorado fora, que é para assustar os índios.
Ora, o Marketing é uma disciplina que combina ciência e arte, que respira inovação e empatia, que vive do fenômeno humano. Neste sentido o Marketing é a coisa mais anti-teoria que existe, porque ele muda a teoria o tempo todo.
A conclusão é que, para a mágica de El Brujo ter dado certo na Globo foi preciso unir o conhecimento do público que vinha das pesquisas e análises de Homero com sua aplicação na arquitetura de programação da emissora.
Foi preciso que o Boni acreditasse em seu talento, lhe abrisse as portas e o apoiasse nos momentos decisivos, especialmente nas incontáveis refregas que El Brujo teve com os Luas Pretas. El Brujo foi a bússola da Globo. Ele dava o norte, apontava o caminho, mas reconhecia que não tinha a autoridade para fazer. O Boni, que dirigia a produção, tinha a autoridade e foi o timoneiro que lhe deu respaldo.
Boni foi o executivo visionário que apoiou El Brujo até que seus acertos se convertessem em resultados e a evidência se impusesse por si mesma.
E aí está a Rede Globo, merecidamente festejando 60 anos de liderança inconteste, uma evidência de que a emissora se mantém no rumo do sucesso e continua, como nos tempos pioneiros de El Brujo e do Boni, buscando a excelência e acertando em seu Marketing ao Alvo.
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