

NASCE A PRIMEIRA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR DO BRASIL
O Pe. Niversindo Cherubin estava no auditório do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Sentava-se na última fileira de poltronas. Preferia viver sua angústia e fazer suas preces da forma mais discreta possível, ainda que sua batina, eblazonada pela marcante cruz vermelha camiliana na altura do peito, o fizesse o personagem mais destacado do auditório.
Era a primeira vez que o Pe. Niversindo Cherubin, desde sua ordenação sacerdotal, 17 anos antes, em junho 1956, se deixava tomar por tão forte emoção. Ali, naquele dia 12 de junho de 1973, reunia-se o Conselho Federal de Educação e seus conselheiros, todos circunspectos cavalheiros, elegantemente vestidos, com exceção do padre salesiano José Vieira, que usava sua batina regular, iriam julgar o processo que poderia tornar realidade seu acalentado sonho de criar a primeira Faculdade de Administração Hospitalar no Brasil
No dia da reunião que julgaria seu processo o Pe. Cherubin chegara cedo. Era homem prático e de ação, sempre com agenda cheia. Mas desmarcara tudo. Aquele não seria um dia como os outros. Tinha o coração nas mãos. Desejava acompanhar o trabalho dos conselheiros de perto. Temia que seu projeto, como tinha visto acontecer com tantos outros, fosse bombardeado pelos conselheiros. O que o sossegava, mas só um pouco, foi que o presidente do Conselho, o dr. Roberto Santos, médico famoso e que, no futuro, seria eleito governador da Bahia e que se tornara seu amigo, o tranquilizara. Se despendesse dele, o novo curso de graduação para Administradores Hospitalares do Brasil seria aprovado. Reafirmou ao Pe. Cherubin que, de fato, no início tinha sido contra, seguindo a opinião da maioria de seus colegas que achava que a administração hospitalar deveria ficar restrita aos médicos, mas depois, após haver estudado o assunto em profundidade e após as diversas reuniões de esclarecimento que tivera com ele, se convertera em fervoroso defensor do projeto.
A agenda da reunião do Conselho tinha variados outros assuntos e, enquanto aguardava, o Pe. Cherubin procurava espairecer lembrando da extensa jornada de sonhos e lutas que o trouxera até ali.
No seu dia a dia como diretor do Hospital São Camilo o Pe. Cherubin sofria horrores com a falta de profissionais qualificados para gerir o hospital. O dia a dia hospitalar é feito de centenas, milhares de micro-eventos e das mais diferentes atividades. E, ainda mais, as atividades hospitalares precisam se encaixar como as engrenagens de um relógio. A falta de um simples dente em uma engrenagem pode emperrar o mecanismo inteiro. Mas onde encontrar esses profissionais qualificados? Médicos e enfermeiras não eram o problema imediato. Existiam e bem-preparados. O gargalo era mesmo a falta de administradores. De pessoal para o meio de campo.
Ele, pessoalmente, já havia obtido sua pós-graduação em Administração Hospitalar na USP. E existiam outros cursos de pós-graduação no meio acadêmico. Mas, como observara em primeira mão, a pós-graduação formava administradores doutos, que mal comparando, atuavam no estilo de “médicos”, ou seja, administradores orientados para o diagnóstico e prescrição de receitas. Entretanto, a carência dos hospitais era de administradores do perfil de enfermagem, ou seja, profissionais tipo “enfermeiras e enfermeiros” que atuassem no dia a dia hospitalar botando a mão na massa. Cuidando de suprimentos, documentos, planilhas, ordens de serviço, logística. Enfim, fazendo a estrutura burocrática e organizacional funcionar.
Pode-se argumentar que toda empresa precisa de bons administradores, mas um hospital lida com vidas humanas. Erros aceitáveis numa fábrica convencional podem ter consequências graves num estabelecimento de saúde. E, para o Pe. Cherubin, os administradores faziam toda a diferença. Uma analogia recorrente é que, se um hospital pode ser comparado com uma orquestra formada por naipes de médicos, enfermeiras e profissionais de saúde conduzidos pelo Diretor Clínico, no papel de maestro, sem os administradores hospitalares não haveria orquestra. Simples assim. De modo que foi, precisamente, por constatar a importância essencial desse profissional que o Pe. Cherubin assumiu para si a missão de formar e organizar os administradores hospitalares que seu hospital precisava. E de que o Brasil carecia.
Neste sentido, seguindo o modelo norte-americano de organização profissional que conhecera em Chicago, já havia criado em 1971 o Colégio Brasileiro de Administradores Hospitalares. (Em 1994 a entidade ampliaria seu escopo de atuação e mudaria o nome para FBAH-Federação Brasileira de Administradores Hospitalares).
E na reunião daquele dia 12 de junho 1973 estava sendo decidido se o Brasil teria faculdades com cursos da graduação em Administração Hospitalar ou se o país iria continuar, como havia feito até então, improvisando e aceitando padrões de gestão hospitalar sofríveis e abaixo da crítica.
Quando chegou a vez do Conselho analisar o projeto do Pe. Cherubin o Presidente do Conselho Federal de Educação, o Dr. Roberto Santos, pelo sim e pelo não, tratou de usar de um artifício matreiro para prevenir eventual derrota: quando chegou a vez de votar o projeto do Pe. Cherubin, levantou-se e, justificando que precisava sair do recinto, convidou o Pe. José Vieira, um conselheiro que suspeitava votar contra o projeto do Pe. Cherubin, para assumir a presidência dos trabalhos. Aparentemente o Pe. Vieira não tinha nada contra seu colega religioso, o Pe. Cherubin, nem nada em particular contra a Faculdade de Administração Hospitalar. É que ele se opunha sistematicamente a todas as novas faculdades propostas, sem exceção. Mas neste caso, indicado para presidir a votação, aceitou a incumbência e deu sequência à pauta da reunião. Foi só então que percebeu qual o projeto lhe cabia colocar em discussão. Ora, na presidência dos trabalhos não podia nem participar da discussão e nem votar. Exceto para um eventual voto de minerva. Mesmo assim foi em frente e chamou a votação. Ninguém se manifestou contra e, desse modo, por unanimidade dos conselheiros presentes, estava aprovada a primeira Faculdade de Administração Hospitalar do Brasil.
Foi então que o Pe. Cerubin, como candidamente confessa em suas memórias, não conseguiu conter as lágrimas teimosas que sulcaram seu rosto. E nem tentou conte-las. Seu coração exultava de júbilo e chorar de alegria era celebrar aquele momento de triunfo e a superação.
A decisão do Conselho, encaminhada para o presidente da República Emílio Garrastazu Médici, foi devidamente assinada em 6 de dezembro de 1973.
Para sair da teoria para a prática o Pe. Cherubin decidiu começar as aulas de sua Faculdade de Administração tão logo possível. Como o prédio que ele estava construindo no Morumbi não estivesse pronto, iria utilizar salas do Seminário Camiliano da Pompéia. Era uma solução provisória, mas possível, para acomodar no primeiro ano os 120 alunos por turma que haviam sido autorizados.
Na verdade, sempre pensando na frente, o Pe. Cerubin já cogitara em como, e onde, abrigar a Faculdade de Administração Hospitalar. Ele antevia replicar no Brasil o que vira funcionando na Alemanha. Um Centro de Administração da Saúde como o “Krankenhaus Institut” de Dusseldorf. Neste centro funcionariam, além da Faculdade de Administração Hospitalar as entidades representativas dos administradores hospitalares, seus órgãos de classe e outras instituições hospitalares. Para tanto já havia se associado ao IPH de Jarbas Karman, para dividirem o investimento: os recursos viriam da Associação de Hospitais do Estado de São Paulo, da qual ele era presidente, e do IPH – Instituto de Desenvolvimento e Pesquisas Hospitalares.
A Primeira aula da Nova Faculdade de Administradores Hospitalares foi marcada para o dia 1º de fevereiro de 1974. Seria um evento solene e memorável para marcar o início de uma nova era para o mundo hospitalar brasileiro.
E de certo modo o foi. Mas por motivo completamente diferente. Naquele dia uma das maiores tragédias da história da cidade interrompeu essa aula inaugural: o incêndio do Edifício Joelma, na região central de São Paulo. Neste incêndio morreram 187 pessoas e mais de 300 ficaram feridas.
Ao saber do ocorrido o Pe. Cherubin correu para o Hospital São Camilo para assumir pessoalmente o comando do atendimento às vítimas da tragédia. O hospital tinha uma localização que facilitava o encaminhamento dos feridos e foi inteiramente mobilizado para socorrer as vítimas.
Os 14 helicópteros mobilizados no socorro às vítimas apanhavam os pacientes em um heliporto improvisado nas proximidades do incêndio e os levavam até o Estádio do Palmeiras. Pousavam no gramado e, dali, as ambulâncias enviadas pelo exército, amplas e práticas, os levavam pelos dois quilômetros restantes até o hospital.
No hospital o Pe. Cherubin comandou a criação de um espaço para primeiro atendimento ainda na entrada e promoveu a liberação de um andar inteiro para a internação. Os pacientes que estavam internados foram transferindo para o prédio vizinho ou para outros andares e alguns, para quartos do seminário ao lado. Ele virou a noite trabalhando para garantir que tudo estava funcionando.
No dia seguinte, mesmo com toda a tribulação da véspera, as aulas começaram. O Pe. Cherubin tinha pressa.
Como esperado, assim que a Faculdade passou a funcionar regularmente começou a preparar uma elite de administradores hospitalares. Muitos desses administradores foram, desde logo, convidados a estagiar no São Camilo e, os que se destacaram, foram contratados.
O mais importante foi que, sabendo que podia contar com uma fonte contínua de administradores hospitalares qualificados, o Pe. Cherubin se sentiu encorajado a incorporar novos hospitais na rede camiliana.
Dez anos depois, em meados dos anos oitenta, muitos hospitais de entidades filantrópicas começaram a enfrentar dificuldades administrativas e financeiras e procuraram o São Camilo solicitando orientação técnica. A essa altura o IPH, a Faculdade do Pe. Cherubin, já tinha formado diversas turmas de administradores hospitalares, a maioria dos quais se associaram ao Colégio Brasilero de Administradores Hospitalares, a futura FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares. Vendo nestes pedidos uma oportunidade para ajudar os hospitais filantrópicos e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de trabalho para os seus alunos, o Pe. Cherubin reuniu-se com a equipe que administrava os hospitais já incorporados na rede camiliana. Queria ouvir a opinião de seu grupo de administradores sobre a possibilidade da rede camiliana assumir a gestão destes hospitais. Seu pessoal achou que era viável. O Pe. Cherubin, então, criou na rede São Camilo, um nova unidade que recebeu o nome de “Departamento de Gerência Hospitalar”.
A Diretoria de Gerência Hospitalar atuou durante 13 anos. Terceirizou a gestão e prestou consultoria a hospitais de todo o país. Em 1º de maio de 1990 assumiu a administração da Associação das Obras Sociais da Irmã Dulce, na Bahia. Ainda em 1990, a Gerência Hospitalar assessorou a Universidade do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, na instalação da primeira faculdade de Administração Hospitalar do Rio Grande do Sul. Promoveu a reabilitação financeira da Santa Casa de Belo Horizonte, um feito excepcional para um nosocômio de 1.300 leitos, que, graças a melhorias na gestão, reduziu de 16 para 8 os dias de internação média.
Apesar de seu sucesso, ou até em razão dele, o Conselho Provincial dos Camilianos decidiu encerrar as atividades do Departamento de Gerência Hospitalar em 1998. A principal justificativa foi que a supressão do INAMPS (Instituto Nacional de Assitência Médica da Previdência Social) e a criação, em seu lugar do SUS – Sistema Único de Saúde, ampliava a complexidade da administração financeira dos hospitais que atendiam o governo e recomendou que a Sociedade Beneficente São Camilo concentrasse seus esforços na gestão dos seus hospitais próprios. O Pe. Cherubin, então, organizou uma transição dos hospitais terceirizados que desejassem para a Pró- Saúde, uma entidade que foi criada pelos administradores hospitalares que administravam o Departamento de Gerência Hospitalar.
Ao encerrar seus 13 anos de atividades os números do último ano da Gerência Hospitalar falam por si:
– 80 hospitais sob administração terceirizada; 7.981 leitos hospitalares; 1.734.339 pacientes-dia-ano; 165.356 cirurgias-ano; 63.647 partos-ano; 4.143.570 exames diversos; 2.045.664 consultas; 7.217 funcionários; 6.148 médicos.
As dezenas de faculdades de Administração Hospitalar hoje espalhadas por todo o país e a FBAH – Federação Brasileira de Administradores Hospitalares e sua intensa atividade em Simpósios e Congressos voltados para o aperfeiçoamento profissional dos administradores associados estão no centro do legado que o Pe. Niversindo Cherubin deixou para os hospitais e para a saúde brasileira.