Olavo Setúbal

PATINHO FEIO DE CONCRETO – COMO UM PRÉDIO ABANDONADO NO MEIO DO MATO SE TRANSFORMA EM UM MEGA HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM SÃO PAULO

De Balisa para o Mundo, Parte 3

PATINHO FEIO DE CONCRETO – COMO UM PRÉDIO ABANDONADO NO MEIO DO MATO SE TRANSFORMA EM UM MEGA HOSPITAL DE REFERÊNCIA EM SÃO PAULO

Esta história conta como dois personagens marcantes da cidade de São Paulo, um prefeito realizador e carismático, filho do poeta e escritor Paulo Setúbal, neto do deputado federal e vice-presidente da província de São Paulo, Olavo Egídio de Sousa Aranha, trineto da viscondessa de Campinas, do visconde de Indaiatuba e do barão de Sousa Queirós, sobrinho-neto de Osvaldo Aranha, sobrinho-bisneto do marquês de Três Rios, da baronesa de Itapura e da baronesa de Anhumas, sobrinho-trineto do visconde de Vergueiro, do barão de Limeira e da marquesa de Valença, e, ainda, tetraneto do senador Vergueiro, um dos mais influentes políticos do Império do Brasil, Olavo Setúbal, e seu comparte, um padre camiliano de origem veneta, nascido na Villa de Balisa, em Erechim, juntam forças para entregar a São Paulo um dos maiores e mais icônicos hospitais da cidade, o Hospital São Camilo Santana.

Foi em um sábado de manhã, em novembro do ano de 1975, que lendo o jornal Folha de S. Paulo, o Pe. Cherubin se deparou com uma matéria cujo título era “Hospital Abandonado na Zona Norte”.

A matéria versava sobre a situação de um prédio enorme de um hospital abandonado no populoso bairro de Santana. Uma foto aérea mostrava o monstrengo no meio de um matagal.

Aquela notícia não poderia ter vindo em momento melhor.

O Hospital São Camilo da Pompéia era a joia da coroa dos camilianos no Brasil. O hospital, que havia passado por turbulências administrativas no período de afastamento do Pe. Cherubin, durante os três anos em que atuou no governo federal como Coordenador do Atendimento Médico Hospitalar do Ministério da Saúde, voltara a operar com lotação completa depois que o Pe. Cherubin retomou a direção do hospital, instado a voltar pelo Pe. Calisto Vendrame, o Provincial dos Camilianos.

Era evidente, para o Pe. Cherubin, que estava mais do que na hora de partir para uma expansão. E ele até já estava se preparando para isso.

Com o jornal na mão, ainda no sábado, o Pe. Cherubin procurou seu amigo, o prof. João Sampaio Góes Júnior, que sabia ter relações próximas com o prefeito Olavo Setúbal. Explicou seu interesse, deu a ele o artigo e pediu para que dissesse ao alcaide que ele poderia assumir aquele prédio imediatamente para transformá-lo num grande e modelar hospital.

Como Deus escreve direito por linhas tortas, seu amigo, o Prof. Sampaio Góes, coincidentemente, integrava um grupo que iria almoçar com o prefeito no dia seguinte, domingo. Concordou em mostrar o jornal, levar a proposta do Pe. Cherubin e defender a causa. Na segunda-feira, logo cedo, trouxe a resposta para o Pe. Cerubin: o prefeito mandou dizer que “o prédio é seu”!

O Pe. Cherubin foi ver de perto o prédio abandonado. Era uma estrutura enorme, um monumental esqueleto de concreto armado que havia sido planejado para ser o hospital da Aeronáutica em São Paulo, mas que nunca havia sido acabado. A construção havia começado em 1956 e a FAB queria inaugurá-lo no dia 21 de abril de 1960, na mesma data da inauguração de Brasília. Como, porém,  Juscelino Kubistchek só tinha olhos para a nova capital e a FAB não conseguia dinheiro nem para comprar os aviões que precisava, um novo ministro da Aeronáutica parou aquela obra megalomaníaca e negociou o prédio inacabado com a prefeitura de São Paulo.

A prefeitura, por seu lado, também não tinha recursos para fazer o hospital e apenas vinha utilizando uma pequena parte como oficina para o conserto de ambulâncias.

O Pe. Cherubin foi conversar com os vereadores para negociar com a Câmara Municipal de São Paulo. O bom nome do Hospital São Camilo da Pompéia ajudou e a câmara aprovou uma lei concedendo para os camilianos o prédio e o terreno nas seguintes condições: duração do comodato 50 anos, renovável; 24 meses de prazo para a instalação de ambulatório e um andar para salas para cursos profissionalizantes; mais 24 meses para a instalação do pronto-socorro e de 100 leitos para internação e 12 anos para o término das obras com 400 leitos.

Tudo pronto para começar as obras veio outra notícia: as plantas originais tinham sumido. Nem a Aeronáutica e nem a Prefeitura sabiam o paradeiro delas. Mesmo assim o Pe. Cherubin foi em frente e tralhando dia e noite e colocando na obra 250 operários, apenas 90 dias após a assinatura do comodato, na data de 27 de outubro de 1977, o hospital abandonado da zona norte programou a inauguração de um belo e bem equipado ambulatório.

O Pe. Cherubin mandou um portador levar um convite da inauguração do ambulatório ao prefeito Olavo Setúbal. O prefeito Setúbal leu e ficou assombrado. Apenas outro dia ele tinha recebido em seu gabinete o elegante Pe. Cherubin e assinado o comodato com os camilianos e, em três meses, já vinha um convite para inauguração? Seu banco, o Itaú, fazia obras neste prazo, mas instalar uma agência é uma coisa, pegar um prédio abandonado no meio do mato e instalar um ambulatório médico era outra. Isso ele precisava ver. Quando chegou para a inauguração o prefeito ficou maravilhado. O mato tinha desaparecido. Na entrada do ambulatório havia uma ampla praça com jardim, feericamente iluminada, área de estacionamento sinalizada, cobertura para ambulância e garagem. Pe. Cherubin já construía pensando em um hospital de 400 leitos e não em um ambulatório. Foi receber o prefeito de braços abertos e o convidou para conhecer as dependências do ambulatório. Como tudo tinha sido feito para servir a um grande hospital, a área de recepção, salas de espera, os consultórios médicos, as salas de procedimentos, salas para exames de laboratório e imagem, salas de preparo de medicação, salas de serviço e esterilização, copa, sanitários e depósitos eram grandes, bem mobiliadas e bem-acabadas. O prefeito estava um entusiasmo só. Fez questão de dar ao padre um grande e sólido abraço para mostrar sua admiração e cumprimentá-lo pela façanha.

Mais 90 dias e o Chefe do Gabinete, Erwin Friedrich Fuhrmann entrou no gabinete fazendo um ar de cerimônia. Aí entrega ao prefeito Olavo Setúbal um belo envelope de opaline. Dentro outro convite. Era para outra inauguração. E, de novo, daquele padre alto, refinado e elegante como um nobre veneziano. Setúbal não resistiu e abriu um vasto e sonoro sorriso de incredulidade. O que o Pe. Cherubin ia inaugurar agora? Desta feita era todo o segundo andar, aquele que, conforme o acordo com os vereadores, deveria ser dedicado à salas de ensino profissionalizante e que deveria ficar pronto em 48 meses. O Pe. Cherubin o entregava em 180 dias.  O prefeito seguiu o Pe. Cherubin pelo segundo andar inteiro e viu que tudo estava estalando de novo. As salas de aula prontas para os cursos técnico. Os quadros verdes com giz nos porta apagadores. O prefeito, ao se despedir o Pe. Cherubin, desabafou: “quem dera eu tivesse mais alguns padres de seu feitio para tocar obras!”

Acontece que a pressa do Pe. Cherubin vinha do simples fato de que ele precisava urgente daquele hospital. O São Camilo Pompéia estava saturado e tendo que recusar internações, desagradando sua clientela médica. Na continuidade, mantendo o ritmo das obras 24 horas sem descanso, em mais 2 anos, no dia 3 de março de 1979, ao custo de 10 milhões de dólares, inteiramente custeados pelo Hospital São Camilo Pompéia, o portentoso e reluzente Hospital e Maternidade de Santana estava pronto. O padre Cherubin batizou o hospital com o nome de “Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta”. O nome era uma homenagem ao arcebispo de Mariana que convidou os camilianos para virem ao Brasil. A intenção era louvável, mas o nome não pegou. Desde o primeiro dia de funcionamento ficou conhecido como o São Camilo de Santana.

Agora a inauguração seria com toda a pompa e circunstância. Novamente estava presente o Prefeito Olavo Setúbal. o Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, o Provincial dos camilianos e muitos outros.

O prefeito Olavo Setúbal estava maravilhado. A seguir, a transcrição de trechos de seu discurso na inauguração:

“Meu caro Padre Cherubin, a inauguração deste hospital é uma prova dramática de que a solução para os problemas da saúde do nosso país não depende exclusivamente do poder público. Ela demonstra, com clareza, que o poder público é, muitas vezes, incapaz de resolver problemas fundamentais da nossa comunidade. A solução tradicional do Brasil, de uma entidade sem fins lucrativos, de caráter religioso, unida ao poder público, demonstrou aqui a sua capacidade ao erigir esse Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta.

Logo no início de minha administração, quando procurei enfrentar todos os problemas que estavam parados, por falta de alguma coisa, encontrei esse caso aqui na Zona Norte. E este era um desafio gigantesco: o Governo Federal tinha abandonado a construção, o Governo do Estado tinha se proposto a resolver a situação e também se sentia incapaz de o fazer… este prédio estava abandonado… e recuperá-lo era um desafio gigantesco. O governo municipal, ao avaliar o custo desta solução sentiu que não tinha condições de fazê-lo, pelo menos no curto prazo…

Por isto, vejo com imensa satisfação que a decisão tomada há quatro anos, de entregar este hospital à Sociedade Beneficente São Camilo, foi a solução correta para a solução deste problema. Apenas quatro anos após a assinatura do convênio já temos a grande satisfação de assistir a inauguração do próprio hospital, após termos estado aqui diversas vezes para inaugurar o ambulatório, a escola e outras dependências deste centro hospitalar.

Por isso meu caro padre Cherubim, é a prefeitura de São Paulo que está devedora da Sociedade Beneficente São Camilo desta solução para a Zona Norte de São Paulo, solução que o poder público não soube fazer mas que o senhor, com sua dedicação e especialmente com a sua fé soube mobilizar os homens e os recursos para atender as necessidades desta população.

Congratulo-me com o senhor e com seus auxiliares por esta obra extraordinária e agradeço, realmente sensibilizado, a delicadeza de terem marcado esta inauguração ainda no período de minha administração, quando realmente pouco fiz, porque apenas tive confiança na Sociedade São Camilo, no senhor e nos seus auxiliares.

Entreguei uma obra que a Prefeitura não soube, que o Governo do Estado não pôde e o Governo Federal não quis resolver e o senhor, em quatro anos, conseguiu fazer aquilo que os governos não tinham a condição de fazer.

Agradeço, portanto, e o cumprimento muito sinceramente, por esse extraordinário feito que vai marcar a sua ação entre nós de uma forma definitiva. De uma forma que jamais a população de São Paulo e a sua prefeitura esquecerão.

 Muito Obrigado.

O atual Hospital São Camilo Santana – antigo Centro Hospitalar Dom Silvério Gomes Pimenta, foi inaugurado com 400 leitos, sendo a maioria em enfermarias coletivas. Atualmente foi reconfigurado e possui 264 leitos instalados em apartamentos. O Hospital atende a uma população estimada em dois milhões de habitantes, na Zona Norte da cidade de São Paulo, onde é o único a realizar cirurgias de alta complexidade, além de atender outras especialidades, como clínica médica, obstétrica e pediátrica. O hospital mantém convênios com sete faculdades da área da saúde, abrigando 35 estagiários em residência médica e 52 em enfermagem.

As quatro unidades da Rede Camiliana da cidade de São Paulo oferecem, em conjunto, 750 leitos, possuem cerca de 6 mil colaboradores e aproximadamente 7.900 médicos cadastrados. O atendimento é exclusivamente privado e os recursos provenientes dos hospitais de São Paulo permitem subsidiar vários hospitais administrados pelos camilianos distribuídos pelo país e que oferecem atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).