Vivemos em uma era em que as pessoas aspiram ter um papel relevante no dia-a-dia do mundo em que vivem. Especialmente, querem participar democraticamente das decisões que afetam suas vidas.
A definição mais aceita de “Democracia” é a do discurso de Gettysburg, proferido pelo presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, segundo a qual “Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”. É importante notar que Lincoln fala em “governo” e não em mera “eleição”.
A “eleição” não é uma “carta branca”, uma procuração irrevogável que dá “Plenos Poderes”. Uma “terceirização” do poder. A eleição é um mandato para o cumprimento de uma proposta, de um plano, de um projeto que foi apresentado na campanha eleitoral. O entendimento de que “eleição” seja sinônimo de “democracia” vem dos regimes comunistas, que sempre usaram e abusaram da palavra para encobrir eleições manipuladas e regimes de partido único.
No caso brasileiro, que conta com uma sociedade diversificada e uma classe média poderosa, os esforços da esquerda de instalar no país um governo de partido único nunca deu certo. A ultima tentativa, a que estamos vivendo, com o esquema de cooptação lulopetista, vem esboroando por suas própria incongruências.
A prática da “Democracia”, no Brasil, com governo presidencialista e voto proporcional, se constitui em uma democracia de faz-de-conta. A eleição acaba sendo uma “democracia enganosa”, em que os candidatos vendem sonhos e entregam pesadelos. No Brasil, o que se pretende seja “democracia”, é pouco mais do que ir votar a cada dois anos: para prefeitos e vereadores em um dado ano e, dois anos depois, para os demais cargos eletivos, presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Este processo é vicioso por favorecer o balcão de negócios e por servir aos interesses corporativos de grupos econômicos. Poderia até se justificar quando as comunicações eram precárias e não se dispunha das facilidade e tecnologias digitais de hoje. Atualmente, porém, não faz mais qualquer sentido.
Enquanto a economia estava à todo vapor, a sociedade se mantinha relativamente desinteressada de um participação efetiva no cotidiano da política. Ainda que houvessem avisos e indicadores alarmantes, ainda que muitos observassem o cenário com preocupação, não havia massa crítica para uma ação coletiva mais concreta.
Nesse meio tempo, a cultura digital se tornou mais acessível e se popularizou. Milhões de jovens e outros nem tanto, juntaram-se na utilização massiva da internet e das mídias sociais. A tecnologia digital, pervasiva e conveniente, foi se espalhando e se tornando onipresente, moldando os mais diversos campos da vida brasileira contemporânea. Desde coisas simples, como trocar mensagens, estabelecer contatos sociais, comprar online , pagar contas, enviar vídeos e imagens ou juntar-se na mobilizando milhões de pessoas para saírem para a rua para protestar.
Mas naquilo que é fundamental, que decide sobre coisas públicas, sobre a estrutura e a organização social, o tamanho do Estado, o futuro do país e de seus cidadãos, as pessoas ainda enfrentam barreias e bloqueios. Quando o cidadão encontra algum espaço, mesmo quando supostamente democrático, mesmo nas eventuais “consultas públicas”, quase sempre a participação tem se revelado mera mistificação.
Acresce que, a democracia brasileira, com o calendário rígido do presidencialismo e do voto proporcional, nunca se mostrou um bom sistema. Copiado dos Estados Unidos, por imitação populista latino americana, o sistema não funciona adequadamente nem mesmo no país de origem. La, ao menos, as eleições para a câmara são distritais e ocorrem a cada dois anos. Se poderia até desconfiar que sua adoção, ao sul do equador, se deu precisamente por ser o mais conveniente à entranhada cultura da corrupção.
Portanto, se o presidencialismo, que reúne na mesma pessoa o chefe do Estado e o Chefe do Governo, já não era o melhor modelo de governo num tempo de comunicações precárias e difíceis, hoje não há mais razão nenhuma para o Brasil manter vigente o regime de perfil barroco que temos.
De maneira que, como a nação só pode sair desta enrascada com o esforço de todos, nada mais natural que os cidadãos estabeleçam suas condições para se engajar. Em que condições se disporiam a participar com sua parte.
Charge: Latuff 2012 (100 anos de Nelson Rodrigues) “Subdesenvolvimento não se improvisa: é obra de séculos!” – Nelson Rodrigues
As novas gerações, todavia, se mostram dispostas a enfrentar o desafio e desmontar o complexo emaranhado de interesses que dão sustentação a esta praga que absorve e dissipa os recursos do país e não permitem que o Brasil alce voo e alcance seu destino como nação.
Entranhada no contexto cultural e onipresente ao longo de toda a história brasileira, a corrupção é aceita com complacência por parcela importante da população.
Resignadamente, muitos a têm como uma manifestação inescapável da brasilidade e do caráter nacional. Faria parte do panorama social amoral, assim como a malandragem carioca ou o Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, do paulista Mário de Andrade.
Entre as causas para a transigência coletiva com a corrupção está a pouca percepção pelo povo de que o dinheiro desviado dos cofres – ou empresas públicas – é dinheiro que pertence ao povo. Dado o baixo nível de educação geral e o virtual analfabetismo cívico, com um olhar aborrecido sobre as contas públicas, é muito comum as pessoas pensarem que o dinheiro do governo seria ilimitado. Que nasce por geração espontânea. Seria um dinheiro que o governo “cria”, ou dado o pendor para o pensamento mágico de muitos brasileiros, um dinheiro que “pinta”. (Faz que o dinheiro “pinta”…)
A propósito, atribui-se a Nelson Rodrigues, o agudo observador da cultura social brasileira, o desabafo, “toda vez que vejo um brasileiro ligar causa a efeito, tenho um orgasmo…”
Nelson Rodrigues, porém, acreditava no Brasil. O jornalista, dramaturgo, escritor e mordaz crítico da sociedade brasileira de sua época e um dos intelectuais brasileiros mais lúcidos dos meados do século XX, achava que faltavam ao Brasil lideranças que o compreendessem e o amalgamassem. Uma de suas frases deixava claro este ponto de vista: “O Brasil é um elefante geográfico. Falta-lhe, porém, um rajá, isto é, um líder que o monte”.
Esse líder ainda não se apresentou até hoje. De todos os que passaram, após o tempo de Nelson Rodrigues, dois líderes se destacaram no perfil preconizado por ele: Juscelino Kubistchek – o construtor de Brasília – e Fernando Henrique Cardoso, que domou a inflação e provou ser possível colocar o Brasil nos eixos sem necessidade de um governo de força. Mas a obra permanece inacabada. O Brasil continua um elefante geográfico e continua sem um líder para montá-lo.
Nelson Rodrigues, por sua parte, não considerava essa uma tarefa fácil. Compreendia a dificuldade de circunscrever os traços culturais que produziam o subdesenvolvimento: “Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”.
O subdesenvolvimento brasileiro sempre se sustentou na aceitação, por parte da sociedade, de desempenhos medíocres disfarçados por retórica ufanista e bombástica. Promessas irrealizáveis e arroubos insuflados por mentira e ignorância foram a marca do governo lulopetista.
A explicação pode ser encontrada no “complexo de vira-lata”, a que aludia Nelson Rodrigues. Inicialmente se referia ao trauma sofrido pelos brasileiros com a derrota da Seleção Canarinho para a Seleção Uruguaia de Futebol em 1950, na final da Copa do Mundo e em pleno Maracanã. Mas acabou incorporada à cultura do subdesenvolvimento.
Para Rodrigues, o complexo não se limitava somente ao futebol. Segundo explicava ele o “complexo de vira-lata” seria a inferioridade que grande parte dos brasileiros sentem em relação ao resto do mundo.
Ainda segundo Rodrigues, “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.
Sempre se menciona que Pero Vaz de Caminha fez o primeiro pedido ao Rei de Portugal, dom Manuel I, já na ”Carta do Achamento do Brasil” , a primeira carta escrita nesta Terra de Santa Cruz.
A cultura, na definição do antropólogo Edward B. Tylor, é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”[i].
A “cultura social”, em complemento, pode ser definida como o conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade. Mais sutil é o conjunto de “valores”, as crenças fundamentais, que norteiam o comportamento.
Dentro do contexto da filosofia, a cultura está a serviço das necessidades, aspirações e desejos humanos. A cultura, vista pela ótica da civilização, reúne a maneira como o homem foi resolvendo seus problemas ao longo da história. Cultura, assim, algo que o homem criou ao longo de gerações. Como somos “animais sociais” – e nenhum homem é uma ilha – o “Homo-sapiens” só se torna homem porque vive em meio a um grupo cultural. Dentro deste grupo cultural predominam as ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais que estabelecem o que é aceitável e o que não é. Ou seja, o que é bom e o que não é, que estabelece a noção do bem e do mal para aquele grupo social.
A “cultura social” é, em consequência, um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que confere sentido à vida de seus membros. Representa, portanto, uma força poderosa que permeia todo o tecido social. Dela deriva uma matriz de estímulos e condicionamentos que influenciam o comportamento dos membros do grupo e os recompensam na medida que adotam os comportamentos alinhados com os valores do grupo.
Reconhecendo a força da “cultura social” como indutora de comportamentos, o Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Fazenda de Singapura, Tharman Shanmugaratnam, a definiu como a “Mão Invisível da Cultura Social”. Com esta definição, o Ministro Tharmam estabelece uma comparação com a “Mão Invisível do Mercado” de Adam Smith.
“Mão invisível” foi, como se sabe, uma expressão introduzida por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, para descrever o processo virtuoso que ocorre em uma economia de mercado, onde, apesar de não ser visível uma entidade coordenadora do interesse coletivo, a interação econômica dos indivíduos que buscam seus interesses pessoais tende a resultar no “bem comum”. É como se houvesse uma “mão invisível” dirigindo a tomada de decisões dos investimentos e negócios. A “mão invisível”, a que o filósofo iluminista se refere, explicava o que hoje chamamos de lei da “oferta e procura”.
Ainda que o conceito original da “Mão Invisível” de Adam Smith tenha sido questionado em muitas ocasiões, a verdade é que sua lógica intrínseca sobreviveu aos seus críticos pela simples razão de que ela apenas dá nome aos fatores ocultos que intervêm na tomada de decisão dos indivíduos. E que são, estes sim, inteiramente visíveis.
O Ministro Tharman, ao reconhecer a força da “Mão Invisível da Cultura Social” no comportamento das nações, afirma que a construção de “uma boa sociedade” se firma sobre os valores e condutas, especialmente o desejo das pessoas de tomar responsabilidade sobre si mesmas e suas famílias, bem como contribuir para o êxito dos demais.
Para o Ministro Tharman, uma vez que se entenda e aceite o conceito da “Mão Invisível da Cultura Social” se pode usa-lo para mudar a sociedade. Em uma relação de causa e efeito, quando a Cultura Social muda, muda o comportamento da sociedade. A boa notícia é que a cultura social não é imutável. Ela muda em resposta às políticas adotadas.
O Ministro Tharman usa a expressão “Compacto Social” para definir o “acordo” que deve ser estabelecido entre os membros de uma sociedade organizada, ou entre os governados e o governo definindo e limitando os direitos e deveres de cada um.
Ele exemplifica mostrando que as pessoas tendem a agir segundo regras do contexto politico, social e econômico em que vivem. E o sucesso destas sociedades é ditado pela maior ou menor excelência das regras e conceitos adotados neste “Compacto Social”. Quando o “Compacto” reúne políticas saudáveis e adesão da sociedade, a “Mão Invisível” se encarrega de promover o desenvolvimento e distribuir prosperidade. É pelo resultado obtido que se pode avaliar a qualidade dos “Compactos”, a exemplo do resultado em sistemas como o comunismo, a social democracia ou capitalismo de livre-mercado. Para Tharman políticas redistributivas no contexto do “Compacto” podem apenas obter sucesso se forem desenhadas para encorajar uma cultura de responsabilidade pessoal e se promoverem a responsabilidade coletiva entre todos.
Na opinião do Vice-Primeiro Ministro, a quatro áreas que concernem à Cultura Social e devem estar no eixo das politicas do governo são: 1) A mobilidade social sustentada; 2) Acordo claro entre a responsabilidade individual e a responsabilidade coletiva; 3) Cultivar uma cultura de inovação e de aceitar riscos; 4) Crescimento do bem publico e o papel dos espaços públicos e da sociedade civil.
A noção de que a “Cultura Social” tende a moldar o comportamento das pessoas que vivem em um determinado ambiente social não é nova.
A noção de que a “mão invisível” da “Cultura Social” tem efeitos sobre o comportamento social das pessoas equivalente aos efeitos que a “mão invisível” de Adam Smith tem sobre a economia. Para mudar o Brasil, a mão invisível da “Cultura
Social” virá somar-se com a “Cultura Digital”.
“Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar”. (Pe. Vieira)
Ceska – O digitaleiro
[i] (LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006)